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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

25 de Setembro..., por José D'Abranches Leitão

O som vinha de longe!??
Havia "batuque"!!!!
Alerta máximo !
Normalmente era assim no dia de aniversário (?) da Frelimo.
Batuque....a noite era de dança. ...no aldeamento.
Sabíamos que alguma população, jogava com um pau de dois bicos!!!???
E a dança, vulgo batuque. ...era a "senha"!!!
Tropaáué! !!! Tropaáué! Tropaáué! Vai sair.... (os mainatos, ouvidos atentos!!!). 
E a coberto da noite...a notícia chegava às palhotas!!!!

Na caserna....os berros! 
Fecha a porra da luz! 
Quero dormir!!! 
Amanhã saímos cedo!!! 
Carago !!! 
Era a voz inconfundível do Alfaiate!!!
Eram assim as nossas saídas, ainda o dia não tinha nascido.... para a picada ou embrenhados num trilho pela mata dentro!
Dia seguinte...minas na picada....emboscadas!?
Do Chai...recebíamos noticias. ...de que "eles"...andavam por perto!
Messalo...da outra margem...alguns vultos suspeitos!
Mataca...nada era recebido via rádio. ... mas o alerta era a palavra de ordem!
Toda a Companhia em alerta máximo! !!!
Era assim o 25 de Setembro!!!
...
As "memórias"...continuam, enquanto os fusíveis, digo neurónios. ...não se "fundem"...ou não se f*****!!!!!
José Leitão
CCAV 2752

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Mais uma... HM125 Nampula, por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Fevereiro de 1971.
HM125 Nampula
Recordo a minha “estada” no Hospital Militar de Nampula HM125, numa cadeira de rodas, após uma intervenção cirúrgica aos pés, Seriam um mês vinte e seis, naquele Hospital.

Recordo-me que fui operado no dia 31 de Janeiro de 71, e ainda com “anestesia local”, (na altura não havia outra no bloco operatório e tive de assistir à operação!!!) e assim que me colocaram na cama fui parar ao chão pois tinham tirado as pernas da cama! 
Praxe esta que viria a ser continuada por mim, sempre que alguém vinha para o meu quarto, saído do bloco operatório.



Nos primeiros dias, as “petidinas”, derivado da morfina atenuam, e de que maneira, as dores! 
Mas depressa me tornei um dependente desta maravilha que me deixava em extâse! 
Sentia-me a levitar!!! 
Que maravilha!

Ao fim do 3º dia, sou informado pelo Enfermeiro Henrique (de Coimbra) que não podia dar-me mais “petidinas”, por ordem do médico, pois estas eram necessárias para o pessoal que, diariamente chegava de heli, quer de Cabo Delgado, quer de Tete, quer do Niassa!!!

Foi o fim da “picada”! 
Sob a ameaça de que lhe daria um “tiro” logo que saísse do Hospital, lá condescendeu, a troco de umas cervejolas,  lá me continuou a “picar” de 6 em 6 horas!!! 
Que alívio!!! 
Parecia que estava no paraíso, embora encharcasse completamente o pijama e lençóis.

Vim a saber mais tarde, pelo mesmo enfermeiro, de que as ultimas injecções não eram à base de “morfina” mas sim de água destilada! 
A sugestão faz tudo!

Impressionante!
Muitas mais histórias teriam se ser contadas, vividas neste HM125.

José Leitão
CCAV 2752

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O Banco dos Dias, por José Nobre

Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Moçambique – Agosto de 1967 – Outubro 1969.
Paris – 11 de Março de 1972
O Banco dos Dias.
Tenho dias para a “troca”....trocaria bem o dia 11 de Março de 1968, por um outro qualquer, mesmo que fosse um dia sem sol, chuvoso, triste, como o dia de hoje.
Começou a nevar, o verde da relva do jardim vai desaparecendo aos poucos. 
Os sons que chegam da rua são menos agressivos. 
Sim, faz hoje quatro anos. 
Deveriam existir bancos de dias, onde pudéssemos trocar dias maus por dias bons, mais caros claro, porque isto de trocar um dia mau por um dia bom dá muito trabalho. 
Um calor do caraças, o café do quartel de Palma sempre é melhor do que aquele que bebemos no mato.
A neve acumula-se no parapeito da janela. 
Não vejo os pardais que habitualmente picam a relva durante horas e horas procurando o que comer.
Sim. 
Deveriam existir esses tais bancos para trocar dias – Bom dia, tenho um dia para a “troca,” não, não é um dia é uma manhã, uma manhã quente de Cabo Delgado, uma manhã de tiros de granadas, de gritos, chamem o enfermeiro, precisamos do helicóptero....o Amável está morto. 
A vizinha do primeiro andar atravessou o pátio, com cuidado...pé...ante...pé, tal como nós numa qualquer picada de Cabo Delgado...pé...ante...pé. 
A granada que o alferes Guerra trazia à cintura explodiu, ele e o Bibiu morreram. 
Tenho dias para a “troca.” 
Vamos dar um mergulho à praia, a malta da nossa companhia deve estar quase a chegar, depois do banho vamos comer um peixe assado ou umas lulas fritas, e beber umas “catembes.” 
Por favor, pode ver na tabela dos dias quanto custa trocar o dia 11 de Março de 1968, por um outro dia qualquer? 
Tenho dias para a troca. 
O Camilo Alves, também morreu.....
Se não me trocarem os dias, eu dou os meus, não todos. 
Quero regressar a Palma e falar com o senhor que manda nos dias, o gajo que decide...hoje é um dia de sol e de vida....amanhã não sei. 
O senhor do banco dos dias, diz que vai ser difícil trocar o dia 11 de Março de 1968 por um outro dia qualquer, os dias consumidos são considerados em 2ª mão, e para além do mais ninguém compra dias com mortos. 
Posso falar com o gerente? 
Posso falar com o gajo que decide quem morre, que decide quem vive. 
A água do Indico está quente, eu e o Banó estendidos na areia branca da praia de Palma, ao longe os barcos dos negros continuam a pescar. 
Por favor caro Senhor, troque-me este dia, esta manhã, pela merda de outro dia qualquer. 
Sabe caro senhor, nessa manhã morreram na picada de Pundanhar quatro gajos que eram nossos irmãos. 
Não pode? 
Então diga-me quanto custa um milagre. 
Juro que comprarei velas, juro que rezarei, juro que farei peregrinações. 
Como? 
Não pode ser? 
Já é tarde?
A neve continua a cair, da cozinha chega-me o som do rádio e a voz do Jacques Brel que canta--- Ne Me Quitte Pas.
Faz hoje quatro anos......
Não me esqueci......e continuo a gostar de vocês.....IRMÃOS.
(Rectifiquei algumas “coisas” poucas do escrito original )
Paris – Boulogne-Billancourt. - 11 de Março de 1972

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O "KIKO", por Duarte Pereira



 
ESTA FOTO É PARA REPARAREM NO "KIKO".

ACHO QUE CHEGUEI A TER DOIS.
ERAM FEITOS POR ENCOMENDA.
RECORDO COM SAUDADE DE UM QUE TINHA MAIS BURACOS QUE PANO E AGUENTAVA-SE PELO FORRO.
ERAM LAVADOS TANTAS VEZES QUE PERDIAM CONSISTÊNCIA E A COR.

O KIKO NORMAL PARECIA NÃO PROTEGER DAS BALAS.
QUANDO ESTREEI UM NOVO ERA UM DESCONFORTO.
TECIDO DURO E AINDA NÃO MOLDADO À CABEÇA.
DEPOIS O SUOR, NÃO DO ESFORÇO, MAS SIM DO CALOR, IAM DERRETENDO AQUELE PANO QUE NOS PROTEGIA EM CENTENAS DE QUILÓMETROS DO CALOR DO SOL.
 
AINDA RECORDO QUE DEPOIS DE COLUNAS COM POEIRA E DEPOIS DE TIRAR O KIKO COM SUOR E PÓ, LOGO LAMA, DAVA UMA IMAGEM ENGRAÇADA AO NOSSO ROSTO.

ESTES KIKOS NUNCA VIRAM DIVISAS.
ERAM PARA SER USADOS FORA DE MACOMIA ONDE NÃO HAVIA DISTINÇÕES ENTRE SOLDADO, CABO, FURRIEL OU OFICIAL.
EU ATÉ PENSAVA PARA MIM, QUE ALGUNS SOLDADOS TINHAM MAIS PINTA DE OFICIAIS PELO SEU PORTE, DO QUE ALGUNS QUE USAVAM OS MESMOS.
 

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Enfermeiras para quedistas..., por Horácio Cunha

 
 
Li com alguma emoção este texto.
Há tempos, já aqui falei, um pouco detalhadamente, destas mulheres enfermeiras e do seu importante papel em prol dos nossos feridos e estropiados daquela guerra.
Conheci o seu humanismo e o seu sangue frio.
 
Na C Cav.3509, à qual pertenci, como é sabido, atuaram duas vezes, em circunstâncias difíceis, em plena picada e em risco iminente, com os nossos camaradas condutores feridos - Manuel Lopes e Reis.
 
Numa dessas evacuações, uma ainda vinha com as botas (que eram iguais às nossas) por atacar e segundo me confidenciou, enquanto ambos socorria-mos o nosso ferido, estava a descansar um pouco, após grande cansaço, quando foi de novo chamada de emergência para aquele serviço e teve de calçar as botas rapidamente e correr para o hélio que já a esperava, não lhe dando tempo de as atacar.
 
Como nota direi que esta jovem que evacuou o Lopes na picada, por coincidência, foi a mesma que, dias mais tarde, o acompanhou no avião dos feridos que o trouxe para a Metrópole.
E, muito embora o tempo decorrido, reconheceu-o, ficando estupefacta, segundo ele, por lhe terem amputado a perna.
 
Estas jovens enfermeiras para-quedistas caíram, tal como nós, no esquecimento de muita gente, que não reconheceram o seu alto valor altruísta de desempenho, que então realizaram.
 
Deixo aqui, mais uma vez, a minha enorme gratidão e homenagem a essas mulheres, hoje de proba idade e que tão bem são personalizadas, no texto acima apresentado pelo nosso amigo Luís Leote.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MINHA PRIMEIRA COLUNA DE REABASTECIMENTO A MACOMIA, por Paulo Lopes



"Picada" Mataca - Macomia (foto Paulo Lopes)
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficámos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante, mas não nos preocupou absolutamente nada.

Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.

Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
 
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estava, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!...

Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
.
— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá, como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos! Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.

E com estas palavras, poucas e simples, saímos! Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples, quanto a reunião que acabávamos de ter: — Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia, apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior.
Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!...
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
Lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas. A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!...
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados. Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.

Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do Exército e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distância prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca, o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca. Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
 
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico. Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.

Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus. Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.

Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
Sim!
Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
 
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada. Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita! Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.

Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!...

As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração. Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
Pela forma do ataque, ficámos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local e aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distância, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memória como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: —quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”. Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares. Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 
Paulo Lopes (20130822)