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quarta-feira, 4 de abril de 2018

2014/08/29 - Despedida de meu pai, por Duarte Pereira


2014/08/29

O TEXTO QUE IRÃO VER MAIS ABAIXO, FOI ESCRITO PELO MEU FILHO A 27 DE AGOSTO.

O MEU PAI ESPEROU PELAS 12.05 H DO DIA 28, NA ALTURA DA MINHA VISITA E IA ACOMPANHADO PELA MINHA FILHA PARA SE DESPEDIR DE MIM.


DOIS DIAS ANTES ESTEVE NUMA AMENA CAVAQUEIRA NA HORA DE VISITA COM A MINHA MULHER E FILHA. ...


NESSA NOITE TEVE UM A.V.C. FORTE E PASSOU A ESTADO DE COMA.

NO MOMENTO QUE ESTOU A ESCREVER ACABARAM TODAS AS CERIMÓNIAS FÚNEBRES. 
AS MÉDICAS DISSERAM QUE ELE NUNCA MAIS TERIA UMA VIDA MINIMAMENTE NORMAL. 
SOU CATÓLICO E AGRADECI A DEUS POR O TER POUPADO A MAIS SOFRIMENTO. 
PENSEI TAMBÉM DE FORMA EGOÍSTA NA FAMÍLIA. 
A VIDA CONTINUA. 

O MEU PAI, PARA MIM CONTINUARÁ SEMPRE VIVO PELOS ENSINAMENTOS QUE ME DEU. 
A SUA CALMA, TUDO SE RESOLVE. 

SE EU SOU COMO SOU AGRADEÇO À MINHA MÃE QUE É MUITO NERVOSA E NÃO SE CALA A NADA.

PUBLICO ESTE PEQUENO TEXTO PORQUE ACHO QUE O DEVERIA FAZER.
JUNTOU-SE O FALECIMENTO DA MÃE DA CIDÁLIA PIRES E ACHO QUE FOI NO MESMO DIA. 
ESTAMOS AMBOS SENTIDOS. 
QUE OS QUE NOS DEIXARAM, FIQUEM BEM ONDE QUER QUE ESTEJAM.



Rui Pedro Pereira
O avô Armando está a lutar pela vida no hospital. 
A luta é dura. 
Como foi a vida dele. 
E dos meus avós. 
E dos nossos avós. 
O avô Armando e o "outro" avô, no sentido em que fui criado com o avô Heitor, capitão orgulhoso do Exército português, combatente nas antigas províncias ultramarinas. 
O avô Heitor ou melhor, capitão Heitor ensinou-me a ler, alguns princípios das Forcas Armadas, levou-me a conhecer quartéis, messes de oficiais, enfim a minha tropa até aos 14 anos foi com ele. 

O avô Armando e o "outro" avô no sentido em que, com ele, aprendi a ser mais terra a terra eu que, influenciado pelo avô Heitor, já sonhava com o brilho reluzente das medalhas por bravura (deixou-me duas e uma espada de Toledo). 
Com o avô Armando fui à pesca, na Baía de Cascais, ainda os meets eram de pescadores e a calçada estava cheia de redes e não de putos que merecem levar um par de estalos.
Com o avô Armando conheci a Cascais dos pescadores, da gente humilde, a Cascais longe dos tios e das tias, a Cascais do Pai do Vento, do jardim da Gandarinha, da barbearia em frente a Igreja, a Cascais onde me casei. 

O avô Armando, que trabalhava o vidro, também tomou conta do antigo cinema de Cascais. 
Abria e fechava as portas. 
Abria e fechava o bar. 
Deixava-me entrar pelo lado dos cisnes. 
De brincar junto ao Óscar gigante. 
No espaço que hoje e ocupado por uma Igreja de Culto, vi Os Salteadores da Arca Perdida, O Livro da Selva e Dick Tracy. 

E estranho escrever isto no Facebook, mas escrever faz-me bem. 
Faz me estar mais perto dele. 
Tenho saudades do meu avô Heitor e já tenho saudades do meu avô Armando. 
Porque, com eles, pude ver a Baía de Cascais de duas maneiras possíveis: da varanda da sumptuosa messe da Marinha e em cima do casco de um barco ao largo da Praia dos Pescadores.


Cidália Pires
Perdi uma das pessoas que muita falta me fica a fazer, a minha mãe.
Acabou o sofrimento esta noite ...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

25 de Abril - Viva a Liberdade, por Manuel Cabral



Duarte Pereira
AS COMADRES ENVIARAM-ME ESTE TEXTO PUBLICADO PELO MANUEL CABRAL (EX-FURRIEL) QUE ESTEVE COMIGO, EM 1973 NO 3º PELOTÃO DA 3509 . EMBORA APAREÇA POUCO NA PÁGINA TAMBÉM TEMOS DIREITO AO SEU TEXTO.
Manuel Cabral
há 9 horas perto de Valença, Brazil · Editado
.
Tenho por hábito há muitos anos não falar publicamente de política, mas hoje, perante a enorme quantidade de comentários saudosistas do antigo regime, não posso ficar calado.


Muitos dos que falam hoje da superioridade do que se passava antes do 25 de Abril de 1974, não viveram esses tempos, não sofreram a intolerância de um regime que calava pelo medo e pela repressão os que pensavam de maneira diferente, os que queriam para o nosso país um futuro diferente.
E esta é a primeira grande diferença entre os dois tempos: a tolerância.


Foi graças ao fim da intolerância que hoje, os que estão em desacordo com o que se passa, podem expressar os seus pontos de vista, defender até o regresso ao passado, a um passado em que apenas os que detinham o poder podiam ter opinião, e os outros não podiam expressar o que sentiam, o que pensavam, fosse de que forma fosse.


Os que hoje falam do mal que estamos, esquecem que eles próprios ajudaram a chegar onde estamos agora - todos somos culpados, não há inocentes.
Uns porque agiram mal, outros porque não agiram, outros ainda porque deliberadamente tentaram destruir o estado de democracia em que vivemos.
Mas uma coisa é certa - mesmo com todos os erros, com todas as escolhas erradas, todos contribuíram, com o seu voto, para estarmos onde hoje estamos.


Ao contrário do que se passava antes do 25 de Abril, onde as eleições não passavam - quando existiam - de farsas armadas para perpetuar no poder os que lá se encontravam.


Fala-se muito dos políticos desonestos de hoje, mas não porque no passado eles não existissem - simplesmente hoje todos sabemos quem eles são, pois mesmo com todos os seus defeitos, a imprensa de hoje pode e fala sobre eles, denuncia os roubos que fazem, os danos que exercem sobre a nossa economia.


E se as instituições não funcionam, se os tribunais relaxam e deixam que os prazos se imponham à justiça, hoje, tudo isso é conhecido, tudo isso aparece em público.


Antes, quem se atrevesse a denunciar os abusos dos presidentes das Câmaras, do polícia do bairro, era simplesmente abafado, quer pela agressão física que grupos de "justiceiros" do regime se encarregavam de aplicar, quer pela perseguição política, pela prisão, pelo degredo.


Num regime que, ao mesmo tempo, castigava brandamente um marido traído, que matava a esposa infiel, ou uma filha apanhada na cama com o seu namorado, num regime que encobria os crimes dos que lhe eram fiéis.
Mas nada se sabia, em público, ao contrário do que se passa hoje.


Não vale a pena os que hoje defendem o regresso ao passado pensarem nisso - nunca vai acontecer, não porque os que defendem a mudança sejam melhores, mais fortes, mais poderosos. 
Simplesmente porque quem um dia provou o sabor da Liberdade não vai deixar que lha tirem de novo.

O que vale a pena é aproveitar a tolerância que se conquistou com o 25 de Abril, e com o uso apropriado do voto, com o uso dos direitos que o 25 de Abril pôs à disposição de todos, exigir aos corruptos, aos inaptos, que se afastem, pondo no lugar deles, os que verdadeiramente querem um Portugal melhor para todos.

Porque eu sei o valor que ela tem, viva a Liberdade!

domingo, 18 de maio de 2014

NEM SEI BEM ONDE PASSEI, por João Marcelino



VIAJEI ATÉ AQUI, NEM SEI BEM ONDE PASSEI,..
SE PASSEI JÁ NÃO ME LEMBRO,
DE PASSAR O QUE PASSEI,..
PRA ENCONTRAR UM AMIGO
VOLTARIA A PERCORRER CAMINHOS,
POR ONDE ANDEI,..
NOUTRO TEMPO ESSE PASSADO
FEZ PARTE DE NÓS,..
SÓ ISSO EU SEI !!!...

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Visita do Capelão, por Paulo Lopes

 
Paulo Lopes - 28 de Janeiro de 2014 16:29 

Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro de exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:

— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???).

Decerto que a ideia deste capitão capelão, não era de nos incutir mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra. 

Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.

Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.

Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.

Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de turras, existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?
Que lado ele defenderá?
Que homens mereciam a sua salvação?
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!
 
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para inicio da festa.

paulo lopes
in"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Esta é para os operacionais..., por Rui Brandão


 
 
 
30 de Julho de 2013 23:09
 
Caros Combatentes.
Regressei de uma semana de férias.
Mas ainda há mais... Calma.
Como devem calcular estive com grande sofreguidão a ver as "entradas" do pessoal aqui na nossa página, sempre fantásticas e surpreendentes.
Boa!!!
No entanto, parece (poderei estar enganado) haver por aqui algum ESTATUTO assumido não sei como, por aqueles que eram tidos como operacionais em desfavor daqueles que lhes foram incutidas outras especialidades, como se estivessem menos sujeitos a perigos.
 
Pois bem.
Vou partilhar convosco uma história verdadeira que se passou comigo, quando eu ainda tinha alguma esperança de não ser convocado para os treinos na dita Guerra do Ultramar.
 
É verdade, passou-se mesmo na Recruta em Santarém (quem lá passou, sabe como aquilo era...).
 
Durante a chamada "semana de campo", eu fazia parte de uma patrulha que andava atrás dos "turras".
Como não era possível apanhá-los (andavam sempre de pincha de um lado para o outro), o aspirante que era um tretas e ainda um valente f.d.p... mandou-nos assaltar o nosso próprio acampamento.
Nada estava combinado ou planeado.
Resultado, uma confusão do caraças, tiros para todos os lados e eu naquela balbúrdia toda, sou atingido com uma bala com o cano da Mauser a menos de 10cm da perna esquerda quase junto ao osso ilíaco.
Ato contínuo levantei as patas pelo ar e fiquei estendido completamente sem forças.
Enfermeiros, 4 agulhas espetadas na perna (nem as sentia) e toca de injetar Buscopan.
Fui evacuado de ambulância para o Hospital da Estrela onde cheguei quase 3 horas depois.
 
Durante a viagem comecei a bater mal porque não sentia a perna esquerda - Como eu te compreendo meu caro amigo Rui Briote!!! - .
Operado de urgência, com muitos pontos e ainda um dreno, fiquei condenado a ir, passados 7 dias, a Santarém para jurar bandeira para não perder a Recruta.
Fi-lo completamente sozinho em plena Biblioteca da Escola Prática de Cavalaria perante o Comandante (só me lembro que se chamava Banazol).
As dores eram insuportáveis e cada vez ia descaindo mais para o lado esquerdo, mas jurei aqueles mandamentos todos que me lixei.
Sim!!!
Eu posso afirmar que jurei mesmo Bandeira.
 
Ai não... Esta é para os operacionais.
Fala-vos um ex-militar que sabe o que é ser ferido por um tiro e viver a incerteza do que lhe poderá acontecer para o resto da vida.
Tenho ainda mais para vos contar no próprio teatro de guerra.
Ficará para mais adiante...
 
 
 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

AÍ VAI UM RELATO SOB A MINHA ESTADIA EM BEJA - 1971, por Rui Briote

 
Rui Briote
 
Mafra ficou para trás e de troca recebi o diploma honoris, causa de amanuense de G3...
 
Deram-me um papel para as mãos afim de escolher o quartel para onde queria ir e eu feito esperto pus logo Braga..
Como resposta enfiaram-me em Beja...seria por começar por B? Não sei, nem nunca saberei...

Em meados de Julho saí de comboio, já não me recordo do dia, à meia noite de Coimbra e cheguei a Beja ao meio dia.
Foi uma curta e pouca demorada viagem como se vê!...
Atravessar o Alentejo em pleno verão e à hora do calor num comboio "pára aqui, pára acolá" ...foi uma rica sauna...
 
Chegado à minha nova morada, tive que me ir apresentar a um militar com muitos amarelos nos ombros. Fiz a continência da praxe, apresentei-me e mandou-me " visitar" os meus novos aposentos.
 
Ótimos, pois o tempo da caserna foi-se.
No dia seguinte deram-me de mão beijada 10 cabo-verdianos para lhes ensinar os primeiros passos de dança .
O trabalho que me deram!
 
Uns dias depois, caíram, vindos de todos os lados, uma " fornada" de novos candidatos para brincar às guerras...provenientes de todo o país, mas principalmente do Alentejo.
Eram distribuídos por diferentes salas, despiam-se, víamos o peso, a altura e por aí adiante.
Foi uma tarefa cansativa e morosa, mas fez-se.
 
Fiquei com um pelotão com quase 80 homens.
Comecei logo a matutar como ia descalçar aquela bota, pois eram mais que muitos.. Juntamente com dois cabos milicianos lá procurei levar a água ao moinho.
Todos os dias de manhã fazíamos um cross ligeiro na estrada em direção a Mértola, uma fila do lado esquerdo, outra do lado contrário.
 
Ao fim de alguns dias começamos a ter a feliz ideia de no regresso ao quartel trazermos uns melões escondidos na camisa...sabiam tão bem!...
 
Já no quartel passávamos à instrução debaixo da torreira alentejana...o pior era no intervalo, pois como havia falta de água e como só havia um repuxo tinha que pôr a malta em " pirilau" e de vez em quando era obrigado a dizer ..." Despacha-te, porque todos têm direito ...
"Muitas vezes acontecia que, chegado a meio da fila já não havia nem gota...
Os dias passaram e o pessoal começou a dar cartas, tanto a marchar como no manuseamento da menina G3.
 
Até que chegou o dia de ir à carreira de tiro que ficava a uma distância razoável.
A sessão decorreu normalmente e por fim regressámos à casa materna.
Aí chegados fui chamado ao major Ferro que me comunicou que tinha falecido a minha avó paterna. Isto numa terça feira. Fui à secretaria buscar o impresso para preencher o passaporte, aproveitei e perguntei se estava de serviço no fim de semana a que me responderam " não".
Preenchi logo dois.
Fui a esse major pedir para mos assinar e o fulano quando se deparou com o impresso para o fim de semana ficou histérico e pura e simplesmente negou-mo.
Apeteceu-me apertar-lhe os colarinhos, mas travei os meus ímpetos.
Fiz uma longa viagem até ao Minho e regressei a Beja na sexta, onde me apresentei.
 
O tal major estava a falar com um amigo meu e, segundo ele, depois de eu sair questionou-o se eu era o Briote...mais palavras para quê...era um " chicalhão"...
    
Vou passar agora relatar-vos um episódio que meteu cabeça de borrego regado com tinto alentejano e guarda republicana...
Certo dia, dirigimo-nos em alguns carros até Moura para comer cabeça de borrego regado com boa pinga.
No regresso passámos por Serpa onde havia uma festa que metia bailarico.
Aí houve um sarilho que envolveu saias, pois um colega estava a dançar com uma garota e eis senão quando aparece o namorado, o que provocou troca de mimos que culminaram numa " visita" ao posto da GNR.
Felizmente o problema foi sanado, mas para susto bastou.
   
Já com os diplomas de bom aproveitamento, estavam prontos a seguir para outras paragens os recrutas passados a " prontos".
 
Entretanto surge a " boa nova"...mobilizado para Moçambique.
Fico de rastos, pois nunca esperava que isso acontecesse, pois tinha ficado bem classificado.
Reagi o melhor que pude e procurei preparar-me psicologicamente para a nova tribulação.
 
Conjuntamente comigo iriam uns "malandros" a quem dei instrução. Fui incumbido de levar 60 a Santa Margarida. Não imaginam a dor de cabeça que tive a fazer essa " viagem". Com muito custo e dor de cabeça lá os entreguei ao Teixeira Lopes.
 
Depois de um ligeiro descanso, regresso de novo a Beja para " dar conta do recado" o mesmo será dizer " missão cumprida".
 
Esta tropa tinha cada uma, pois no mesmo dia obrigaram-me a andar de Aná para Caifás...Fiquei com os bofes de fora!!!
     
Aos fins de semana ia de vez em quando passá-lo ao Algarve molhar os pés...
Armadilhados com uma tenda cinco estrelas lá íamos saborear um pouco as águas tépidas e as estrangeiras que por lá nos esperavam.
 
Foram os melhores dias dessa recruta dada na muito sossegada cidade de Beja...
 
Rui Briote (2013-10-01)

 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

FUI INSPECCIONADO, por Paulo Lopes


Paulo Lopes
 
 
Conforme prometi aqui vai mais um "chateanço" de cabeça à rapaziada e, mais uma vez, creio que vou estar em sintonia com muita malta desta página (uns nem tanto, mas...)

De disciplina em disciplina; de filme em filme; de tacada em tacada; mais conversa menos musica; mais musica menos conversa; mais rua menos avenida caminhada; mais pontapé na vida e menos na bola, lá ia cultivando um futuro que, afinal, estava logo a seguir, ao virar da esquina.

A proximidade do futuro que se adivinhava para jovens como eu, estava nas mãos dos governantes e eles precisavam dos meus préstimos para outros empreendimentos os quais não estavam nos meus planos nem sonhos.
 
Como prova desta minha teoria, existia o meu completo esquecimento de que para alguma coisa tinha ido, uns meses atrás dar o nome a um obrigatório recenseamento militar.

Fiquei conhecedor de que não estávamos só nas mãos de Deus, como sempre nos quiseram fazer acreditar, mas também nas dos diabos e seus apóstolos que proliferavam lá para as bandas de São Bento, acompanhando os nossos passos, controlando as nossas ideias, não nos deixando cair na tentação de devaneios que nos levassem a criar obstáculos e por em causa as suas indiscutíveis razões do bem-fazer aos seus semelhantes.
 
Isto com a ajuda imprescindível de quem nos queria fazer crer que só Deus nos guiava.
 
Ouvíamos, mas pouco comentávamos (talvez receio, talvez ignorância imposta ou simplesmente por não querermos falar) o tema tabu da guerra colonial.
Íamos sabendo que fulano tal e sicrano, que estavam a cumprir o serviço militar, tinham partido para terras de África, mas não nos era facultado qualquer pormenor ou conhecimento do que se passava para lá do Cais da Rocha de Conde Óbidos, para além das águas que banhavam os muros onde os barcos atracavam e se enchiam de jovens duma nação comandada pela ganância, embarcando ao som de choros e gritos de lamentações, lenços brancos a abanar, já encharcados de saudades.
 
Martelavam-nos a cabeça com outros assuntos bem mais fáceis de digerir e cheios de fé.
 
Incutiam-nos a ideia, esta reforçada pelos nossos pais, talvez querendo enganarem-se a eles próprios ou com o pensamento de que nos estavam a proteger de assuntos que nos fizessem alertar para a realidade completamente desconhecida, que quando chegasse a nossa hora de ir para a tropa já a guerra estava terminada e Angola, Moçambique, Guiné ou os outros diversos territórios espalhados pelo mundo, eram e continuariam a ser nossos.
 
(Angola é nossa...Angola é nossa...Angola é nossa).
 
Ouvíamos isto numa música passada constantemente na rádio, na televisão e nas ruas.
 
Inconscientemente íamos alimentando o nosso espírito de que era verdade e que não nos deveríamos preocupar muito com essa coisa da guerra do Ultramar, além de que, na tropa, é que "aprendíamos a ser homens"!...

Sempre nos foram vedadas a sete chaves pelo regime de então toda e qualquer verdade da questão.
 
A guerra colonial tinha de ser vista e sentida pelo povo como um estandarte do nosso país, pelo qual tínhamos de dar tudo por tudo para que esses nossos territórios não caíssem por terra, para que não caíssem nas mãos dos “terroristas”.
 
E no “tudo por tudo” estavam incluídas vidas e esperanças de uma juventude que, apesar de tudo, ainda mantinham sonhos e horizontes por descobrir.
 
Claro que a juventude filha dos poderosos do nosso país estava bem resguardada e alheada desse estandarte pelo qual o povo, sempre o povo, tinha de defender a bem da nação (e dos poderosos dela).
 
Mesmo que nos esforçássemos para conseguir ir um pouco para além do que nos era permitido (o que, contra mim falando, não era o caso porque deixava correr o tempo e esperava que as coisas se resolvessem por si próprias), logo se deparavam obstáculos complicados de transpor que nos colocava de imediato em maus lençóis.
 
A forma mais premente que surgia nos jovens que não queriam participar nos ideais dos poderosos do nosso estado e do nosso país, estavam presentes na fuga imediata.
 
Na subversiva passagem para o outro lado da fronteira.
Numa vida de fugitivos da própria sombra.
Numa incerteza do futuro, mas com a firme certeza que não iriam morrer ao serviço de beneficiados ocultos na capa de benfeitores e no escudo de "a bem da nação".

Na minha mente nunca esteve essa hipótese, para mim absurda, porque, ou teria a sorte do meu lado e venceria essa batalha ou ela não me acompanharia e decerto, para sobre viver noutro lugar, em outro pais, iria dar o meu esforço, não sabia a quem, ser escravo dos meus próprios minutos.
 
Vender a minha alma em troca de quase nada a incessantes ávidos de sangue e do suor alheio.
Na imensurável questão do vai ou fica, do ter ou não ter sorte, do questionável ou não, optei por jogar "no que for soará", mas junto dos meus familiares e amigos.
Não desdenho dos que pensaram o contrário, nem faço elogios a quem por essa prática enveredou.
Cada qual deve pensar pela sua cabeça e seguir o caminho traçado por si mesmo.

O povo tem razão (nem sempre. Quase sempre, quanto muito!) quando diz que o tempo voa.
Num instante se tinha passado mais um par de tempo e sem dar por ela estava no edifício da Junta da Freguesia da Penha de França a conferir os editais, procurando avidamente o meu nome agregado a uma data para me apresentar na inspeção militar, sempre com esperança de não enxergar a minha graça.

Mas não! Nestas ocasiões eles, os nossos amigos, os governantes, nunca se esquecem de nós e lá estava o meu nome numa extensa lista de futuros magalas.
O esquecimento ficaria para contas de outro rosário.
Quem não podia esquecer essa data era eu, se queria não arriscar passar instantaneamente de um pacato rapaz bem comportado a um refratário.
Palavrão que, nesses tempos, era sinónimo de grande malfeitor, assassino ou coisa pior ficando, inclusive, marcado para a sociedade.

O tempo que separou o dia da minha minuciosa leitura do edital até a data nele marcada (a memória atraiçoa-me e a exatidão dessa data deixa-me na incerteza) foi passado nervosamente veloz.
Tão veloz que num ápice estava a dizer (dizer, é uma forma de expressão!... Pedir, será o mais correto) ao meu chefe que tinha de faltar para me apresentar num edifício, se não me falha a memória, ficava perto da Praça de Espanha onde, na altura, funcionava o Hospital Militar, a fim de ser inspecionado para o serviço militar.
 
Pedido que, alastrado, fez soltar um exclamado “jáááá!!!” e umas quantas palmadinhas nas costas, amigavelmente, dadas por todos os meus colegas, todos mais velhos que eu e livres destas andanças, como que, antecipadamente, despedirem-se de mim e desejarem-me sorte para uma nova vida.

In "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes  1 de Agosto de 2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

RECRUTA - Pelo Rui Brandão

 
Destacamento da Escola Prática de Cavalaria em Santarém - 1970
 
 
RECRUTA

Dado o tema RECRUTA ser apetecível para a "memória militar" e estar a ser trabalhado com as experiências de cada um, deixem-me explanar um pouco o que passei em Santarém.
 
Pertenço ao 2º turno de 1970.
Nessa altura ainda se usava a Mauser para os exercícios e a G3 só para fazer tiro, lá naquela carreira de tiro de episódios com piada (um, dois e três apanha invólucros, o resto vai ver a merda que fez).
 
As vivências/experiências/ambientes têm muito a ver com as pessoas que compõem os respetivos grupos.
 
No meu caso direi que tive umas primeiras 4 a 5 semanas de bom ambiente, dado que o aspirante (licenciado em Direito) que nos dava a Recruta era simplesmente um tipo impecável.
 
No primeiro dia, chegou junto do pelotão e disse: - Meus senhores, sabemos que ninguém gosta disto,... mas vamos aproveitar o que há de bom nesta Recruta, a camaradagem e os exercícios físicos.
 
Claro está que ficou com o Pelotão na "mão".
Passadas essas 4 a 5 semanas, um dia apareceu de manhã acompanhado de outro aspirante.
 
Informou que iria passar para os serviços jurídicos do quartel e seria substituído pelo novo aspirante que agora apresentava.
Ok, tudo bem.
Embora deixando saudades.
 
O novo aspirante, informa que íamos para a carreira de tiro, de imediato dá-nos ordens para NUM MINUTO irmos buscar o capacete à caserna.
 
Nós estávamos aquartelados no Destacamento.
Da parada até à caserna e voltar não dava para UM MINUTO.
Quando voltámos, o aspirante com o seu ar imponente gritou que já tinha passado o tal MINUTO.
Enchemos 50.
O aspirante ficou "apresentado".
 
No próximo Capítulo vou descrever-vos a personalidade deste "cromo".
 
Rui Brandão 20130731

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MINHA PRIMEIRA COLUNA DE REABASTECIMENTO A MACOMIA, por Paulo Lopes



"Picada" Mataca - Macomia (foto Paulo Lopes)
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficámos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante, mas não nos preocupou absolutamente nada.

Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.

Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
 
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estava, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!...

Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
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— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá, como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos! Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.

E com estas palavras, poucas e simples, saímos! Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples, quanto a reunião que acabávamos de ter: — Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia, apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior.
Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!...
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
Lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas. A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!...
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados. Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.

Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do Exército e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distância prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca, o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca. Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
 
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico. Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.

Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus. Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.

Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
Sim!
Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
 
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada. Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita! Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.

Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!...

As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração. Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
Pela forma do ataque, ficámos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local e aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distância, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memória como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: —quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”. Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares. Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 
Paulo Lopes (20130822)