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domingo, 7 de dezembro de 2014

Quando a fome e a sede apertava..., por Paulo Lopes

 
Em estilo de comentário e resposta a este ultimo comentário do amigo José Capitão Pardal.

Não estava na cabeça do capitão Salvado, nem na nossa, presumo eu, voltarmos ao terceiro objetivo o qual tínhamos deixado em chamas, mas num pensamento de estômago, talvez fosse melhor ir mesmo até lá.



Talvez conseguíssemos encontrar algo para mastigar.
Assim fizemos mas com o pressentimento de que, naturalmente, iríamos ter problemas com os seus habitantes se estes já tivessem regressado.
Arriscámos!

Não levámos muito tempo a chegar, felizmente continuava deserto e bastante desolador.

Um mar de cinzas e um cheiro intenso a queimado.
Factores que já não influenciavam a nossa forma de estar.
Procurámos o que pretendíamos e então foi um ver-se-te-avias: pela primeira vez comi mandioca acabadinha de ser extraída à terra.
Nada melhor!
Qual manjar de lagosta?
Maravilha de menu!
Descascar aquelas batatas pontiagudas e devorá-las como se estivesse a comer nabos crus era, naquele momento, um saboroso acepipe.
Uma delicia!
 

E a bebida meus senhores?
A bebida?
Havia que procura-la!
Ninguém melhor que os G.E. para a procurar.
Como aprendi com eles a sobreviver no mato!
Não foi fácil mas, la estavam elas!
Perdidas no meio da vegetação densamente fechada: raízes longamente penduradas na sua esplendorosa altura!
As lianas.
— Furriel!
É fácil!
Corta-se assim e assim e bebemos!
— Dizia um verdadeiro guerrilheiro do mato!



 
E assim fiz.
E assim bebi.
E assim bebemos todos!
Bastava cortar com uma catana, de um só golpe, em cunha e depois outro golpe mais abaixo trinta ou quarenta centímetros, direcionar um dos cortes a boca e aquilo que me parecia uma corda pendurada numa árvore começava a pingar um liquido de cor branca ligeiramente transparente.
Nada melhor!
Era liquido.
Um pouco espesso para água mas era liquido!
Sabia (digo eu agora) a resina mas era liquido!
Apenas pingava (comento eu neste momento) mas molhava-me os lábios!
Se por acaso ainda duvidasse, teria de desfazer essas duvidas e reforçar: se tenho de estar nesta guerra, se tenho de passar maus bocados, que os passe ao lado dos G.E. pois com eles aprendo a sobreviver nestes locais do fim da linha pois são eles que melhor sabem defender a sua própria vida.
E assim saciámos a nossa fome e matámos a nossa sede seguindo depois novamente para o local de espera.

Chegados de regresso ao local já quase familiar onde até a cama que tínhamos deixado continuava pronta a receber-nos para a estadia de mais uma noite.
 
Ficámos a aguardar silenciosamente que chegasse mais uma manhã, adormecendo com a esperança de que os nossos admiráveis e heróicos conhecedores da guerra nos enviassem os helicópteros que tanta falta lhes faziam para os seus perigosos combates de mesa ou, quem sabe, para uma destemida deslocação algures numa festa nocturna cheia de armadilhas, principalmente femininas!

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes