Mostrar mensagens com a etiqueta Muaguide. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Muaguide. Mostrar todas as mensagens

sábado, 28 de março de 2020

QUEM ESTEVE NA MATACA PARA APANHAR O PULSO..., por Paulo Lopes

QUEM ESTEVE NA MATACA PARA APANHAR O PULSO.
===================
TEXTO DE PAULO LOPES.
===================

Este post do amigo e sempre presente Rui Briote, levou-me a procurar uma passagem pelas terras da Serra de Mapé onde tive a oportunidade de "olhar" bem para as estrelas. 



E aproveitei também para "calar" o Sr. Duarte Pereira em relação a que já há muito que não se publica nada sobre a guerra! Então vai daí e sabendo que poucos vão ter a paciência de mais um meu longo texto, tomem lá que é de borla e fresquinho!!   




Já se vinha comentando desde algum tempo a necessidade de proceder a algumas reparações na picada que nos ligava a Macomia, já que nalguns pontos se tornava quase impossível transpor com as Mercedes 404 sendo necessário, diversas vezes, a utilização do guincho incorporado nessas mesmas viaturas para se conseguir a deslocação na subida da serra, porque a picada estava de tal forma desnivelada e esburacada que punha em risco a progressão da coluna com um provável "capotanço" de um ou mais carros se estes não fossem conduzidos com a máxima perícia, muita coragem e perseverança dos condutores que, para além de terem que conduzir com a máxima atenção, tinham também a tarefa de estarem atentos a possíveis emboscadas já que estes eram os que mais alto iam e por isso alvos mais fáceis. 

Tudo isto se embrulhava nos seus cérebros adicionando a forte hipótese de saltarem do banco, sem serem eles a fazer por isso, se porventura fizessem accionar uma mina anti-carro! 
Urgia tratar desse efectivo problema para não se correr o risco de ficarmos sem reabastecimento de mantimentos já que sem esta picada minimamente funcional só os poderíamos ter de pára-quedas ou de alguns voos de helicóptero o que eu ponho muito em dúvida que tal fosse autorizado ou realizado! 
Foi dada a autorização necessária para essa reparação. 
Este género de trabalhos era efectuado com o auxílio de civis que para tal eram recrutados. 
Claro que só poderiam efectivar esse trabalho com a nossa protecção visto que se o fizessem sozinhos não estariam lá um só dia. 

Seriam logo atacados, capturados e reencaminhados para as machambas ou recrutados para as fileiras de guerrilheiros da Frelimo. 
O meu grupo foi o primeiro a fazer essa protecção e coube-me a mim, para lá da protecção, orientar também os trabalhos, qual capataz de obras. 

Iniciou-se a reparação a partir do cimo da Serra de Mapé, indo encosta abaixo. 
Daquele local tínhamos acesso a uma visão global da extensa e interminável floresta. 
Já tinha passado muitas vezes por aquele mesmo caminho, mas as circunstâncias nunca eram propícias à apreciação da real beleza das paisagens que aquela serra nos proporcionava e que, não fosse o constante alerta para os possíveis embates, nos daria uma enorme paz de espírito. 

Tinha agora uma forte hipótese de apreciação a tão agradável e deslumbrante visionamento que não descurei e aproveitei da melhor forma até iniciarmos a descida serra a baixo: a verdade da pura natureza!
Um mar de arvoredo espesso e verdejante salpicado aqui e ali por outra cor tirando o uniforme tom, como que a obrigar a nossa visão a fixar-se naqueles pontos que brotavam fora do contexto primordial. Mar calmo como a serenidade duma baía que se prolongava num horizonte sem limite na nossa observação. 
Podia dar asas à imaginação e descobrir uma embarcação flutuando na ondulante folhagem de movimentos lentos e incertos proporcionados pela leve brisa do vento, originando um suave murmúrio entrando no peito desvanecendo-se instantaneamente em calma e transportar-nos para lado nenhum. 
Os homens iam descendo a encosta da serra pela picada desbravando terra de um lado para tapar buracos no outro. 

Nós íamos patrulhando os laterais, protegendo os trabalhadores. 
Quanto mais íamos descendo maiores eram as dificuldades de arranjo. 
As ferramentas de trabalho que aqueles trinta homens recrutados possuíam para realizar aquela tarefa restringiam-se a módicas catanas, picaretas, pás e uma boa dose de pouca vontade de cavar ― proporcional ao pagamento que iriam auferir ―. Com este tipo de ferramenta adicionado à inexistente competência dos construtores de estradas recrutados à população nativa —não esquecendo o capataz, ou seja, eu— pouco, para não afirmar que mesmo nada iria beneficiar esta única forma de nos deslocarmos com as viaturas: revolvia-se a terra de um lado para a colocar em buracos mais profundos. Desbastava-se mato e arvoredo. 
Tentava-se nivelar o máximo possível o rodado de passagem mas, olhando depois para o que ia ficando para trás dos trabalhos, não se visionava grande alteração deixando antever que tudo ficaria igual assim que a próxima chuvada fizesse desencadear uma avalanche de água serra abaixo. 

Por uma questão de segurança, quando chegou o fim de tarde, regressámos ao cimo da serra para pernoitarmos. 
Montado todo o habitual mas sempre alertado esquema de segurança, de cama preparada, quando a escuridão da noite misturava a infindável floresta com o firmamento e as estrelas brilhavam num turbilhão de vida e encanto, pude vislumbrar toda a visão nocturna que podíamos observar daquele local privilegiado da serra. 
Paisagem que eu, citadino lisboeta dos sete costados, onde até a simples estrela polar se torna complicado descobrir quando é escondida pela altura do betão armado, nunca tinha oportunidade de desfrutar nem mesmo na Serra de Sintra ou no perto Monsanto. 

De luzes artificiais, apenas, muito ao longe, as luzes dos focos do nosso estacionamento virados para o lado de fora do arame farpado. 
Lá estava a nossa casa: Mataca. 

Tudo o mais era natural: Estrelas, muitas e deslumbrantes estrelas. 
Silêncio, absoluto silêncio que nos permitia ouvir a respiração dos já adormecidos e o abanar da folhagem das árvores mais altas que uma leve e suave brisa proporcionava. 
Fiquei algum tempo a observar o espaço, desviando por vezes o olhar para os pontos de luz que, lá longe, na Mataca, salpicavam a escuridão que se encontrava por baixo das brilhantes estrelas, como se alguém tivesse pintado umas pequenas pinceladas de amarelo num enorme fundo, agora tornado negro. Deitei-me na minha improvisada cama de capim a pensar: Como isto tudo poderia ser ainda mais belo se eu não estivesse de braços apoiados no carregador da minha G3,

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes

Os GE's..., por Paulo Lopes


Os GE's


São, sem qualquer espécie de dúvida, os que mais conhecem e sabem desta guerra de guerrilha.

Sabem “farejar” à distância a proximidade do IN.
Sabem quando e como se devem proteger de possíveis ataques de morteiros.
Sabem compreender o terreno que pisam.
Trazem nos seus sentidos todos os diferentes cheiros e ruídos que atravessam a densa floresta e reconhecem os seus efeitos.
Sabem prever o imprevisto que nos traz num alerta constante.
Sabem, sobretudo, ter o sentido da oportunidade.

E tudo isto não foi aprendido em instruções militares dadas num quartel militar.
É fruto da experiência do dia-a-dia ganha no seu habitat natural, pois não fossem todos eles filhos da floresta e alguns mesmo e em larga escala, refugiados da Frelimo.

Nada destas experiências se aprende na instrução militar obtida nos nossos quartéis de Portugal Continental.



Sabemos o que é uma granada e o que temos de fazer com ela.
Treinámos os movimentos que se consideravam correctos para as diversas situações, de ataque ou defesa.
Aprendemos a manejar as armas que tínhamos e até as que nunca tivemos no Ultramar.
Muito minimamente prepararam-nos fisicamente para grandes desgastes.
Mentalizaram-nos que íamos matar para nos defendermos dos ataques. Tentaram lavar-nos o cérebro.
Mas nada, ou quase nada, do que nos foi impingido em toda essa aprendizagem relâmpago, serviria para colocar em prática na realidade da guerra.

Nunca nos foi ensinado nem nunca o poderiam fazer, porque para esta guerra que obrigatoriamente viemos e para todas as guerras, é preciso existir convicção nos actos e certeza de que estamos a agir para uma causa comum e isso, nenhum dos fazedores dos livros que ensinam a guerra conseguiram globalmente fazer ou ensinar porque a guerra não era nossa, nunca sentimos interiormente que estávamos a lutar por uma causa justa, apenas lutávamos para nos defendermos a nós próprios e quando isso era necessário.



No nosso espírito apenas pairava a enorme vontade de chegar ao fim da nossa obrigatória missão porque não era difícil, nem aos mais distraídos, compreender que tudo o que nos estavam a fazer sofrer não passava duma enorme mentira, aprofundada pelos poderosos que queriam forçosamente manter as colónias para promoverem as suas próprias fortunas à custa dum “batalhão” de escravos que trabalhavam nas suas enormes propriedades, adquiridas sabe-se lá como nem a quem.

Animais que apenas viviam para todas as suas prepotências e vaidades.
Bestas que conseguiam manter e engordar as suas fortunas a seu belo-prazer. Era para isso que nós estávamos na guerra: para defender o pecúlio desses senhores poderosamente abastados ou abastadamente poderosos.

Por isso, mesmo inconscientemente, nunca aprofundámos a nossa maneira de combater de forma a conseguirmos uma vitória e sempre o fizemos apenas para nossa própria defesa.
Essa defesa que não nos ensinaram porque quem ensinava desconhecia a verdadeira guerra, o verdadeiro terreno.

Isso, quem sabia e creio que também e essencialmente para defenderem a própria pele, era quem sempre viveu e lutou no mato: os GE.

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes.

domingo, 12 de novembro de 2017

Ó Manel! cómer é tan bom e drumir???, por Armando Guterres

Armando Guterres 
para BATALHÃO DE CAVALARIA 3878
Ó Manel! cómer é tan bom e drumir???

Em 25 meses, vivi no aquartelamento da Mataca, no quartel de Macomia.

Dormi antes e depois de uma operação no Quiterajo.

Dormi muita vez na ponte Muagamula e poucas no Alto da Pedreira.

No mato da Mataca foram muitas noites, quase todas, bem sossegado.

E à cidade da Baía de Pemba fui cinco vezes levantar os dinheiros da companhia.

Abancávamos os quatro (um por companhia) na pensão Rosas.

Nas férias, sempre em casas particulares, de familiares e amigos.

Restou a primeira noite, no fundo de um corredor, em cima de um monte de colchões no quartel de Porto Amélia.


domingo, 6 de novembro de 2016

Mataca, onde é que isso fica..., por Paulo Lopes





Aproveito para dizer que a única parte que jeito tenha do texto que o amigo Jose Capitao Pardal relembrou aqui, é o que não existia: as fotos!

Obrigado Pardal só que, com isso e ao ver o campo de futebol de Porto Amélia, fez com que volte a incomodar a
s hostes com mais umas palavrinhas do dito livro (que o não é):

Na Beira, depois daquelas burocracias habituais e extremamente aborrecidas de fazer, soube quando partiria para Porto Amelia, no distrito de Cabo Delgado.



Para mim, completamente desinformado da geografia Africana, tal nome nada me dizia, mas como o mal logo se sabe, fiquei esclarecido e para que constasse, Cabo Delgado era um dos principais distritos do norte de Moçambique onde a guerra estava bem implantada.
Começava a acordar de vez!
Mas que poderia esperar um atirador?

Três dias depois, aterrava no Aeroporto de Porto Amelia, capital do distrito de Cabo Delgado.

Entre apresentações e avisos do que havia a fazer, depressa fiquei conhecedor do meu pouso definitivo: — MATACA, junto à Serra do Mapé.



Restava-me saber quando e como iria.
Ninguém me deu agradáveis noticias de tal paradeiro: Uns não conheciam tão pouco Mataca mas da dita Serra, não me auguravam nada de aceitável.
Outros diziam que era no meio do nada e simplesmente faziam uma careta expelindo dos seus lábios um enorme "chiiiiiiii", alguns, os mais conformados, diziam que era igual a tantos outros aquartelamentos espalhados pelas matas de Cabo Delgado.
Fiquei a saber o que já sabia...nada!

Vinha munido da morada de uma amiga que morava em Lisboa precisamente na minha rua e que tinha vindo procurar vida nova exactamente para Porto Amélia.
E então, assim que me vi livre dos meus deveres militares, tal provinciano chegado a uma grande cidade, sem conhecer nada nem ninguém, ai fui eu a procura do paradeiro da minha amiga de infância.

Felizmente para mim, Porto Amélia não era nenhuma grande cidade (até bem pequena) e foi fácil localizar o destino a que me propus.

Ela era professora no liceu de Porto Amélia e ele, o marido, além de trabalhar na fabrica de cerveja, treinava a equipa de basquetebol da terra e, talvez por isso, estava bem relacionado com civis e algumas altas patentes militares a quem me foi apresentando aos poucos.

Através dele, fui fazer um treino de captação na equipa de futebol de Porto Amelia, com o alento despoletado por falsa esperança vinda do marido da minha amiga, que isso me levasse a ficar por lá.



De todo impossível!
As cunhas não funcionaram, o que não era de estranhar, e como eu não apresentava assim tanto jeito para dar uns pontapés na bola que desse uma mais-valia a equipa da terra... tinha mesmo de ir para as trincheiras da guerra.





........
In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

...E o carnaval são 3 dias, por Luís Leote

PARA MEMÓRIA FUTURA.
HÁ TEXTOS QUE DEVEM SER PRESERVADOS.
 
Luís Leote
 
Tudo indicava que ia ser mais uma normal operação de reabastecimento de víveres....



Saímos de Macomia, com os carros bem atestados de mantimentos, chegámos ao Alto do Delepa para começar a descer a Serra do Mapé.

Eu vinha sensivelmente a meio da coluna, a pensar nas palavras do tenente da CCS.
“ Ordenou-me que cortasse o bigode, porque na fotografia do bilhete de identidade, não o tinha”.
Já não era a primeira vez que me tinha avisado.

De repente, fez-se um alto à coluna.
As viaturas, que começavam a descer a serra, uma berliet, voltou-se sobre o lado esquerdo da picada, ficando de rodas para cima, e a carga toda espalhada.
Felizmente, ninguém ficou ferido.
 


Lembro-me que, após a comunicação do sucedido via radio, ao comando da CCS, a primeira pergunta foi se a viatura tinha ficado muito danificada.
Nem uma alusão a possíveis feridos!!!
 
Percebemos que tão depressa, não iríamos sair dali.
Montámos a segurança à volta da viatura, para de seguida preparar o seu resgate.
Da Mataca veio o furriel mecânico que ao chegar, tratou logo de fazer o registo fotográfico.

 

Preparámo-nos par passar lá a noite.
Se a memória não me falha, alguém montou umas latas de ração com pedras lá dentro, à volta do perímetro.
Acho que ninguém conseguiu dormir, especialmente depois de alguém ter dado dois ou três tiros na direção das latas que faziam barulho.
 
Trazer a berlirt cá para cima, tornou-se uma tarefa complicada, pelo que estava à vista uma segunda noite na picada.
Com duas noites e três dias na picada, estacionados e referenciados, prometi que se me safasse da terceira noite, faria a vontade ao tenente e cortaria o bigode, o que aconteceu.

Foi em Fevereiro de 1971, em pleno Carnaval.
Dizem que o Carnaval, são três dias.
FOI UM GRANDE CARNAVAL!!!!!
 
Luís Leote

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Memórias da Mataca, por Manuel Correia, apresentado por Luís Leote

Luís Leote
 
 “Terra de minas, entre os cafres.”
Verdade, verdadinha, é mesmo este, o significado que o dicionário online de Português atribui à palavra Mataca.
 
Sem dúvidas…terra de minas.
Entre os negros…as minas da Mataca!
 
 
 
Foi há muito tempo!
Sei que eras das transmissões de Infantaria da C.Caç.2555, sei que eras um bom rapaz, sei que éramos amigos, sei que éramos todos uma família.
Não me lembro do teu nome, porque deve estar enrodilhado nalguma cicatriz da minha memó...ria, mas lembro-me, isso sim, que espalhavas um pouco da tua alegria por aqueles que te rodeavam.

O sol já espreitava na crista da serra Mapé, quando saímos da Mataca para Macomia!
Era necessário ir buscar qualquer coisa para enganar o estômago, nem que fosse um pouco de feijão-frade recheado com gorgulho.
 
Trinta kilómetros não são muito para os nossos dias, mas, naquele tempo e naquelas circunstâncias, demorava-se quase um dia a percorrer o trajeto.
É que palmilhar a serra Mapé era dobrar o nosso cabo das Tormentas.
 
Kilómetro quarto… nem sei descrever com precisão o que se passou: Um estrondo sem medida, a grande aventura de voar sem asas, alguns feridos, uma berliet com a frontaria toda estragada, o Lameira a berrar pelo mato fora… que grande confusão!
 
Depois disto tudo e enquanto ouvia as lamúrias do Cap. Alcides, por a berliet estar danificada, vi o nosso entendido em Transmissões, com a cara toda enfarruscada e um sorriso sem convicção, a sair penosamente da cavidade que o rebentamento da mina lhe tinha provocado.

Até me esqueci que a minha perna direita estava a sangrar e ri-me, ri-me com vontade, depois de ouvir o seu desabafo:
-Meu Alferes, estava-se ali tão quentinho!
 
Era assim na Mataca:
Palco de coisas simples, terra de minas e local de sinais contraditórios onde amizade; alegria e juventude conviviam com guerra; fome e sede… morte.
 
Hoje, bamboleando entre o pesadelo e a saudade, atrevo-me a afirmar que a Mataca, além de ter sido o degredo de muita gente, também foi uma grande escola, onde jovens mais ou menos ingénuos se tornaram em adultos experientes que aprenderam a superar as dificuldades da vida.
 
Hoje, a muitos anos de distância, continua a ser grande, o simbolismo da Mataca:
É muito bonito, sempre que uns poucos sexagenários da C.Caç.2555, comandados pelo nosso “Escrita,” continuam a transformar-se em adolescentes, quando, num alegre convívio, teimam em reavivar, por um dia, as recordações do tempo em que riram, trabalharam e sofreram juntos na “Terra de minas, entre os cafres”!

Manuel Correia

 
 
 ·

domingo, 22 de maio de 2016

Senhor Padre, gostou do "Macaco à Caçadora"?..., por Paulo Lopes

 
 
Como dizes, António Encarnação, as conversas são como as cerejas e então, apesar de saber que a maioria já leu, penso que tu ainda não tinhas lido esta passagem caricata na Mataca:
.......................................................................
.................................................................................

 
O presente é o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a partida que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!

Chegados ao aquartelamento, o F......, com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projecto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco.
Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na parodia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas — notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura — fizesse um belo coelho à caçadora.
 
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão Capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exactamente a mesma protecção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguirá terminar o conflito entre as partes terrestres?...
Pelo menos, até agora, não conseguiu pôr termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para início da festa:
— O petisco esta pronto!
Todos os graduados, sem excepção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!
 
O certo é que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:

— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!...


O F....., como era hábito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua partida mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de "macaco à caçadora"!...
 
Não sobrou nada!...
Se mais houvesse, mais iria!
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica construção, o F...... saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma qualquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
E para colocar um pouco mais de pimenta no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espectáculo que se seguiria.




In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes