Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Moçambique – Agosto de 1967 – Outubro 1969.
Paris – 11 de Março de 1972
O Banco dos Dias.
Tenho dias para a “troca”....trocaria bem o dia 11 de Março de 1968, por um outro qualquer, mesmo que fosse um dia sem sol, chuvoso, triste, como o dia de hoje.
Começou a nevar, o verde da relva do jardim vai desaparecendo aos poucos.
Os sons que chegam da rua são menos agressivos.
Sim, faz hoje quatro anos.
Deveriam existir bancos de dias, onde pudéssemos trocar dias maus por dias bons, mais caros claro, porque isto de trocar um dia mau por um dia bom dá muito trabalho.
Um calor do caraças, o café do quartel de Palma sempre é melhor do que aquele que bebemos no mato.
A neve acumula-se no parapeito da janela.
Não vejo os pardais que habitualmente picam a relva durante horas e horas procurando o que comer.
Sim.
Deveriam existir esses tais bancos para trocar dias – Bom dia, tenho um dia para a “troca,” não, não é um dia é uma manhã, uma manhã quente de Cabo Delgado, uma manhã de tiros de granadas, de gritos, chamem o enfermeiro, precisamos do helicóptero....o Amável está morto.
A vizinha do primeiro andar atravessou o pátio, com cuidado...pé...ante...pé, tal como nós numa qualquer picada de Cabo Delgado...pé...ante...pé.
A granada que o alferes Guerra trazia à cintura explodiu, ele e o Bibiu morreram.
Tenho dias para a “troca.”
Vamos dar um mergulho à praia, a malta da nossa companhia deve estar quase a chegar, depois do banho vamos comer um peixe assado ou umas lulas fritas, e beber umas “catembes.”
Por favor, pode ver na tabela dos dias quanto custa trocar o dia 11 de Março de 1968, por um outro dia qualquer?
Tenho dias para a troca.
O Camilo Alves, também morreu.....
Se não me trocarem os dias, eu dou os meus, não todos.
Quero regressar a Palma e falar com o senhor que manda nos dias, o gajo que decide...hoje é um dia de sol e de vida....amanhã não sei.
O senhor do banco dos dias, diz que vai ser difícil trocar o dia 11 de Março de 1968 por um outro dia qualquer, os dias consumidos são considerados em 2ª mão, e para além do mais ninguém compra dias com mortos.
Posso falar com o gerente?
Posso falar com o gajo que decide quem morre, que decide quem vive.
A água do Indico está quente, eu e o Banó estendidos na areia branca da praia de Palma, ao longe os barcos dos negros continuam a pescar.
Por favor caro Senhor, troque-me este dia, esta manhã, pela merda de outro dia qualquer.
Sabe caro senhor, nessa manhã morreram na picada de Pundanhar quatro gajos que eram nossos irmãos.
Não pode?
Então diga-me quanto custa um milagre.
Juro que comprarei velas, juro que rezarei, juro que farei peregrinações.
Como?
Não pode ser?
Já é tarde?
A neve continua a cair, da cozinha chega-me o som do rádio e a voz do Jacques Brel que canta--- Ne Me Quitte Pas.
Faz hoje quatro anos......
Não me esqueci......e continuo a gostar de vocês.....IRMÃOS.
(Rectifiquei algumas “coisas” poucas do escrito original )
Paris – Boulogne-Billancourt. - 11 de Março de 1972
Obrigado pela partilha. Um enorme abraço.
ResponderEliminarJosé Nobre, a pouco e pouco vou publicando os teus textos, num dos 2 blogs que possuo sobre a temática.
EliminarUm abraço.