Os GE's
São, sem qualquer espécie de dúvida, os que mais conhecem e sabem desta guerra de guerrilha.
Sabem “farejar” à distância a proximidade do IN.
Sabem quando e como se devem proteger de possíveis ataques de morteiros.
Sabem compreender o terreno que pisam.
Trazem nos seus sentidos todos os diferentes cheiros e ruídos que atravessam a densa floresta e reconhecem os seus efeitos.
Sabem prever o imprevisto que nos traz num alerta constante.
Sabem, sobretudo, ter o sentido da oportunidade.
E tudo isto não foi aprendido em instruções militares dadas num quartel militar.
É fruto da experiência do dia-a-dia ganha no seu habitat natural, pois não fossem todos eles filhos da floresta e alguns mesmo e em larga escala, refugiados da Frelimo.
Nada destas experiências se aprende na instrução militar obtida nos nossos quartéis de Portugal Continental.
Sabemos o que é uma granada e o que temos de fazer com ela.
Treinámos os movimentos que se consideravam correctos para as diversas situações, de ataque ou defesa.
Aprendemos a manejar as armas que tínhamos e até as que nunca tivemos no Ultramar.
Muito minimamente prepararam-nos fisicamente para grandes desgastes.
Mentalizaram-nos que íamos matar para nos defendermos dos ataques. Tentaram lavar-nos o cérebro.
Mas nada, ou quase nada, do que nos foi impingido em toda essa aprendizagem relâmpago, serviria para colocar em prática na realidade da guerra.
Nunca nos foi ensinado nem nunca o poderiam fazer, porque para esta guerra que obrigatoriamente viemos e para todas as guerras, é preciso existir convicção nos actos e certeza de que estamos a agir para uma causa comum e isso, nenhum dos fazedores dos livros que ensinam a guerra conseguiram globalmente fazer ou ensinar porque a guerra não era nossa, nunca sentimos interiormente que estávamos a lutar por uma causa justa, apenas lutávamos para nos defendermos a nós próprios e quando isso era necessário.
No nosso espírito apenas pairava a enorme vontade de chegar ao fim da nossa obrigatória missão porque não era difícil, nem aos mais distraídos, compreender que tudo o que nos estavam a fazer sofrer não passava duma enorme mentira, aprofundada pelos poderosos que queriam forçosamente manter as colónias para promoverem as suas próprias fortunas à custa dum “batalhão” de escravos que trabalhavam nas suas enormes propriedades, adquiridas sabe-se lá como nem a quem.
Animais que apenas viviam para todas as suas prepotências e vaidades.
Bestas que conseguiam manter e engordar as suas fortunas a seu belo-prazer. Era para isso que nós estávamos na guerra: para defender o pecúlio desses senhores poderosamente abastados ou abastadamente poderosos.
Por isso, mesmo inconscientemente, nunca aprofundámos a nossa maneira de combater de forma a conseguirmos uma vitória e sempre o fizemos apenas para nossa própria defesa.
Essa defesa que não nos ensinaram porque quem ensinava desconhecia a verdadeira guerra, o verdadeiro terreno.
Isso, quem sabia e creio que também e essencialmente para defenderem a própria pele, era quem sempre viveu e lutou no mato: os GE.
In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes.