Bom dia Amigos!
O dia 9 de junho é um dia muito difícil para mim e por motivos óbvios, pois a grande maioria sabe do significado desta data.
A MINHA " CRUZ DE GUERRA"...
Como esquecer aquele fim de tarde de 9 de junho de 1973.
Impossível, visto que carrego no corpo e na alma, as consequências nefastas feitas por um pequeno objecto.
Obrigado meu Deus por me permitires, ainda hoje, poder descrever o que aconteceu. Podia ter ficado naquele local para sempre, ou melhor ter saído de lá num caixote de madeira.
Era ainda um jovem de 23 anos.
Estava a cumprir o serviço militar obrigatório.
Encontrava-me no quartel, a tomar a minha bica, depois de ter feito um reconhecimento aos morros circundantes ao mesmo.
De repente, eis que ouvi um rebentamento e, como impelido por uma mola, dirigi-me a correr para o quarto, se assim se podia chamar.
Entrei por uma porta, apanhei a minha G3 e saí pela outra.
À saída, já preparado para dobrar a esquina do mesmo, fui projectado de encontro à parede por um forte rebentamento de uma granada de morteiro.
Caí, tentei levantar-me, mas o máximo que consegui foi sentar-me.
Atingido por vários estilhaços em todo o corpo, sendo um dos mais pequenos aquele que me provocou maiores danos, pois foi mesmo directo à medula, queimando-a na extensão de cerca de sete centímetros.
Tentei levantar-me, mas não consegui.
Gritei a todos os pulmões "Não sinto as pernas".
Como resposta ouvi um eco "O Briote está sem pernas".
Entretanto, o ataque prosseguia e eu a " assistir" impotente.
Parecia um pesadelo, mas infelizmente era uma realidade e crua.
Senti-me revoltado e como vi um very light azul lançado do aldeamento, dei uma rajada em direção ao mesmo, tal a minha revolta.
O meu corpo já não me obedecia e era um ser humano totalmente indefeso.
Eis, que de súbito, surgiram camaradas, que pegaram em mim, debaixo de fogo, e me conduziram em direcção à "enfermaria".
Aí, o Gardete, com palavras encorajadoras, procurou animar-me.
Entretanto as dores começaram a surgir.
Queixei-me da barriga, dum braço e foi a partir daí que a morfina começou a ser injectada.
Senti-me desfalecer.
O meu pensamento foi remetido para bem longe, onde os meus entes queridos estavam... a minha namorada e restantes entes queridos.
Voltaria a vê-los e abraçá-los?
Seria uma incógnita... Os meus camaradas foram rapidamente picar a pista, colocar luzes ao longo dela a fim de ser evacuado, mas não houve nem um héli ou avioneta que me fosse buscar.
Só no dia seguinte fui evacuado para Mueda,e quando cheguei colocaram-me no chão e lá me deixaram entregue a mim mesmo.
Pouco tempo lá estive, pois a gravidade do ferimento exigia ida para outro hospital.
Fui para Nampula onde fui sujeito a não sei quantos RXs.
O pessoal que me rodeava dizia-me "Voltará a andar, tenha calma e coragem".
Que mais podiam dizer?
No dia seguinte rumo a Lourenço Marques, pois o único neurocirurgião existente naquelas paragens, encontrava-se lá.
Aí chegado, fui logo encaminhado para o hospital civil.
Entretanto já se tinham passado quatro dias.
Senti-me abandonado, pois sentia falta de apoio em todos os sentidos.
Com surpresa vejo surgir o primeiro médico que tinha conhecido no Chai, mais propriamente o Sequeira.
Deu-me um reconfortante abraço e logo reparou que ainda estava coberto de sangue...
Pegou em mim e juntamente com a anestesista, lavou-me com álcool.
Sim, não estou enganado !
A médica reparou que tinha um grande corte numa perna e então lá me deu uns pontos ...tudo isto passado quatro longos dias.
Permaneci 11 dias no Miguel Bombarda, assim se chamava o hospital, onde todos os dias recebia a visita de manhã do Murinello, médico do Chai que estava de férias, e de tarde do Amigo Sequeira com a sua linda filha ao colo.
Como a operação era constantemente adiada, houve que mexer cordelinhos, pois não poderia estar mais tempo sem a fazer.
A evacuação para a " Metrópole" aconteceu finalmente.
No avião vinha o Kaúlza e família e lá no fundo lá vim nas traseiras do avião, que era o local onde vinham as macas.
O "senhor" levantou-se, o que me foi comunicado pela enfermeira pára-quedista, mas não se dignou vir dar uma palavra de apoio aos feridos.
Mentalidade tacanha ...
A aterragem foi por volta das 3 das manhã com ida imediata para a cirurgia de oficiais.
Passei uma noite cheia de febre e quando acordei, deparei com um grande ramo de cravos, deixados pela enfermeira.
Lindo gesto sem dúvida a quem nunca tive oportunidade de agradecer, tentei, mas em vão.
Fui operado poucos dias após, permanecendo internado cerca de um mês.
A primeira semana pós operatória foi muito crítica.
Tudo o que comia vomitava, inclusive a própria água. Mas lá consegui arribar, começando a comer tudo o que me aparecia pela frente.
Quando saí, um mês depois, rumo a Alcoitão, as empregadas sussurravam-me - "Nunca esperámos que conseguisse safar-se".
Felizmente aconteceu e em grande parte o devo à dedicação da minha namorada, que desde que fui internado nunca me deixou....GRANDE MULHER.
Em Alcoitão permaneci cerca de um ano, onde tive uma assistência excepcional da parte médica, de enfermagem, das terapeutas e das (os) auxiliares.
Saí de lá em julho de 74 numa cadeira de rodas rumo a uma nova vida que não seria nada fácil...
Já lá vão 44 anos.....