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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Percursos de guerra diferenciados!..., por Paulo Lopes


Bom dia pessoal da pesada!


Abri esta coisa ainda antes de tomar banho (abri uma excepção hoje, não por abrir esta coisa mas sim, tomar banho) apenas porque tenho que ir a Lisboa! Abri e dei logo com o Duarte Pereira a provocar e a respectiva resposta!
Agora falo eu: pois é bem verdade: felizmente (para eles) ainda houve pessoal que pouco teve com a vida comum de uns quantos "pategos"! 

Tiveram boas vidas (apesar de eu sempre considerar que, bastava ter sido arrancado das nossa...s terras, para que a coisa já não fosse fácil mas...). 

E lindas terras de Moçambique! 

Azar o meu que só estive na Mataca, mas felizmente, longe dos abutres sanguessugas! 
O resto onde estive, foi de fugaz passagem, pouco deu para apreciar essa beleza que, diga-se e defendendo a minha terra, tenho por aqui lindas coisas!

Viva a minha terra Portugal! 
O país, não os governantes nem uma boa mão cheia de "pescadinhas de cauda nos lábios". 

O resto, bem, o resto é paisagem. 
É bom saber que estamos vivos e como vamos vivendo fora das lutas que, em comum, alguns estiveram. 

Abraço e até mais logo que espera-me a habitual confusão de atravessar a ponte! 
Abreijos.


Bom dia Paulo Lopes . 
Três anos e três meses, com algumas férias pelo meio. Janeiro de 1971, o pior da minha vida. 
Em Santarém tentaram-me dar a volta à cabeça, (ofensas pessoais, à família, namoradas e mais ). Deram cabo do meu corpo e ofereceram-me M....., para comer. 
Nos primeiros 15 dias não saímos das paredes do destacamento e só consegui ver a rua, porque passei pela secretaria e consegui olhar por uma janela. 
A partir daí só podia melhorar. 
Ao fim da recruta, começaram a dar comida de gente, mas ainda éramos tratados abaixo de cão. 
Até ser mobilizado a minha vida melhorou um pouco, mas o corpo não tinha descanso. 
Em Moçambique tudo mudou. 
Tirando o mês da operação da Serra do Mapé, levei uma vida estável com poucos sustos. 
Fui colocado relativamente perto do mar e lá passei uns tempos felizes.
Criei poucas, mas verdadeiras amizades.

Amigo Paulo Lopes, a nossa guerra nunca fui igual para todos,. nem tinha que ser porque todos eram necessários, cada um com sua função,. mas depois destes anos todos muitos ainda não se aperceberam disso,...

Vamos lá alimentar esta guerrilha
Lá em Cabo Delgado, tivemos vidas diferentes e com exigências diferentes. 
Mas o mais importante, na minha opinião, terá sido a forma como cada um de nós encarou aquele período.
Nunca me queixei, por respeito a quem passou verdadeiramente mal e, portanto fui apagando o menos bom até sobrar, apenas, o que me agradou. 
Tenho boas recordações e talvez tenha aprendido a relativizar o que é mau.
Apesar disto, aceito quem ficou fixado ao que foi mau e quem se sente, ainda hoje, muito afectado por aquele período. 
Aceito quem gosta de descrever os seus maus momentos, como se a vida tivesse parado lá. 
Aceito que haja escolhas de más recordações em detrimento das boas.
A guerra colonial já é história e nós somos os últimos sobreviventes. 
As novas gerações, quer em Portugal, quer nos países emergentes, já nada sabem do que se passou. Nem querem saber. 
E eu respeito.
O facto de haver um elemento que não se envolve nesta página não é, para mim, motivo de qualquer crítica. 
Isso é um exercício de legítima liberdade.
O Jorge Costa era uma pessoa afável e cordata. 
Era sociável, mantendo uma maior proximidade, apenas com alguns. 
E isto não era nenhum defeito. 
Era uma maneira de ser.
Se este quase meio século que passou, lhe permitiu refinar as suas características, estará mais afável, mais cordato e mais selectivo. 
Com todo o direito.
E se está mais selectivo, talvez não queira perder tempo de forma inútil ou com pessoas que nunca conheceu verdadeiramente. 
Convivíamos com pessoas com muito poucas afinidades e, mesmo agora, para muitos, só há em comum um "3878". Que não é muito.
Ele referiu que está a trabalhar e eu traduzi, mentalmente, para "está a viver" e compreendi muito bem esta mensagem.
Tamojuntos.

Descobri "outra verdade".
SABEM O QUE É A MEIA IDADE?
QUANDO O TRABALHO JÁ NÃO DÁ PRAZER...
E O PRAZER JÁ DÁ TRABALHO !!!

Fiquei confuso porque o trabalho ainda me dá prazer mas há prazeres que já me dão trabalho.

Encarnação - Algum de nós já se sente na meia idade ?

Eu acho que já passei, há muito, a meia idade. 
67 anos é mesmo muito e tenho consciência que é a minha recta final, mas tenho conseguido ser teimoso, continuando a fazer o que quer que seja que me apeteça. 
Vou lutando contra a tradição de parar e de ficar em modo reformado. 
Faço 800 km num dia e fico derreado, levanto-me às 4 para voar de balão e fico de rastos, trabalho num processo até de madrugada, mas dou muitas cabeçadas no teclado, saio de barco com os cães e por lá ando durante um dia inteiro e às vezes, pela noite dentro. 
Mas como e bebo e divirto-me para compensar. 
Quando, há dias, comprei umas botas de caminhada, percebi que estou mesmo louco, porque ignorei as pantufas, que até eram giras. 
E mais baratas.

Amigos lamento toda esta celeuma por um comentário infeliz. 
Não conheço a maior parte dos camaradas, mas sempre tive o máximo respeito por todos quer fosse operacional, aramista ou "protegido". 
As lindas paisagens de Moçambique estão e estarão até que vá gravadas no meu corpo. 
Espero que a sã camaradagem não esmoreça...

Rui Briote - Os comentários infelizes, trazem por vezes , textos felizes.

Mas ofendem quem sentiu na pele a guerra, pois além de me acontecer o que aconteceu vi mortes e feridos à frente dos meus olhos. 
Nunca andei em Macomia a saborear as delícias das cantinas que por lá existiam

Amigo Briote, como eu te compreendo. Abraço.

Andei mais tempo pelas cantinas de Macomia e pelas cervejarias de Pemba (soma meses, esses intervalos).
Quanto a maus períodos no mato da Mataca - quase que rondou o zero.
Resta os meus dois primeiros regressos de Macomia e todo o trabalho que a picada dava, principalmente na altura das chuvas.
Fiz colunas, sem problemas na picada e sem transparecer para quem me acompanhava que eu esperava da parte da Frelimo um intervalo.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Compreensão da Guerra, por José Nobre



O José Nobre escreveu este texto de uma qualidade impressionante sobre a realidade que viveu...

Ele esteve em Muidumbe (Cabo Delgado - Moçambique), que distava não mais de 40 quilómetros de onde eu estive (Chai), possivelmente em épocas diferentes, dado que o aquartelamento de Muidumbe foi abandonado, creio que antes de Fevº de 1972.
40 quilómetros de picada com uma paisagem deslumbrante, mas de perigos escondidos em cada metro que pisávamos.
Mas o texto posso subscrevê-lo, senão na totalidade, pelo menos em muitos dos sentimentos que a maioria de nós trouxe daquela terra (Moçambique) que nos fez sofrer, mas que aprendemos a amar com todas as nossas forças.
Bem hajas José Nobre...

Jose Capitao Pardal



José Nobre

A Compreensão da Guerra.
Paris – 25 de Abril de 1970.
Pela primeira vez o meu pai questionou-me sobre a guerra, a minha guerra em terras moçambicanas.
Era o dia do seu aniversário. 
Até esse dia, raramente falei da guerra, a interior e a outra, a das armas. 
Estávamos os dois sentados à mesa, enquanto a minha mãe preparava o bacalhau cozido com batatas.
- Nunca falas da guerra em Moçambique.
- Não tenho nada para contar, pai. Voltei e isso é o mais importante.
Calei-me,não sabia o que dizer, o que responder. 

Seis meses depois da minha chegada a Lisboa, depois de ter deixado o navio Niassa, ancorado no caís de Alcântara, vazio, de todos os gajos que corriam para abraçar aqueles que os esperavam. 
Não sabia por onde começar. 
Dizer-lhe que fiz uma coluna militar de Lourenço Marques até Mueda, quase três mil quilómetros de picadas. 
Não te vou contar, guardo essa história só para mim.

Sabes pai, é como ir de Lisboa a Berlim, por estradas de terra batida. 
É veres a riqueza dos colonos portugueses, as grandes plantações de algodão, de café, de ananás, de laranjeiras e de milho. 
É veres a miséria daquele povo negro, que trabalhava desde o dia nascer, até o sol se esconder. 
Não quero chorar, pai, não quero falar das crianças, sim das crianças que nós vimos morrer, e dos comentários que ouvi, “é menos um turra,” diziam. 
Queres que eu te descreva as paisagens moçambicanas? 
Não consigo. 
As trovoadas eram como fogos de artifício, e o cheiro a terra molhada, vermelha, aquela terra que nada tinha a ver com a nossa, mas que me ficou agarrada à pele, ainda hoje. 

Os pesadelos são menos frequentes, mas por estranho que pareça, tenho saudades da minha caserna de Muidumbe, saudades do cheiro da minha espingarda automática, a minha amiga G3, sempre oleada, sempre pronta a disparar. 
Não, não matei ninguém, ou então não sei. 
Numa emboscada, os tiros são tantos, que no final não sabíamos, quem matou quem. 
Não, eu não, só desfiz algumas árvores, estendido na picada, entre Mueda e Muidumbe, naquela tarde chuvosa, naquela emboscada que durou minutos. 
Horas? Não pensei em ti, nem na mãe, não pensei em ninguém. 
Estava ali, deitado na picada tentando sobreviver. 

Por vezes, acordo sobressaltado. 
Volto a Muidumbe, adormeci no abrigo, estou de vigia no posto número cinco, aquele, a norte do aldeamento, alguém cortou o arame farpado e rasteja na minha direção, agarro uma granada, tiro a cavilha, acordo.

Não te conto, pai, não irias compreender, mas não serias o único. 
No início tivemos medo, até da nossa sombra, cada negro era um “turra,” um inimigo, um gajo que nos queria tramar, mas, pouco a pouco compreendemos que os invasores éramos nós e que aquela terra não era nossa, a nossa terra. 
A população branca, os colonos,viviam a anos luz da realidade, nunca se aperceberam que aquela guerra não tinha solução, viviam embriagados pela vida que tinham nas grandes cidades, nas grandes fazendas, na vida mundana, nos bons restaurantes, nas grandes caçadas, conduzindo bons carros, gozando a vida. 
Vida de colono, como dizia o meu amigo, Augusto, condutor, como eu, e que fez comigo a travessia de Moçambique de sul para norte. “Estes gajos é que gozam a vida, têm as negras que querem, fazem filhos mulatos a torto e a direito, compram virgens em troca de um litro de azeite, ou de um garrafão de vinho, e nós é que morremos.”

Pai, não quero que conheças a desumanidade, a nossa e a da guerra, esquece a minha ausência. 
Não tenho palavras para te dizer o que senti o que sentia, o medo, a saudade e a angustia de mais uma noite que se adivinhava, igual a muitas outras. 

Posso contar-te uma história bem diferente daquela que vivi, mas não quero. 
Se soubesses a verdade, dirias que não, que não foi o teu filho que viveu aquela guerra. 
Nunca te contei, nunca te contarei.
Parabéns, PAI.
Apontamentos – Moçambique – 1967/1969 – França – 1970/1980.