terça-feira, 27 de setembro de 2016

O Bingo e o 1º ataque a morteiro, por Livre Pensador


Livre Pensador (Ribeiro)
 
Como todos os ex-militares certamente se recordam, os tempos livres passados, quer na metrópole, quer no designado ultramar, eram frequentemente preenchidos com alguns jogos (cartas, loto, etc. etc.) em que se procurava juntar o útil ao agradável (para alguns), aliando o componente dinheiro a esses passatempos.
 
 
 
Com...o em tudo na vida, no fim desses mesmo jogos alguns acabavam satisfeitos com mais alguns escudos na carteira e outros desiludidos por passarem a ter mais ar nos seus bolsos.
 
Por uma questão de princípio sempre consegui manter-me á margem desses jogos de azar, precisamente porque sempre pensei que a minha sorte não estava vocacionada para esse tipo de atividades.
 
Mas, como há sempre uma primeira vez para tudo, certo dia, já no decorrer da missão que a companhia 3508 desempenhava no Chai, entendi que não viria mal ao mundo experimentar a sensação de participar num jogo a dinheiro.
 
Era frequente na messe de sargentos jogar-se o loto á noite, após o jantar, adquirindo cada cartão pela quantia de 2$50 (dois escudos e cinquenta centavos).
 
Quem completasse em primeiro lugar os números do seu cartão, seria o beneficiário da verba em jogo.
 
E foi assim que nesse dia 11 de Julho de 1972 resolvi fazer a minha iniciação ao jogo a dinheiro.
 
E perguntarão todos vós; porquê recordar esse dia?
Já vos conto o resto.
 
Decorria o jogo do loto com toda a normalidade e devo confessar que até me sentia feliz, pois o saldo estava a ser bastante positivo para mim (a sorte protege os inocentes) e para outro camarada furriel, sendo que ambos já tínhamos um bom pecúlio de moedas de 2$50 em cima da mesa.
 
 
 
Eis senão, quando se desencadeia o primeiro ataque á morteirada ao Chai, por parte da Frelimo.
 
 
 
Naquela messe de sargentos era ver quem mais conseguia fugir, provocando um turbilhão de mesas a cair, cadeiras a voar, dinheiro e cartões pelo chão, etc. etc.!
 
Quanto a mim, dei corda ás botas e só parei no abrigo do morteiro 81, começando de imediato a ripostar ao ataque, o qual felizmente não causou danos físicos aos militares da 3508.
 
Após cerca de 20 a 30 minutos de "festival", foi possível voltar á messe onde ainda se encontrava um furriel "bem escondido" e "bem protegido" atrás de duas grades de cerveja!
 
Do dinheiro espalhado pelo chão, cada qual tentou apanhar aquilo que tinha investido e tudo acabou por ali.
 
Foi assim que aconteceu o primeiro ataque que a 3508 sofreu no Chai e foi assim que acabou a primeira, única e última vez que joguei a dinheiro durante os 39 meses de vida militar.
 
Aquele dia 11 de Julho de 1972 ficou para sempre gravado na minha memória, acabando por confirmar as minhas suspeitas de que nunca tive sorte ao jogo!
 
Ribeiro.

domingo, 25 de setembro de 2016

"UMAS COISAS" ESCRITAS PELO ANTÓNIO ENCARNAÇÃO, por Duarte Pereira

Duarte Pereira
 
PARA MINHA SATISFAÇÃO VOU PUBLICAR "UMAS COISAS" ESCRITAS PELO ANTÓNIO ENCARNAÇÃO, QUE MUITOS NÃO TERÃO LIDO.
QUEM NÃO GOSTAR DE TEXTOS COMPRIDOS, SALTE EM FRENTE
.
António Encarnação:
 
Os "19 dias da Beira" são um bom título para um conjunto de contos que poderão ilustrar como a vida foi dura, para alguns, em determinados momentos.
 
- Porque fiquei alojado no Hotel D. Afonso V?
- Porque me tornei fã de espetáculos sul-africanos?
- Porque ainda hoje gosto de acordar, ao nascer-do-Sol, na praia?
- Porque desejei que aquele maldito avião de regresso nunca tivesse vagas?
- a importância de ter perdido os óculos escuros e a necessidade de optar por horários menos ensolarados?
 
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A questão é que tive diversos parceiros nestas importantes missões na Beira e nenhum deles falou até agora.
Por isso, vou aguentar-me.
 
Mas posso acrescentar que uma das sul-africanas me apareceu, pouco depois, em Lisboa e a coisa ficou difícil.
Por causa da língua, claro.
 
Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
Estamos a gostar do "aperitivo".
Sr António Encarnação.
"Os parceiros" fazem parte deste grupo"?
Será que se esqueceram?
Não gostarão ou não terão jeito para escrever?
Já notou algum deles a comentar alguma coisa nesta página?
Nós gostaríamos de colaborar. Se está mais à vontade com um ex-combatente, solicitaremos a ajuda do Sr Duarte.
 
Gilberto Pereira:
HAVIA UMA CANÇÃO QUE ERA ASSIM " SACA-ROLHAS "
 
Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
Vamos com calma.
Onde andarão os outros?
Acabaremos por descobrir.
 
António Encarnação:
Esta menção aos combatentes é importante e oportuna.
Foram muitas as frentes, embora houvesse quem estivesse mais predisposto a missões de paz e de apaziguamento.
A verdade é que reduzidas unidades, inferiores a uma secção, com elementos bem apetrechados e com elevado poder de penetração, conseguiram, ali, vencer duras batalhas.
E recorrendo a Camões:
Vénus decide preparar o repouso e prémio para os portugueses.
Dirige-se, com esse objetivo, a seu filho Cupido e manda reunir as Ninfas numa Beira especialmente preparada para os acolher.
Os portugueses desembarcaram na Beira e as Ninfas deixaram-se ver, iniciando-se uma perseguição. Para aumentar o desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram uma pequena resistência, apenas se deixando apanhar ao fim de algum tempo, efetuando-se, então, o «acasalamento» entre elas e os garbosos combatentes.
Tétis, a mais importante e loura, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se ao chefe, recebendo-o com honesta e sedutora pompa.
Depois de se ter apresentado e de ter dado a entender que ali viera por alta influição do Destino, tomando o Chefe pela mão, levou-o para o seu hotel, onde lhe explicou o significado alegórico da «Beira dos Amores»: as Ninfas do Oceano, Tétis e a Beira outra coisa não eram que as deleitosas honras que a vida fazem sublimada.
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Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
Agora sim.
Ainda por cima com a ajuda do Camões a "poesia" está a aquecer.
Vemos algum risco associado, parece haver por perto "canibais".
Poderá não haver muitos apreciadores da sua literatura.
Mas... conhecemos pelo menos um que se irá "partir a rir", o Sr Rui Brandão.
 
António Encarnação:
 
E Camões também escreveu, como os combatentes sofreram duro:
 
Duma os cabelos de ouro o vento leva
Correndo, e de outra as flaldas delicadas.
Acende-se o desejo, que se cava
Nas alvas carnes, súbito mostradas.
-
Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.
(Canto IX, 83)
 
Gilberto Pereira:
MENTES MUITO ILUMINADAS VAGUEIAM AQUI PELA PÁGINA, INSPIRADOS NO ÚLTIMO CANTO DOS LUSIADAS.
 
Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
Sr António Encarnação.
Qual jornal francês das caricaturas?
Temos a impressão que vai aumentar o número de leitores desta página noticiosa do batalhão.
 
António Encarnação:
Guerras são feitas de muitas batalhas, em que o instrumento de luta não é mais do que um acessório, perante a vontade de vencer.
Para uns, foi a G3, para outros, nem por isso.
 
Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
Já dizia o Sr Duarte Pereira.
Consoante as "lutas" a escolha criteriosa das armas.
 
Gilberto Pereira:
PARA UNS A G3 PARA OUTROS A CANETA3 (azul, preta e vermelha).
 
António Encarnação:
Mas, no naufrágio, Camões perdeu a folha onde escrevera a delicadeza com que as Ninfas, elegantes nos seus vestidos de noite, empurravam o 600, o tal que só pegava de xova.
 
António Encarnação:
Depois disto tudo, haja quem se declare ou vou calar-me para sempre.
 
Velhas DE Estremoz Alentejanas (Duarte Pereira):
As Ninfas empurravam o Fiat 600???
Então também trabalhavam de pé.
Aguardemos pelos declarantes que se declarem.
 
 
 
Duarte Pereira:
E eu que não tenho andado por cá para acompanhar as narrativas do António Encarnação.
Já escreveu umas "coisas".
Vejam os comentários mais acima.
 
 

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Alto da Pedreira, por Duarte Pereira

 
Devido à minha "timidez" tenho falado muito nos ex-combatentes da minha companhia.
 
Depois comecei a acompanhar e tentar identificar elementos de outras companhias.
 
 
Chegou a minha vez.
 
Nos primeiros tempos andava mais ou menos calmo, porque ainda não sabia onde "andava metido".
 
Ao fim de algum tempo na base do aldeamento de Nambine e quase à noite fui buscar com uma secção o correio a Macomia.
 
Em 13 de Julho de 1972 enfiaram-me uma "tosga" que fiquei quase em "coma".
Devo ter ido de Nambime até Macomia deitado num unimog.
 
 
 
Entretanto saíram três ex-alferes da companhia.
O capitão começou a meter "baixa" e a seguir ao ex-alferes Américo Coelho, eu seria o "mais antigo ex-furriel".
 
Talvez em Setembro de 1972 chegámos à última base (Alto da Pedreira).
 
 
Com a possibilidade do ex-capitão estar de baixa e o Américo Coelho estar em Macomia ou de férias aquela "chafarica" estava sob o meu "poder".
 
Um puto com 22 anos com um curso para "tentar mandar "nuns sete ou oito e apanhar com uma base de milícias e dois ou três pelotões, da companhia. ?
 
Havia um assessor que comigo foi pescador.
 
Tínhamos um caçador.
 
Em 1973 tive de falar em Macomia com quem eu não queria.
 
 
 
Pouco tempo passava dentro do quartel.
 
Pensei que os "graduados" não seriam bem vindos à messe dos mais antigos.
 
Sentia-me mais "livre" na base do que na sede do batalhão.
 
Esta é um pouco da minha "história"
Nos últimos três anos já narrei muitos episódios.
 
Os mais novos que avancem.
Estou a ficar cansado.
 
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

"AS BRANCAS", por Duarte Pereira


Duarte Pereira para BATALHÃO DE CAVALARIA 3878


"AS BRANCAS"

Tenho uma vaga ideia de ter chegado a Porto Amélia.



Acho que mudámos de roupa para ir fazer uns exercícios.

Não sei se já tinha ou deram-me uma camisa" brasileira" às cores que me arranhava a pele.
As calças eram também "floridas". .

As botas, para mim não eram novidade.

Uma recordação de Santarém.

Chegados a Macomia, não faço ideia para onde nos mandaram.
Decerto não seria ali o nosso quartel, mas o da C.C.S.


 

Penso que andei por lá uns tempos e a 3509 tinha lá a sua mecânica e a base da secretaria e o refeitório dos que não andavam a "passear".

Durante o ano de 1972 tive um comandante Americo Coelho e um "parceiro", Fernando Lourenço.

Aquele 4º pelotão não deveria estar a resultar para as "aspirações" do major.
Deve ter havido contra - informação.


Sempre ouvimos as "ordens" que nos eram dadas, "mas tínhamos os cabelos das orelhas, muito crescidos".

Em Dezembro e 1973, fui "saneado" para o 3º pelotão e o Fernando Lourenço, uns tempo depois "foi corrido", para organizar uma "base" de milícias no Mucojo.


Houve graduações a furriel, no 2º e 4º pelotões e a alferes no 1º pelotão e um furriel em rendição individual, para "mudar fraldas", para o 3º pelotão.

Se não tivessem mexido no 4º pelotão, a História da "Guerra" naquela zona, poderia não ser a mesma .

Ao meu "curriculum" teria acrescentado mais um ano de "amizade" com o Americo Coelho e Fernando Lourenço.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA, por Paulo Lopes


Paulo Lopes
 
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficamos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante mas não nos preocupou absolutamente nada.
 
Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.
 
Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
 
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estavam, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!
 
Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
 
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
 
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
 
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
 
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
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— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos!
Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.
 
E com estas palavras, poucas e simples, saímos!
Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
 
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples quanto a reunião que acabávamos de ter:
— Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
 
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior. Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!
 
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
 
E lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
 
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
 
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas.
A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!.
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados.
Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
 
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
 
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.
 
Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
 
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
 
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do exercito e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distancia prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
 
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
 
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca.
Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico.
 
Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.
 
Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus.
 
Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.
 
Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
 
Sim! Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
 
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
 
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada.
Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita!
Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.
 
Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!
 
As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
 
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração.
Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
 
Pela forma do ataque, ficamos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distancia, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
 
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memoria como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: — quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
 
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”.
Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
 
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares.
Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Vê para onde vais ou onde te mandam, por Duarte Pereira

 
Quando um "pai " faz um filho, não consegue saber o dia da sua "compilação.

Tira nove meses ao dia do seu nascimento e terá uma ideia.

Já não sei se este Grupo irá a caminho da sua primeira "diuturnidade". ?

"Criado" por um "quadro intermédio" no escalão militar da altura.

Quem apreciará mais. ?

Os que "não mandavam" ?

Os "quadros intermédios" que pensavam que mandavam.

Os "quadros médios" que não fariam nada sem os "quadros intermédios" ?.

Em Santarém nos seis primeiros me...ses, só obedecia.

Nos seis meses seguintes antes de "avionar" para Moçambique , pensava que mandava.

No primeiro ano em Moçambique, não valia a pena mandar.
Estávamos todos no mesmo "barco".

No segundo ano de comissão, cheguei à conclusão que já era tarde para "mandar". 
 Funcionava tudo em "piloto automático".

Nos últimos meses, foram-se cortando as "aventuras".
Queríamos chegar vivos e de boa saúde ao avião que nos traria de volta.

Resumindo : Primeiros dois ou três meses, "cagufa".

Meses seguintes "falsa confiança e alguma aventura ".

Últimos dois meses "Vê para onde vais ou onde te mandam ".




 

domingo, 18 de setembro de 2016

Partiste...E levaste-me para a memória de há 44, 43 e 42 anos atrás, por Rui Brandão

Partiste...
E levaste-me para a memória de há 44, 43 e 42 anos atrás.
 
Só tu (e mais alguns...) me conseguiram fazer viver momentos de alegria e felicidade no ambiente de angústia e incerteza no futuro, do quotidiano de Macomia.
 
Após o telefonema de ontem do sempre atento e disponível Silva (1º cabo escriturário da C.C.S.) deixei-me transportar para os dias em que me escondias os meus ovos de pata.
Chamava-te de tudo; cão São Bernado em estilo de cão rafeiro!!!
 
As partidas cons...tantes que me pregavas.
 
Eras fantático na comunicação brincalhona sempre pura e saudável.
 
Recordas-te meu carinhoso "cão"?
Quando me foste buscar - a mim e à minha mulher e à Chana com 17 meses - após aquele terrível, estúpido e demasiadamente prolongado ataque a Macomia à morteirada?
 
Estávamos indefesos, talvez serenos, mas isso mesmo: Indefesos.
Foste-nos buscar e levás-te-nos para o quartel.
 
Nos dias seguntes, tu e os teus homens montaram proteção à minha casa durante alguns dias. Protegeste a minha família!!!
 
Como é que eu não poderia ir contigo nessa viagem de ontem à noite?
 
Como é que eu te poderei agradecer?
 
Já sei meu querido "cão"...
Tu não queres que te agradeça.
Tu és mesmo assim.
 
Como eu te pude conhecer...
Como tu te deste a conhecer.
Só pode acontecer a quem é puro, intelectualmente honesto, solidário e acima de tudo, amigo de verdade do seu amigo.
 
Desta vez pregaste-me mais uma partida.
Esta foi a última.
 
Deixa lá, vou tentar reagir da mesma maneira.
Vou-te chamar cão rafeiro novamente, mas desta vez não consigo conter as lágrimas.
Nunca me irei separar daquilo que retive de ti.
Até já meu querido "cão".
 
 
Duarte Pereira Rui Brandão.
Tinha um pressentimento que irias aparecer.
Gostei que o fizesses ao teu estilo.
 
Americo Coelho Só agora li.
Só agora soube.
Mas fiquei parado durante algum tempo.
A conversa que tive com ele há dias deixou de ter sentido.
Será que ele já sabia?
Tenho saudades de ter nova conversa.
Até um dia destes.
 
Fernando Silva Antonio Lindas palavras !
Querido Rui Brandão, esta dito!
Paz à sua ALMA .

 
João Novo Brandão, um abraço.
 
Horácio Cunha Certamente, que o Brandão testemunhou aqui os sentimentos que todos nós nutrimos pelo desaparecimento deste bom amigo Bernardo.
Aquele abraço, Rui Brandão

José Guedes Amigo Rui Brandão, quase nem consegui ler até ao fim, pois fiquei emocionado e com as lágrimas nos olhos,.. estes momentos são difíceis de se poder superar, mas temos que estar preparados para tudo isto, este mundo é uma passagem,,, amanha se Deus quiser lá estarei para me despedir dele para a sua última morada,......
 
 
Armando Guterres Um abraço para todos.
 
Filomena Maria Paiva Que descanse em paz, os nossos sentidos pesamos para toda a família, da família Paiva, José Paiva
Jaime Santos Caro Rui, isto é a lei da vida, temos que encarar estas partidas da melhor maneira possível, os meus sinceros pêsames à família direta a à outra, que somos todos nós.