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segunda-feira, 27 de abril de 2020

NATAL DE 1971..., por José D'Abranches Leitão

Olá bom dia!
Desaparecido em combate???
Não! Ainda respiro!
NATAL DE 1971
Tal como tinha prometido ao Duarte Pereira, eis o ataque ao aquartelamento de Macomia - Natal de 1971.



O dia começou com a azáfama habitual, render dos sentinelas, o café com leite com um bocado de "carcaça" que tinha um sabor especial, ainda quente, pois os padeiros quiseram dar-lhe um gosto natalício.
O meu grupo de combate, para variar, saiu num patrulhamento de rotina.

O aldeamento, aqui e ali com o fumo característico de fogueiras, o colmo das palhotas tão característico de África.
As crianças semi nuas a correrem alegres....o choro dos que andavam colados as costas da mãe, enrolados numa capulana de cores garridas, os seios da mãe descaídos, quando se debruçava para varrer a entrada da palhota!
A mandioca, o pilão. ...a farinha moída com o "almofariz"...o som do bater do "pau", com as mãos ágeis .... Flashs que passados 48 anos ainda retenho na memória.

Alguns soldados, sentados nos bancos corridos do "pincha", vão lembrando o Natal da sua santa terrinha!

O bacalhau, as couves, o azeite, as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei com a fava, o pão caseiro, a broa, as bolas, tão típicas feitas com sardinha ou bacalhau, que o forneiro fazia, após cada fornada de broa, no forno comunitário da aldeia.

As prendas, o presépio, com os pequenos bonecos de barro, com o menino Jesus, em destaque....a imaginação de cada um, o musgo, o riacho, as ovelhas...a gruta com o calor do bafo da vaquinha, do burrito...
Enfim o imaginário de cada um, para atenuar um pouco o degredo, a distância, a saudade dos entes queridos, que se reúnem à volta da fogueira na cozinha, para os preparativos da Consoada.

Ao regressar a meio da tarde...começo a idealizar a noite de Natal.
Uns ramos de palmeira....a mesa grande de tábuas corridas, as toalhas, as pinturas com motivos natalícios....o centro de mesa....as luzes...os pratos, os guardanapos com um sino de Natal pintado, imaginação do "artista plástico" da Companhia, o Furriel Oliveira....o gira-discos preparado para ouvirmos o Zeca Afonso....os vinis singles que levei...

Os abraços, os desejos de um Feliz Natal, ao camarada que passa por nós, enfim....tudo estava a 'postos" para que a Noite de Natal, fosse a "mais familiar" possível.

O 1° Sarg Urze com a sua guitarra, já aquece os dedos, com umas variações em ré menor.
O fado de Lisboa também iria ser cantado à desgarrada!
E alguns fadistas improvisados...já aqueciam s gargantas!!!

Recordo, que tinha colocado no prato do gira discos um single com o "Menino d'oiro" do Zeca Afonso!

Vejo que algumas lágrimas correm pelas faces de alguns!
Durante a nossas estada na Cruz Alta/Serra do Mapé, consegui que quase toda a Companhia começasse a gostar de Fado de Coimbra, pois mesmo com um gerador a dar o berro, o gira-discos. ...funcionava com os únicos discos que havia...os meus singles de 45 rpm...do Zeca Afonso!

O bacalhau cozido fumegante começa a chegar à mesa ... as batatas cozidas....as couves...os galheteiros...as cervejas distribuem-se ao longo da mesa....e o vinho tinto!!!

As gargalhadas....os sorrisos....de repente são interrompidos pelo silvo caractarístico dos morteiros 60 ou 82....
Estamos a ser atacados!
O IN quer estragar-nos a ceia de Natal. Gera-se alguma confusão. ...alguns escondem-se debaixo da mesa, muita correria.

A pedido do Capitão Marinho Falcão, conduzimos as mulheres e filhos de alguns oficiais, para o bunker da Casa do Administrador de Macomia.

Após alguns minutos, seriam 15 a 20 minutos do ataque, verificamos que todas as granadas passaram por cima do aquartelamento, e vão explodir no meio do aldeamento!
Consta-se que haverá mortos entre a população!

Entretanto chegam a correr o Gouveia e o Carias Mendes, que ficaram no aldeamento para comprarem umas mangas !! (?)....

Mais uma vez, para variar, o 4° Grupo de Combate, sai para patrulhamento, sob as ordens do Major de Operações, vamos até ao Laku.
O senhor Major queria, via rádio, que fizéssemos uma incursão no vale!
A noite estava escura como breu!

Um soldado africano, destemido, mas cauteloso, vai dizendo que será um risco grande pois o IN estará emboscado à nossas espera!
Tinha razão, pois no dia seguinte, verificamos que havia indícios da sua presença e até o rodado de um canhão sem recuo, ainda era visível no capim, para alem de termos encontrado um morteiro 60, completamente enterrado no matope!

Depois de mais uma comunicação, via rádio, regressamos ao aquartelamento!
O bacalhau estava à nossas espera.
O Gouveia, entre dentes, vai-me sussurrando ao ouvido que apanhou um susto do caraças, pois estava com as calças na mão, a "negociar"...as mangas, quando começou o ataque !!!????
O Carias Mendes....ri...a bom rir....mas não ganharam para o susto!

Entretanto a noite vai longa e algumas garrafas de Whisky e muitas Laurentinas, vão "afogando" as mágoas! !!!

Canta-se à desgarrada, com os acordes da guitarra do 1° Sargento que fez questão de tirar a boina e colocar entre os colarinhos da camisa um lenço. ...de fadista!!!

Por ultimo, o desabafo do Sarj Ajudante Musico, Anjo ( que compôs a letra do hino do Batalhão )
: -Menino (era assim que me tratava)! Estava a ver que já não voltávamos à nossa Coimbra!!!

E o Carlos David (também de Coimbra) ...associou-se a nós num fraterno abraço!
Fim

UM FELIZ NATAL PARA TODOS!
Abraço
José Leitão

quinta-feira, 1 de junho de 2017

1° ferido em combate O Vellasco Martins, por José Leitão

José Leitão para PICADAS DO CABO DELGADO


Sao passados quase 47 anos...e este "filme" ainda me tira o sono!

1° ferido em combate O Vellasco Martins.

África…Serra do Mapé.... 
O cheiro cálido e acolhedor da floresta, o cheiro meio metálico, meio resinoso do trotil deflagrado e o cheiro fresco, acre e doce da carne dilacerada. 

É pedida evacuação urgente. 

Passados muitos minutos, cerca de 1 hora e 30 minutos...começamos a ouvir o som, este som sincopado e sibilante, do helicóptero que se avoluma abafando tudo e uma nuvem de poeira em rodopio que se adensa rapidamente, encobrindo de todos o mundo inteiro. 

Surge uma maca e é erguido do chão por mãos invisíveis e entra, planando, no helicóptero. 

Num impulso, que deverá permanecer para sempre completamente incompreensível, tenta agarrar-se ao capim para impedir que o levem. 

Nota: Isto aconteceu a 1 de Outubro de 1970…eram decorridos 21 dias de “inferno”!!!

Jose Leitão
CCAV 2752