Como não poderia deixar de ser, a abertura da festa começou com discursos sendo o primeiro orador o major médico do batalhão.
Este major até era um homem fora do contexto habitual de militar bem posicionado.
De ideias positivas e de uma forma pouco comum de tratamento com os militares de todas as patentes, deixando sempre de parte e em qualquer circunstância as suas divisas, colocando-se no mesmo degrau de um soldado ou de um tenente-coronel, sabendo dar continuidade a toda e qualquer conversação seja ela de um grau de baixo nível ou de uma forma mais extensa e filosófica discussão.
Mas neste discurso, como tinha de agradar às individualidades, tornou-se falso enganando-se a si próprio fugindo às realidades e entrando também no campo da guerra psicológica.
Apoiou a guerra.
Tirou o nome de ladrões aos comerciantes que há custa de altas aldrabices (bem apoiados pelas altas patentes militares) prosperavam em Macomia.
Falou da coragem e valentia do exército.
Deu bravas à persistência e querer dos civis.
Enfim, um discurso completo de mentiras, recheado de tretas com a única objectividade de agradar à ocasião.
Aproveitou-se a lição que, pelo meio, nos deu de História Universal.
Depois discursou o governador do distrito de Cabo Delgado.
Mais um abutre entre tantos outros que subiu a Macomia, decerto com uma enorme pouca vontade de o fazer mas que a sua folgada posição o teria obrigado a isso.
Este desfez-se em agradecimentos e elogios aos militares.
E toda a burrice ficou satisfeita e convencida que todas aquelas palavras de machucar corações eram verdadeiras e sentidas!
Continuaram os discursos de muita gente, mas não houve surpresas: tudo bem. Tudo certinho no seu papel.
Também não seria um discurso de um qualquer maluco que violasse a regra e vomitasse umas realidades sem medo, que acabaria com a guerra e com exploração monetária e mental.
Continuariam alguns (poucos) a encher a pança e outros (muitos) a esticarem o cordel das calças porque já nem cinto existia.
Veio o almoço onde se comeu e bebeu do bom e do melhor que se podia encontrar por aquelas bandas enquanto os que nem sempre comiam para além do trivial, assistiam do lado de fora.
Mas era uma festa e finalmente veio o jogo.
Acto onde Mataca entrava na peça deste festim!
Todos desceram ao campo pois ninguém estava pelos ajustes de deixar a festa a meio.
O campo estava repleto onde se misturava o exército com os civis.
Misturados mas não tanto: Os abutres estavam no poleiro/ As equipas foram anunciadas pelos altifalantes e como seria de esperar, tinham de vir as patentes antes do nome: «– Nº. 1. furriel miliciano Lopes. Nº. 2. soldado Caldeira. Nº. 3. 1º cabo Rodrigues Nº. 4. alferes miliciano Lameira Etc...Etc...Etc..».
O jogo começou e entre pontapés na bola e na atmosfera, falhanços de toda a espécie, correrias sem nexo e até desculpe meu capitão se o aleijei, lá se ia distraindo a populaça.
Gargalhadas, palmas e até hooooos! dos espectadores, chegámos ao fim da contenda com a nossa vitória por 2-1.
A entrega da taça foi efectuada quando já não existia luz do sol (e da outra mal se via!).
O capitão da nossa equipa, que também era o capitão da nossa companhia, ergueu a dita, recebendo uma salva de palmas de todos os presentes e a festa, oficialmente, acabou!
Amanhã começava a realidade!
Mas à noite, ainda antes do amanhã, já sem os olhares dos galões de brilho dourado e peitos medalhados, apenas com a presença estranha, mas não indesejável, do major médico, juntámos-nos (os jogadores) e a festa continuou. Então foi comer e beber sem qualquer discurso falso.
Confraternizámos: os soldados, o major médico, o capitão, os alferes, os furriéis e cabos, tudo brincou e conversou sem a diferença de galões a incomodar os mais e os menos.