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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Visita do Capelão, por Paulo Lopes

 
Paulo Lopes - 28 de Janeiro de 2014 16:29 

Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro de exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:

— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???).

Decerto que a ideia deste capitão capelão, não era de nos incutir mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra. 

Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.

Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.

Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.

Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de turras, existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?
Que lado ele defenderá?
Que homens mereciam a sua salvação?
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!
 
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para inicio da festa.

paulo lopes
in"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

sábado, 17 de agosto de 2013

O PRIOR E O MACACO, por Paulo Lopes

Foto de Luís Leote
Aguardavam-nos redobradas noticias atrasadas, decerto, mas para nós tanto fazia: queríamos noticias.
 
Queríamos carinho.
 
Queríamos o nosso tempo semanal de conforto e amizade que normalmente vinham bem comprimido nos envelopes.
 
Provavelmente algumas mentiras, mas pouco nos importava.
 
Pelo menos estávamos a relembrar-nos das nossas gentes, dos nossos sítios, do que afinal, era do nosso peito.
 
Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro do Exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um Capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
 
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:
— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???...).

 Decerto que a ideia deste Capitão capelão, não era de incutir-nos mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra.
 
Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.
Pela zona demarcada na mensagem, adivinhava-se uma operação de passeio e de piquenique, não fossem as noites ao relento passadas em camas demasiado picantes e claro está, não houvessem situações anormais que afinal, também eram férteis nessas operações consideradas “fáceis”!...

Fácil ou não, lá fomos nós para mais quatro dias ao acaso.
 
A missa tinha de esperar! A purificação dos nossos espíritos ficava para mais tarde!...
As nossas almas seguiriam para outros lados. Outras vozes que mandavam neste rebanho, falavam mais alto que a voz divina e nem tão pouco haveria espaço para, com firme certeza, dizer que ainda viriam assistir a alguma missa!...
 
Que Deus nos proteja! A nós e aos guerrilheiros inimigos que possamos encontrar!...

Como já calculávamos, e calorosamente desejávamos, nada de anormal se passou até porque, para além de já termos “batido” aquela zona por diversas vezes e por isso ser-nos bem conhecida, também era uma área de mato rasteiro, planície quase árida, com pouco arvoredo de grande porte, o que não deixava margem para qualquer base ou posto avançado estacionar por ali, tal a visibilidade existente a longa distância, proporcionando também uma imprevisível emboscada.
 
Talvez por ser tão fácil ou porque já estávamos completamente distantes de nós próprios e esquecidos do nosso mau destino, ainda vínhamos longe da Mataca, mas já em sentido de regresso, já o nosso pensamento se divertia com uma maldade a fazer aos graduados que tinham ficado no estacionamento e, por tabela, ao capelão: a ideia veio do F……., furriel que vinha a comandar o terceiro grupo de combate.

Para passar da ideia à pratica, era necessário ir à “caca”!...

Caçada bem fácil, pois o animal escolhido para o “sacrifício” era abundante naquela zona e quase lhes tocávamos com a mão.
 
A nossa presença não era suficiente para os assustar de forma a que desse origem a sua rápida fuga.
 
Apenas o faziam quando estávamos bem perto deles e era preciso que estivessem no solo porque, quando estavam nas árvores, mal nos ligavam.
 
E por todas estas razoes era fácil um tiro certeiro, mas diga-se, ninguém os caçava a não ser alguns animais ferozes e porque tinham fome ou então nós, porque não estávamos, decerto, com todas as nossas capacidades de ser humanos e o nosso vegetar por aquela vida obrigava-nos a colocar as situações mais graves e desumanas, no mesmo patamar de qualquer faceta mais inocente.
 
Quando nos esquecíamos de nós próprios e o pensamento não existia antes da ação, tanto nos fazia beber uma cerveja, como matar qualquer animal apenas para ver se a arma estava certeira ou se estávamos com pontaria!...
 
Desta vez não pensámos como seres que julgamos ser, mas apenas no prazer de pregar uma partida. E então, quase em uníssono, o F……. e outro soldado do seu grupo, mataram dois desses animais: Macacos!...

Dois tiros certeiros e já esta: dois macacos inertes no chão!
Naqueles anos perdidos da minha vida, conforme mais o tempo avançava, consoante os acontecimentos entupiam o sentimento e o espaço no coração, tudo se tornava fácil e o surgimento de situações que realmente me comovessem, tornavam-se nulos, mas o episódio que presenciei após a queda dos animais, fez com que parasse no tempo e pensasse em nós, os homens, os ditos animais racionais: era natural que os outros macacos do bando, ao ouvirem os tiros, fugissem para qualquer lado, mas não!...
 
Além de não fugirem, dois ou três deles, correram para junto dos seus semelhantes abatidos e como qualquer pessoa, debruçaram-se sobre os corpos inertes. Pegaram nos braços deles e iam arrastá-los, e se não fosse outro tiro para o local e a correria do F……., com gestos e gritos para os afugentar, decerto os levariam.
 
Mesmo assim, não arredaram pé, mantendo-se bem perto do F……. quando este apanhava do chão os infelizes animais.
Enquanto nos afastávamos, o bando emitia gritos e gemidos como se fossem pessoas lamentando a morte dos seus. Não sei qual a intenção do bando de macacos querer levar os que estavam mortos.
 
Não tenho qualquer conhecimento do seu modo de vida. Mas os gemidos por eles emitidos, arrancaram lágrimas que humedeceram os meus olhos e penso mesmo que não só os meus!
 
Estranhamente, torna-se mais difícil descrever este episódio do que quaisquer outro que tivesse acontecido durante um ataque. Talvez pela indefesa total do animal ou talvez pela forma como presenciei aquela unidade de grupo.
 
São daquelas passagens da nossa vida que não mais vamos esquecer. Pelo que ela contem, pelo sentido diferente das palavras e como elas se unem: o triste e ao mesmo tempo belo da natureza animal.
 
Imperdoável a nossa atitude. Lamentável a nossa ação. Estou em crer que nem o F……. nem nenhum de nós previa a importância do ato.
Infelizmente, esta passagem teve um impacto pouco duradouro porque a terra continuava a girar, o sol continuava a brilhar e o nosso dedo indicador continuava nervoso e constantemente preso ao gatilho da G3 que, sempre em posição de rajada, esperava apenas uma simples pressão para vomitar todo o seu conteúdo recheado de morte.
 
Tal como a terra, também a guerra continuava a girar.
Na verdade, para nós, naquele mundo em que vegetávamos, fora do tempo, da vida, da origem das coisas e da força do ser, esquecendo até que havia o amanhã, pouco nos importava os pobres animais.
Se é que alguma coisa ou facto ainda tinha alguma importância para nós!
O presente e o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a “partida” que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!
Chegados ao aquartelamento, o F……., com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projeto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco. Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na paródia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas —notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura— fizesse um belo “coelho à caçadora”.
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
 
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um “pastor” de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
 
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?...
 
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...

E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a “ordem” para inicio da festa: —O petisco esta pronto!...

Todos os graduados, sem exceção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que, coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!...
O certo e que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:
— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!
O F……., como era habito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
 
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua “partida” mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de “macaco a caçadora”!...
Não sobrou nada! Se mais houvesse, mais iria!...
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica “construção”, o F….. saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma quaisquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
 
E para colocar um pouco mais de “pimenta” no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espetáculo que se seguiria: os sabedores do que tinham estado a comer, riam-se ás gargalhadas.
 
Os outros, que pensavam ter acabado de se deliciarem com coelho, depressa transformaram essa guloseima em mau estar.
Sofreram um impacto digestivo que, não fosse o “restaurante” ter um “parque de estacionamento” do tamanho do mundo e não haveria lavabos que chegassem para tanto vomitar!...
 
A maior vitima foi o capelão que, coitado, enquanto ficou na Mataca, o que durou ate à chegada do táxi aéreo das quartas-feiras, não conseguiu comer nada que se pudesse chamar realmente de comer!...
 
Tudo vomitava!
 
Espero que nos tenha perdoado e nos mantenha nas suas orações diárias que, presumo, as tenha, e esqueça esta pequena maldade praticada por este seu rebanho de lobos com pele de cordeiros...

(ou será que é ao contrario?!!!).

 
Paulo Lopes (20130817)