segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Aramistas, por António Encarnação

Sim, poderemos também estar no "canal memória".
Já publiquei este texto umas duas vezes.
Alguns de vós irão lê-lo pela primeira vez.
Um contribuição literária de um chefe "ferrugem-aramista " da 3509.
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Aramistas
Quando aqui se fala em “aramistas”, eu concordo que havia grandes diferenças. 
Havia gente que andava na guerra e outros que iam proporcionando condições para que os operacionais pudessem cumprir a sua missão. 
De defesa da pátria, claro.

Alguns desses operacionais adoravam o papel de “Rambos”. 
Notava-se na forma como actuavam e, até, como falavam com subordinados e colegas. 
Outros, nem por isso.
Eu não conseguia compreender os Rambos, mas não os criticava.

Lamentavelmente, a defesa da pátria não era, por mim, sentida como um desígnio. 
A pátria era o rectângulo e o resto eram como que devaneios de gente que parecia saber mais do que eu.
Também não me comovia com aquele sentimento de posse que dominava a nossa sociedade, tão bem exemplificado na célebre “Angola é nossa”. 
É que muito antes, já alguns colegas estudantes africanos, me tinham explicado, em noitadas na Casa do Império, que era deles, que era a sua terra.

Nem o conceito nacional de terrorista eu aceitei facilmente. 
Quando as “coisas” apertaram em Lisboa, alguns desses amigos africanos piraram-se. 
Saíram do “sistema” que o mesmo é dizer que passaram a ser clandestinos. 
Devem ter regressado à sua terra, Angola, e devem ter ficado do outro lado da barricada, para não serem presos.

Se calhar, passaram a ser terroristas, mas eu sabia que não eram. 
Eram idealistas, bairristas e nacionalistas. 
E, principalmente, eram jovens como nós, mas habituados a uma terra com maiores horizontes e mais liberdade do que a nossa.

Aprendi mais tarde que a guerra deles era feita por outra gente. 
Os que conheci, seriam talvez, dirigentes ou pensadores ou estrategas, mas não eram “carne para canhão” como os jovens portugueses.

Por entre todas estas e muitas outras "variáveis", estive 2 anos em Macomia, na grandiosa Zero Nove.
Obviamente, relacionava-me mais com os aramistas e ia vivendo, à distância, as vidas duras de alguns operacionais.

Ao contrário do Joao Reis, nunca fui um militar e muito menos, um militar aplicado. 
Tinha muitas dúvidas e quanto a certezas, acho que não tinha nenhumas.

No entanto, isto não me fez esquecer a necessidade de cumprir com a minha obrigação e fi-lo. 
Fiz o melhor que sabia e que podia. 
Ainda hoje o afirmo calmamente, sem vergonha, nem desejos de disfarçar.

António Enc
14/11