Mostrar mensagens com a etiqueta Rui Fernandes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rui Fernandes. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Histórias do Chai III (1972/1974), por Livre Pensador (Ribeiro)


Livre Pensador
 
Já aqui disse que a CCav. 3508 chegou ao Chai no dia 21 de Fevereiro de 1972.
 
Decorrido que foi o chamado "período de transição" com a respetiva transmissão de poderes entre a CCav. 2751 e a CCav. 3508, passou a nossa companhia a ficar, como se costuma dizer, entregue aos "deuses".
 
Ainda os nossos camuflados cheiravam a naftalina quando nos primeiros dias de Março de 1972 chegou a ordem para ser desencadeada uma operação com a duração de 3 dias.
 
Os primeiros "contemplados" para essa missão foram os 1º. e 3º. grupos de combate cujos comandantes eram os alferes Rodrigues e Briote, acompanhados por um grupo de GE´s comandados pelo furriel Sharifo.
 
Esta combinação de forças permitiria que o grupo de GE´s pudesse transmitir alguns dos seus conhecimentos práticos de guerrilha aos grupos de combate da 3508 que nesse momento e sobre guerrilha, apenas tinham formação teórica.
 
Cada um de nós reuniu no seu saco de campanha rações de combate, pães e cantis de água para 3 dias, aos quais se juntaram o ponche e o cobertor.
Á cintura as respetivas cartucheiras com balas e também granadas de mão ofensivas e defensivas. Juntando a tudo isto a indispensável G3, ficámos transformados nuns autênticos "burros de carga" (como se costuma dizer) e assim partimos de madrugada ao encontro do desconhecido.
 
À frente do grupo era ocupada pelos militares GE´s e os 2 grupos de combate da 3508 limitavam-se a segui-los e a tentar colher ensinamentos desta "aventura".
 
Naquela 1ª. operação tudo para nós era uma incógnita.
Seria fácil andar pelo meio duma mata tão densa?
Teríamos confrontos com a Frelimo?
Haveria feridos?
Haveria mortos?
 
Passadas apenas 3 ou 4 horas de progressão pela mata era já bem evidente a diferença entre os que estavam habituados aquela vida (os GE´s) e nós "chequinhas" acabados de chegar da Metrópole.
Os GE´s abriam caminho pela floresta fora com toda a facilidade e nós que suávamos por tudo quanto era poro devido ao imenso calor, tentávamos arrastar as pernas que acusavam já o peso de todo o material que carregávamos.
 
A sede fazia sentir-se a cada minuto que passava e, por isso, não foi de estranhar que ao fim desse 1º. dia todos nós (ou quase) tivéssemos esgotado a água com que tínhamos saído do quartel.
 
É fácil supor que o 2º. dia da operação foi ainda mais doloroso, pois os GE´s continuavam acelerados e o calor continuava intenso.
Durante as 2 ou 3 primeiras horas da manhã ainda nos era possível atenuar um pouco a sede aproveitando a humidade provocada pelo cacimbo noturno que se acumulava nas folhas dos arbustos.
 
Lambendo essas folhas conseguíamos assim humedecer a língua, mas após esse período, as horas que se seguiram foram de autêntico suplício.
 
Até ao final desse 2º. dia não houve qualquer contacto com gentes da Frelimo e, como tal, pela alvorada do 3º. dia tivemos autorização do major de operações do batalhão para encetar o regresso ao Chai.
 
A falta de água era cada vez mais desesperante.
A língua colava-se ao céu da boca e os lábios ficavam cada vez mais pegajosos.
Ao início da tarde desse 3º. dia encontrámos um pântano onde tentámos saciar a nossa sede enchendo os cantis.
Tivemos o cuidado de meter no cantil o tal comprimido destinado a matar os possíveis micróbios existentes na água, mas não conseguimos esperar os aconselhados 30 minutos para que o mesmo fizesse efeito.
Passados 3 ou 4 minutos já aquele líquido passava pelas gargantas sequiosas.
 
A água tem 3 características principais que a distingue de todos os outros líquidos: é incolor, é inodora e é insípida.
O líquido que estávamos a beber naquele momento tinha uma cor compreendida entre o castanho e o preto, logo não era incolor.
Também não era inodoro porque cheirava tão mal que eu só consegui bebê-lo quando utilizei os dedos da mão esquerda para apertar as narinas, enquanto a mão direita segurava um lenço colocado na boca do cantil a servir de filtro.
De insípido também nada tinha pois amargava que se fartava.
 
Sendo água ou não, o que quer que fosse serviu para atenuar o desespero a que tínhamos chegado e assim prosseguirmos caminho até ao Chai.
 
Chegámos ás imediações da pista de aviação quando o sol estava prestes a pôr-se e nessa altura pedimos autorização á sede do batalhão para entrar no quartel.
De Macomia e na pessoa do "digníssimo" oficial de operações major Rui Fernandes (mais conhecido por major Alvega) recebemos um categórico NÃO com a justificação de que os 3 dias de operação só se completavam na madrugada seguinte, pelo que teríamos de passar a noite no mato.
 
No topo da pista de aviação havia uma plantação de cajueiros e ali mesmo decidimos passar a noite.
 
 No Chai e nos seus arredores existiam muitos cajueiros
 
Seriam talvez umas 8 ou 9 horas da noite quando um militar foi mordido por uma cobra.
Perante a necessidade de um socorro urgente e eficaz foi decidido regressar ao quartel.
Cada qual reuniu os seus pertences naquela escuridão e com muita confusão pelo meio.
O tratamento na enfermaria foi feito e o perigo debelado.
Porém, quando chegados ao quartel muitos militares deram pela falta de artigos que deixaram no local onde estávamos a pernoitar.
 
Logo ao raiar da manhã voltei com o meu grupo de combate ao local e foi possível encontrar e recuperar cantis, cobertores, granadas de mão, etc., etc.
 
Desta 1ª. operação no mato colhemos dois ensinamentos para as operações seguintes:
1º. - Beber apenas uma tampa do cantil cheia de água de hora a hora.
Só assim era possível consumir um cantil por dia.
2º. - Nunca dormir num local onde haja cajueiros, pois são sítios preferenciais para as cobras.
Armando Guterres Na Mataca, se tivemos prof ... seria o guia.
  • Velhas DE Estremoz Alentejanas Deveria ser o sr Duarte a comentar.
  • Como lemos muito nestes últimos quatro anos deste grupo, sentimos que, depois de termos lido tudo o que por aqui foi escrito, poderemos dar o nosso modesto comentário.
  • O artigo do sr Livre Pensador (Ribeiro), reporta-se a três ou quatro dias.
  • Aponta factos que alguns de vós tiveram de passar.
  • Como diz o sr Duarte Pereira, e em termos de segurança, preferia estar no mato (com quem soubesse), do que exposto nas colunas.
  • Agradecemos mais este relato do sr Livre Pensador.
     
  • José Guedes Mais um importante texto do amigo Livre Pensador, ( Ribeiro ) porque a gente vai aprendendo com o tempo nada de mais na altura não saberem controlar a água que tinham e ainda assim foram felizes porque levavam com eles gente que conheciam bem os terrenos por onde teriam que ir visitar, pena foi mesmo no ultimo dia,. não só pela mordida da cobra mas também do esquecimento de algum material,. ainda bem que tudo foi recuperado,. mais uma que até eu fiquei a saber agora que nos cajueiros existiam cobras, em Mocujo também tinha muitos e quem lá esteve deve ter esse conhecimento,..
     
  • Rui Briote Boa tarde! Mais um contributo importante para avivar as nossas memórias ....obrigado Amigo Ribeiro...um forte abraço.
  • Já agora posso fazer umas adendas ao texto daquilo que aí tenho na minhas " caixa".
  • A minha água " evaporou-se" logo no primeiro dia e em virtude dessas contingência fui obrigado a beber água cor de barro ...para a sorver com mais qualidade (?!) utilizei um lenço dobrado que depois de beber algum conteúdo do cantil ficou acastanhado tal a " pureza" do precioso líquido.
  • No último dia já com Chai à vista descansei um pouco á sombra dum cajueiro.
  • Dobrei a camisa várias vezes, coloquei-a a servir de almofada junto ao tronco e depois duma breve soneca, ao levantar-me e ao pegar na camisa deparei com uma mamba muito verdinha toda enroscada....gostou concerteza do quentinho ou da minha companhia, pois deixou-me em paz.
  • Rapidamente saquei da faca de mato e mandei-a para os anjinhos...
     
  • Paulo Lopes Bom texto das nossas vivências amigo Ribeiro (Livre Pensador).
    Essa da "cobrinha" também me tocou a mim numa das proteções à apanha do caju: deitadinho por debaixo de um cajueiro e, quando abro os olhos, uma mamba verde passeava vagarosamente nos ramos da árvore! Também foi apanhar cajus para a quinta do S. Pedro.
  • Velhas DE Estremoz Alentejanas Acabámos de descobrir um Mangusto do Chai e outro da Mataca.
  • Só falta o de Macomia.
    Mangusto X Mamba Negra
    youtube.co
  • Armando Guterres Claro, como água ... se houve mamba eu não fui.
  • Houve uma evacuação devido a cobra.
     
  • Livre Pensador Caro Briote, a tua descrição confirma no essencial tudo o que eu escrevi.
  • Por vezes posso relatar aqui alguns factos que possam parecer exagerados ou "romanceados" a alguns dos nossos camaradas, tal o insólito deles mesmos, mas no meu caso quero garantir que me limito a descrevê-los com o máximo de realidade possível.
  • Ainda bem, Briote, que as nossas memórias estão em sintonia após todos estes anos.
  • Abraço.
  •  
  • Livre Pensador Pois é amigo Paulo Lopes e as mambas verdes não eram para brincadeiras. Eram das cobras mais perigosas que "pastavam" na nossa zona.
     
  • Rui Briote Livre Pensador só não me lembrava de que os GES tinha saído connosco, mas o resto assino por baixo, embora pudesses ter dito que ao meio dia se podia estrelar um ovo na testa...
  •  
  • Lá em cima num comentário disse que matou uma cobra Mamba Verde, com a sua faca de mato.
  • Questão: Era bébé ? ceguinha ? ou de borracha . EH EH EH.
     
  • Rui Briote Era pequenina como as nossas Velhas DE Estremoz Alentejanas...
  •  
  •  José Dias Nunes Só fiz uma operação de três saímos apeados do Alto da Pedreira CMDT da operação Capitão Maquelas do Zombo (Teixeira Alves) fomos por três dias mas só estivemos 2 no mato, água é que nunca faltou até foi de mais.
  • Sempre a chover.
  • Só falta acrescentar que tivemos mais tempo parados que a andar.
     
  • Velhas DE Estremoz Alentejanas Sr José Dias Nunes, o sr capitão "Maquelas "só poderia estar de castigo pelo sr "major Alvega. ".
     
  • José Dias Nunes Foi logo no principio estávamos á muito pouco tempo.
     
  • Armando Guterres Eu nunca enxuguei a roupa no pelo.
  • Se chovia parava e se não chovia ?
    - Um pescador que até tinha deixado de beber.
    "o que levas no saco?"
    ...
  •  
  • Gilberto Pereira A guerrilha vista por dentro.
     
  •  Jose Capitao Pardal Apnas mais um episódio dos muitos que o Livre Pensador tem para nos contar...
     
  • Livre Pensador Pardal, por este andar qualquer dia ainda serei designado como cronista-mor da 3508!
     
  • Jose Capitao Pardal Da 3508 e arredores...
     
  • Fernando Bernardes Um relato muito fiel do que de facto se passou nessa nossa primeira operação em que eu tb fui.
  • O militar em questão, que era africano, foi mordido numa perna, na zona da (canela).
  • Dei injeção de soro anti-eufídico e teve um colega que resolveu fazer um golpe com uma lâmina para sugar o sangue, mesmo eu dizendo que isso era muito arriscado.
  • Na mesma zona de cajueiros no final da pista, no ano seguinte e num patrulhamento, ao passar por lá, parecia um viveiro de mambas verdes.
     
  • Luís Leote Se me é permitido dizer alguma coisa!!!
    Livre Pensador(Ribeiro) aposto que o GE Shariffo ia leve como uma pena.
  • Apenas com a G3 na mão.
  • Sem comida nem cartucheiras.
  • Era típico dele.
     
  • Livre Pensador Amigo Leote, desse pormenor da G3 já não me lembro, mas não me esqueço que naquela operação ficou bem patente a diferença entre os "profissionais GE´s" e os "amadores da 3508".
     
  • Paulo Lopes Então dizia eu (e desculpem mais esta seca) às páginas tantas (neste caso nas 176) o seguinte: diversas vezes fiz operações com os G.E. e rapidamente me apercebi e aprendi que, já que estou obrigado a combater e determinadamente olhar pela minha sobrevivência, que seja com eles do meu lado.
  • São, sem qualquer espécie de dúvida, os que mais conhecem e sabem desta guerra de guerrilha. Sabem “farejar” à distância a proximidade do IN.
  • Sabem quando e como se devem proteger de possíveis ataques de morteiros.
  • Sabem compreender o terreno que pisam. Trazem nos seus sentidos todos os diferentes cheiros e ruídos que atravessam a densa floresta e reconhecem os seus efeitos.
  • Sabem prever o imprevisto que nos traz num alerta constante.
  • Sabem, sobretudo, ter o sentido da oportunidade.
  • E tudo isto não foi aprendido em instruções militares dadas num quartel militar.
  • É fruto da experiência do dia-a-dia ganha no seu habitat natural, pois não fossem todos eles filhos da floresta e alguns mesmo e em larga escala, refugiados da Frelimo.
  • Nada destas experiências se aprende na instrução militar obtida nos nossos quartéis de Portugal Continental.
  • Sabemos o que é uma granada e o que temos de fazer com ela.
  • Treinamos os movimentos que se consideravam corretos para as diversas situações, de ataque ou defesa.
  • Aprendemos a manejar as armas que tínhamos e até as que nunca tivemos no Ultramar.
  • Muito minimamente prepararam-nos fisicamente para grandes desgastes.
  • Mentalizaram-nos que íamos matar para nos defendermos dos ataques.
  • Tentaram lavar-nos o cérebro.
  • Mas nada, ou quase nada, do que nos foi impingido em toda essa aprendizagem relâmpago, serviria para colocar em prática na realidade da guerra.
  • Nunca nos foi ensinado nem nunca o poderiam fazer, porque para esta guerra que obrigatoriamente viemos e para todas as guerras, é preciso existir convicção nos atos e certeza de que estamos a agir para uma causa comum e isso, nenhum dos fazedores dos livros que ensinam a guerra conseguiram globalmente fazer ou ensinar porque a guerra não era nossa, nunca sentimos interiormente que estávamos a lutar por uma causa justa, apenas lutávamos para nos defendermos a nós próprios e quando isso era necessário.
  • No nosso espírito apenas pairava a enorme vontade de chegar ao fim da nossa obrigatória missão porque não era difícil, nem aos mais distraídos, compreender que tudo o que nos estavam a fazer sofrer não passava duma enorme mentira, aprofundada pelos poderosos que queriam forçosamente manter as colónias para promoverem as suas próprias fortunas à custa dum “batalhão” de escravos que trabalhavam nas suas enormes propriedades, adquiridas sabe-se lá como nem a quem.
  • Animais que apenas viviam para todas as suas prepotências e vaidades.
  • Bestas que conseguiam manter e engordar as suas fortunas a seu bel-prazer. Era para isso que nós estávamos na guerra: para defender o pecúlio desses senhores poderosamente abastados ou abastadamente poderosos.
  • Por isso, mesmo inconscientemente, nunca aprofundamos a nossa maneira de combater de forma a conseguirmos uma vitória e sempre o fizemos apenas para nossa própria defesa.
  • Essa defesa que não nos ensinaram porque quem ensinava desconhecia a verdadeira guerra, o verdadeiro terreno.
  • Isso, quem sabia e creio que também e essencialmente para defenderem a própria pele, era quem sempre viveu e lutou no mato: os GE.
  •  
  • Livre Pensador Amigo Bernardes, obrigado pelo teu contributo para mais esta história do Chai.
     
  • Livre Pensador Caro Paulo Lopes, parabéns pela realidade e frontalidade do teu texto.
  • Abraço. Ribeiro.
     
  • Armando Guterres Só sai uma vez com os GE de Muaguide - vi população civil ao caju e destruímos um acampamento de passagem - FIZERAM MAL = deixaram-nos no meio das palhotas e foram à água, com o perigo de sermos atacados a 82.
    Com o segundo da 09 e a companhia do Quit
    erajo, mais civis e GE fomos a uma op. machamba FIZERAM BEM = exigir que não se dormisse no meio da machamba. (o que não conseguiram - posteriormente ouviram-se uns tiros de espera um pouco) e por isso saímos dali.
    Não fomos "morteirados" durante o dia porque estavam para a ponte do Messalo.
     
  • Jose Capitao Pardal A cobra do cajueiro também é esverdeada, mas parece-me que não será a mamba verde e é mais pequena que esta, mas não menos venenosa e muito abundante nos cajueiros em redor do Chai...
  • A sua principal ação de ataque é o salto do cajueiro para a cabeça do desgraçado que lhe passar por baixo...
  • O mais curioso é que dos militares, incluindo os GE's, atacados nas operações em que participei e foram mais de meia dúzia os mordidos, a maior parte deles evacuados e alguns que vieram a falecer, nenhum era branco e do continente (leia-se Metrópole), mas sim todos negros africanos...