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sexta-feira, 31 de maio de 2019

HISTÓRIAS DO CHAI XIV..., por Livre Pensador

HISTÓRIAS DO CHAI XIV
Numa guerra de guerrilha como aquela que Portugal enfrentou em terras moçambicanas, qualquer força de intervenção se torna extremamente vulnerável sempre que tem de executar acções rotineiras, pois nesse caso, permite que o inimigo estude metodicamente os seus movimentos, hábitos e procedimentos, aproveitando assim os melhores momentos para desferir os seus ataques.

Era nesta situação e perante este perigo que se encontrava a Ccav. 3508 estacionada no Chai. 

Ao ter de realizar diariamente, ao início da manhã e ao fim da tarde, o percurso de cerca de 10 km entre o Chai e a ponte do rio Messalo, para reabastecimento de água ao quartel, a coluna militar ficava perigosamente exposta ás investidas dos guerrilheiros da Frelimo, tanto pela forma de emboscadas como de possíveis minas colocadas nesse percurso. 



Não foi de estranhar, portanto, que o comando do Batalhão de Cavalaria 3878 lhe atribuísse o código de "Operação Tartaruga".

No dia 24 de Agosto de 1973, como sempre acontecia, um grupo de combate da Ccav. 3508, neste caso o 3º. pelotão, partiu cerca das 6 horas da manhã com destino à ponte do Messalo. 
Como nesse dia o meu grupo de combate (1º. pelotão) se encontrava de piquete e, uma das suas funções era a apanha de lenha para a cozinha, resolvi com os militares da minha secção e a viatura que nos estava destinada, acompanhar os camaradas do 3º. pelotão em parte do seu percurso até ao Messalo.

Estrategicamente falando, sempre eram duas forças que se podiam apoiar mutuamente no caso de alguma acção atacante por parte da Frelimo. 
Na prática, para o trabalho a desempenhar pelo piquete (apanha de lenha) também era melhor optar por esse percurso, dado que tinha sofrido recentemente uma operação de desbaste de árvores ao longo da picada, efectuado pela população do aldeamento. 
Esta limpeza teve como principal objectivo diminuir o perigo de emboscadas e permitir a tal recolha de lenha.



Percorridos que estavam alguns quilómetros após a saída do Chai, solicitei ao condutor da viatura que encostasse na berma da picada dado que tínhamos atingido um local onde havia bastante lenha para recolher. 
Os camaradas do 3º. grupo de combate continuaram a sua viagem a caminho do rio Messalo e nós começámos os preparativos para a recolha.

Poucos minutos passaram, talvez 3 ou 4 no máximo, até ouvirmos um enorme tiroteio. 
Não havia dúvidas! 
A coluna para a água estava a sofrer uma emboscada. 
De imediato solicitei aos militares que me acompanhavam que subissem para a nossa viatura e fomos em socorro dos nossos camaradas. 
Quando chegámos ao local havia ainda bastante tiroteio. 

Encobertos por alguns pequenos arbustos ou abrigados debaixo das viaturas, assim ripostámos ao fogo inimigo. 
Ao mesmo tempo, os nossos camaradas estacionados na ponte começaram a lançar granadas de morteiro 60 e 81 para as posições em que se encontravam os guerrilheiros, pois que conseguiram descortinar a sua localização aproximada com o auxílio das comunicações estabelecidas entre o nosso soldado de transmissões e aquele que se encontrava na ponte.

Findo o combate foi possível verificar e concluir que felizmente não havia danos pessoais entre os nossos militares, o que era sempre motivo de enorme satisfação. 

Entretanto, junta-se a nós o 2º. grupo de combate comandado pelo alferes Ribeiro, que havia saído do Chai logo que ouviram os tiros da emboscada. 

Foi assim possível que o 3º. pelotão continuasse a coluna em direcção ao rio Messalo e o 2º. pelotão faria a batida e reconhecimento à zona de emboscada, enquanto eu com a minha secção ficámos a montar segurança às viaturas. 
Nessa diligência foi encontrado um guerrilheiro morto e detectados vários rastos de sangue pelo mato fora, provenientes de combatentes feridos. 
Quanto a material capturámos 1 metralhadora Degtyarev, 1 espingarda automática Kalashnikov e 4 granadas de mão.



Por fim, cada um de nós ficou a agradecer ao seu Deus pela protecção recebida neste combate, ao mesmo tempo que ficou a desejar não ter mais nenhum, pois nessa altura, que já tínhamos atingido os 18 meses de comissão em zona de guerra a 100%, alimentávamos o sonho de ser rendidos em breve, como aliás era habitual na época. 

Infelizmente isso não passou dum sonho, como veio a verificar-se!


Comentários
  • Rui Briote Muito obrigado Livre Pensador por mais um episódio passado com o meu pelotão, do qual ainda não tinha conhecimento. Sou levado a uma conclusão...o meu pelotão foi o mais sacrificado, pois esteve sempre presente na maioria dos casos mais nefastos. Muito obrigado de novo Amigo. um forte abraço

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  • Duarte Pereira Ribeiro- Livre Pensador - É gratificante ir lendo e parecendo estar incluído naquele cenário. Realmente as rotinas davam vantagem ao adversário .
    Talvez tenha sido um dia de sorte porque havia também a malta da lenha a meio do caminho. Dessa vez tudo correu bem.

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  • Rui Briote Neste percurso feito diariamente, a primeira emboscada foi o terceiro pelotão que a sofreu e tivemos um morto e um ferido, fora as " escoriações", sofridas por alguns no salto dos unimogs e também pessoal civil...

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  • Manuel Fernandes Livre Pensador (52) a lenha chegou ao Quartel nesse dia asiático ou não?Gostava de ter a tua cabeça.Tudo bem descrito.Abraço amigo

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    • Rui Briote Manuel Fernandes se tivesses a cabeça do Ribeiro eras bicéfalo 😀

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    • Manuel Fernandes Briote o Livre Pensador não frisou que tivemos um morto.Felizmente isso não aconteceu.Abraço amigo

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      • Livre Pensador Fernandes, se a lenha não tivesse chegado ao quartel decerto que te lembravas porque não tinhas almoçado se isso tivesse acontecido!!! Abraço.

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      • Manuel Fernandes Livre Pensador eu comia algumas vezes frango assado feito pelo MEIGUICES quem arranja no aldeamento era o Eusébio meu tratador de roupa,logo se não havia para os Amarelos os outros estavam fu?????.Mais nunca acabou a lenha no CHAI .ABRAÇO

    • Livre Pensador Manuel Fernandes também comi algumas vezes frango (mais pinto do que frango) assado, cozinhado pelo mesmo "criminoso". Nalguns casos até ao pequeno almoço acompanhado da respectiva bazuka. O Eusébio também era o meu mainato.

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    • Manuel Fernandes Livre Pensador até há Manhã se tudo correr bem

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    • Jose Capitao Pardal Nesse dia ainda não estava no Chai penso eu de que....

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  • Livre Pensador Briote, por brincadeira poderei dizer que o teu pelotão era o que estava mais capacitado para enfrentar situações de combate. Repara que tinha um oficial de infantaria, um furriel de cavalaria, um furriel de armas pesadas e um furriel de operações especiais. Portanto, não tinhas razão para te queixar!!!!!????? Abraço.

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  • Joaquim Afonso posso contar parte dessa emboscada da qual eu ia incluído havia um colega nosso o seu nome ja não sei mas o Briote deve saber o banharia que ia comigo ele dizia a boca cheia ainda ia no ar e ja ia a disparar foi num local do nosso lado direito

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    • Livre Pensador Amigo Afonso, peço desculpa por te contrariar, mas posso garantir que o primeiro sargento Raminhas nunca saiu do arame farpado do quartel, com excepção duma ida ou outra à pista de aterragem. Muito menos iria na primeira coluna para o Messalo, porque essa era, como se costuma dizer "para quem os tinha no sitio"!!!! Abraço.

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    • José Lopes Vicente Por essa altura estava em Macomia a fazer mais um estágio para os furrieis e respectiva secção na praia da ponte Macamula onde me interrogava quando lá estava quando poderíamos ser dizimados. Era um alívio quando amanheçia.

      iminar ou ocultar isto
    Manuel Fernandes Joaquim Pires Afonso o Dito amigo banharia era o Teixeira do 3º Pel

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  • Rui Briote Joaquim Afonso nessa altura eu já estava em Alcoitão...Abraço

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    • José Guedes Afinal ainda vai havendo histórias para contar que para muitos de nós embora tenha-mos conhecimento delas mas não como aconteceram, ainda bem que neste caso tudo correu bem,... força Livre Pensador, aproveita a embalagem e vai escrevendo outros acontecimentos que tenham acontecido,. abraço,...
  • Livre Pensador Amigo Guedes, "aventuras" destas felizmente que não foram muitas, embora tenham sido mais do que aquelas que queríamos. Há poucos dias andei a "vaguear" pelas minhas memórias e cheguei à conclusão que ainda faltava descrever esta. Abraço.

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  • Armando Guterres Também passei pelo Casal do Pote, Tancos - três semanas a aprender dos Buracos e Alçapões - diria que esses instrutores foram os únicos que me ensinaram do que sabiam (teoria e prática).

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    • Livre Pensador É verdade Guterres. Fizemos o curso de minas e armadilhas juntos.