Livre Pensador
Já aqui disse que a CCav. 3508 chegou ao Chai no dia 21 de Fevereiro de 1972.
Decorrido que foi o chamado "período de transição" com a respetiva transmissão de poderes entre a CCav. 2751 e a CCav. 3508, passou a nossa companhia a ficar, como se costuma dizer, entregue aos "deuses".
Ainda os nossos camuflados cheiravam a naftalina quando nos primeiros dias de Março de 1972 chegou a ordem para ser desencadeada uma operação com a duração de 3 dias.
Os primeiros "contemplados" para essa missão foram os 1º. e 3º. grupos de combate cujos comandantes eram os alferes Rodrigues e Briote, acompanhados por um grupo de GE´s comandados pelo furriel Sharifo.
Esta combinação de forças permitiria que o grupo de GE´s pudesse transmitir alguns dos seus conhecimentos práticos de guerrilha aos grupos de combate da 3508 que nesse momento e sobre guerrilha, apenas tinham formação teórica.
Cada um de nós reuniu no seu saco de campanha rações de combate, pães e cantis de água para 3 dias, aos quais se juntaram o ponche e o cobertor.
Á cintura as respetivas cartucheiras com balas e também granadas de mão ofensivas e defensivas. Juntando a tudo isto a indispensável G3, ficámos transformados nuns autênticos "burros de carga" (como se costuma dizer) e assim partimos de madrugada ao encontro do desconhecido.
À frente do grupo era ocupada pelos militares GE´s e os 2 grupos de combate da 3508 limitavam-se a segui-los e a tentar colher ensinamentos desta "aventura".
Naquela 1ª. operação tudo para nós era uma incógnita.
Seria fácil andar pelo meio duma mata tão densa?
Teríamos confrontos com a Frelimo?
Haveria feridos?
Haveria mortos?
Passadas apenas 3 ou 4 horas de progressão pela mata era já bem evidente a diferença entre os que estavam habituados aquela vida (os GE´s) e nós "chequinhas" acabados de chegar da Metrópole.
Os GE´s abriam caminho pela floresta fora com toda a facilidade e nós que suávamos por tudo quanto era poro devido ao imenso calor, tentávamos arrastar as pernas que acusavam já o peso de todo o material que carregávamos.
A sede fazia sentir-se a cada minuto que passava e, por isso, não foi de estranhar que ao fim desse 1º. dia todos nós (ou quase) tivéssemos esgotado a água com que tínhamos saído do quartel.
É fácil supor que o 2º. dia da operação foi ainda mais doloroso, pois os GE´s continuavam acelerados e o calor continuava intenso.
Durante as 2 ou 3 primeiras horas da manhã ainda nos era possível atenuar um pouco a sede aproveitando a humidade provocada pelo cacimbo noturno que se acumulava nas folhas dos arbustos.
Lambendo essas folhas conseguíamos assim humedecer a língua, mas após esse período, as horas que se seguiram foram de autêntico suplício.
Até ao final desse 2º. dia não houve qualquer contacto com gentes da Frelimo e, como tal, pela alvorada do 3º. dia tivemos autorização do major de operações do batalhão para encetar o regresso ao Chai.
A falta de água era cada vez mais desesperante.
A língua colava-se ao céu da boca e os lábios ficavam cada vez mais pegajosos.
Ao início da tarde desse 3º. dia encontrámos um pântano onde tentámos saciar a nossa sede enchendo os cantis.
Tivemos o cuidado de meter no cantil o tal comprimido destinado a matar os possíveis micróbios existentes na água, mas não conseguimos esperar os aconselhados 30 minutos para que o mesmo fizesse efeito.
Passados 3 ou 4 minutos já aquele líquido passava pelas gargantas sequiosas.
A água tem 3 características principais que a distingue de todos os outros líquidos: é incolor, é inodora e é insípida.
O líquido que estávamos a beber naquele momento tinha uma cor compreendida entre o castanho e o preto, logo não era incolor.
Também não era inodoro porque cheirava tão mal que eu só consegui bebê-lo quando utilizei os dedos da mão esquerda para apertar as narinas, enquanto a mão direita segurava um lenço colocado na boca do cantil a servir de filtro.
De insípido também nada tinha pois amargava que se fartava.
Sendo água ou não, o que quer que fosse serviu para atenuar o desespero a que tínhamos chegado e assim prosseguirmos caminho até ao Chai.
Chegámos ás imediações da pista de aviação quando o sol estava prestes a pôr-se e nessa altura pedimos autorização á sede do batalhão para entrar no quartel.
De Macomia e na pessoa do "digníssimo" oficial de operações major Rui Fernandes (mais conhecido por major Alvega) recebemos um categórico NÃO com a justificação de que os 3 dias de operação só se completavam na madrugada seguinte, pelo que teríamos de passar a noite no mato.
No topo da pista de aviação havia uma plantação de cajueiros e ali mesmo decidimos passar a noite.
No Chai e nos seus arredores existiam muitos cajueiros
Seriam talvez umas 8 ou 9 horas da noite quando um militar foi mordido por uma cobra.
Perante a necessidade de um socorro urgente e eficaz foi decidido regressar ao quartel.
Cada qual reuniu os seus pertences naquela escuridão e com muita confusão pelo meio.
O tratamento na enfermaria foi feito e o perigo debelado.
Porém, quando chegados ao quartel muitos militares deram pela falta de artigos que deixaram no local onde estávamos a pernoitar.
Logo ao raiar da manhã voltei com o meu grupo de combate ao local e foi possível encontrar e recuperar cantis, cobertores, granadas de mão, etc., etc.
Desta 1ª. operação no mato colhemos dois ensinamentos para as operações seguintes:
1º. - Beber apenas uma tampa do cantil cheia de água de hora a hora.
Só assim era possível consumir um cantil por dia.
2º. - Nunca dormir num local onde haja cajueiros, pois são sítios preferenciais para as cobras.
Armando Guterres Na Mataca, se tivemos prof ... seria o guia.
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