domingo, 22 de maio de 2016

Senhor Padre, gostou do "Macaco à Caçadora"?..., por Paulo Lopes

 
 
Como dizes, António Encarnação, as conversas são como as cerejas e então, apesar de saber que a maioria já leu, penso que tu ainda não tinhas lido esta passagem caricata na Mataca:
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O presente é o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a partida que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!

Chegados ao aquartelamento, o F......, com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projecto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco.
Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na parodia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas — notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura — fizesse um belo coelho à caçadora.
 
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão Capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exactamente a mesma protecção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguirá terminar o conflito entre as partes terrestres?...
Pelo menos, até agora, não conseguiu pôr termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para início da festa:
— O petisco esta pronto!
Todos os graduados, sem excepção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!
 
O certo é que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:

— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!...


O F....., como era hábito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua partida mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de "macaco à caçadora"!...
 
Não sobrou nada!...
Se mais houvesse, mais iria!
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica construção, o F...... saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma qualquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
E para colocar um pouco mais de pimenta no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espectáculo que se seguiria.




In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes

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