quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Eu lesionado na guerra, por Paulo Lopes

  •  

  •  
    Como prova de que não estávamos esquecidos no meio do nada, os nossos altos superiores enviaram-nos mais uma mensagem que em nada era diferente das demais:
    —≪Iniciar operação “arvoredo”. Patrulhar e nomadizar zona indicada≫.
    Era o conteúdo da mensagem!...
     
    O comando desta operação ficava a cargo do alferes L.... o que, antecipadamente, deixava antever uma boa e forte caminhada!
    Os que poderiam ainda pensar o contrário, ou ter uma esperança contida, depressa se desenganaram, pois, como sempre e sem surpresas da generalidade, nem tão pouco alguns murmúrios, andamos e patrulhamos como se fosse a nossa primeira operação: coisas do ex. furriel, agora alferes, L....!
     
    Vimos trilhos antigos.
    Ouvimos tiros dispersos em diversas direções, mas sempre distantes da nossa localização.
    Detetámos algumas pegadas, mas não muito recentes.
    Elementos IN ou postos avançados e que não vimos.
    Enfim, nada de especial para se poder comentar.
    Tudo igual a muitas outras operações já descritas, comandadas pelo disciplinado e cumpridor alferes.
    Assim é que é!
    Direi eu, que gosto muito de dizer coisas!
    Mas o pior, para mim, estava para vir e a meio do terceiro dia de patrulhamentos iniciámos o regresso o que, normalmente, seria menos cansativo pois o caminho passaria a ser mais reto.
     
    Mas, já no ultimo dia previsto para a operação e relativamente perto do estacionamento, ao saltar para um riacho seco e um pouco fundo, bati mal com o pé direito no chão e foi em segundos, que o dito ficou com o tamanho dos dois!
     
    O cabo enfermeiro tomou de imediato as devidas precauções. Fez o que pode, mas, o que pode, foi constatar que eu já não sairia dali pelos meus próprios meios.
    Como já estávamos relativamente perto do estacionamento e não nos encontrávamos muito longe da picada que fazia a única ligação ao nosso pequeno mundo, o alferes contactou com o posto rádio, pedindo que uma viatura fosse ao nosso encontro.
     
    Enquanto parte do grupo de combate seguia em frente e num patrulhamento à zona envolvente da picada para uma proteção à viatura que se iria deslocar até nós, os outros e após terem improvisado uma maca, carregaram comigo até ao ponto anteriormente combinado com o estacionamento.
    Alcançámos a picada e não tardou muito tempo que o roncar da Berliet se começasse a ouvir.
    Estendeu-se um cordão de segurança com os homens que tinham seguido em frente e ao passar da viatura iam subindo para esta até todos sermos transportados para nossa casa.

    Andei alguns dias ora de pé no ar ou então em pleno decúbito, o que não era de todo desagradável.
    O pior eram as dores que só passavam enquanto o efeito das injeções que os dedicados enfermeiros faziam o favor de não se esquecerem de dar, não perdiam a sua ação.
    Aliás, para mim, é um pouco difícil diferenciar se era o efeito das injeções administradas por eles que me fazia esquecer as dores no pé ou se, pelo contrário, eram as dores provocadas pela injeção no meu traseiro que faziam esquecer as que tinha no pé!!!

    Como diz o outro: ≪por morrer uma andorinha não acaba a primavera≫.
    E então vai dai, mais uma coluna saiu para Macomia ficando eu a olhar a partida com a perna que sustentava o meu pé lesionado apoiada numa improvisada bengala.

    paulo lopes 
    in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Sem comentários:

Enviar um comentário