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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Serra do Mapé. ...um "buraco" algures no norte de Mocambique!..., por José D'Abranches Leitão

Memórias...
As primeiras, escritas num "diário"...que ao final de cada dia, ia guardando ...
Memória...
Serra do Mapé. ...um "buraco" algures no norte de Moçambique.
Difícil? ! !!! Não se apagará no meu "disco rígido "!
E já lá vão 49 anos!!!!
Antes que...se faça tarde!!!
Escrevo.
Recordo...



Em cada dia que os dramas nos afectam aumentam as nossas carências de afectos, mas cresce também a cumplicidade para enfrentar as dificuldades. 
A solidariedade cresce na medida em que os esforços individuais dão lugar ao esforço colectivo. 
À distância do fulcro da confusão, ninguém entenderá as carências vividas no meio da guerra. 
E quanto maiores forem os tormentos, maior será a solidariedade. 
Só quem não conhecer os horrores provocados pela guerra poderá pensar que ela tem alguma coisa de atractivo, salvo as bestas que a fomentam!

Os outros, de marmita na mão, olham-se amargurados pela evacuação do Furriel Mil Vellasco Martins, vitima de uma mina anti-pessoal, perto do morro da "Tentativa".

Estávamos apenas à 21 dias na "guerra"!!!!!

- Serei o próximo?
Quando soa a tampa do panelão, que o cozinheiro Rolim Rosa faz ecoar chamando para o rancho, percebemos que estamos aprisionados entre o infinito das matas e a lonjura da civilização. 
Amarrados ao isolamento, sobra tempo para pensar, pensar... pensar em quê? 
A vida dentro do arame farpado, torna-se tão abstracta que nem os pensamentos têm sentido. 
O espaço exterior assusta, pela imensidão da mata imemorável! 

Ao cair da noite, uma espécie de cortina de breu deixa toda a gente amarrada aos temores das granadas de morteiro com trajectórias orientadas para o massacre. 
Ninguém sabe qual é a matriz da morte na ponta da espoleta. 
Para evitar que sejamos comidos pelos ratos, que são às centenas, vindos da mata e percorrem a vala comum, procurando os restos de uma ração de combate ou mesmo um bocado de pão esquecido no abrigo.... ao final do dia são acesas, à volta do arame farpado, umas lanternas improvisadas, numas garrafas de cervejas....com uma mecha embebida em petróleo. 
Assim o "alvo" é óptimo para qualquer atirador!!!!?

É assim que vamos tentando equilibrar os ânimos. 
Amargurados pelo sofrimento em condições hostis, abandonados no isolamento daquele inferno chamado Serra do Mapé, desvanecem-se as motivações para continuar uma guerra que não tem fim à vista!

Só ao alvorecer, o sol anuncia o fim deste embrutecimento, quando se dissipam os medos suscitados pelo fluxo das "obusadas" matinais. 

Sem rendilhados, movemo-nos devagar, descomprimindo os nervos para que o sangue circule com mais vigor e limpe os restos do pânico provocados pelos ruídos da noite, que acordam os fantasmas imaginados, que evocam o terror do inferno.


Como é que vamos resgatar o tempo assim perdido entre o céu e o inferno, sem esperança no futuro próximo?

Serra do Mapé - Norte de Moçambique - Setembro de 1970.
Jose Leitão
CCav 2752
Nota: recordo hoje todos os pormenores daquela "saga" !

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Roubaram-me Deus, outros o Diabo, por Manuel Bastos, apresentado por José Leitão

Terapia?
Talvez...



Boa leitura!
Roubam-me Deus, outros o diabo
A minha cabeça é uma casa assombrada.
Dentro de mim, um tumulto de almas penadas espiando culpas de que estão inocentes.
Caminho por entre pessoas que não entendo, como se o riso fosse uma alucinação e a alegria uma obscenidade.

As minhas memórias são fantasmas que me acompanham para onde for. 
Amigos que tombaram pelo caminho, que me recuso a esquecer. 
Juntos, rimos e lutámos, e agora falamos em segredo, para não acordar a indiferença do mundo.

Querem que a gente volte da guerra como se nada tivesse acontecido, porque não querem ser assombrados com os pormenores. 
Nós falamos dos tiros e dos furos das balas na pele. 
Das minas e do interior dos corpos que fica à vista. 
Dos sons da guerra próximos do limite da frequência sonora audível, e que às vezes ultrapassam esse limite e deixam de se ouvir, como se estivéssemos num filme mudo. 
Falamos do cheiro do sangue fresco e da carne ainda pulsante. 
O osso limpo, os tendões cortados e as fibras dos músculos rasgadas. 
Durante meses não se pode ver uma coxa de frango; depois acabamos por falar disso como se fala de um ofício a que nos dedicámos.

O Manel até tirava fotografias. 
Eu: Ó furriel, essas fotos são pra não se esquecer disto? 
E ele para mim: Ó Zé, nós nunca nos vamos esquecer disto até morrer.

Acho que ele, com o tempo, foi criando uma raiva contra aquilo tudo, enquanto eu ia aceitando as coisas para poder aguentar, para poder sobreviver. 
Andámos ao contrário para obter a mesma coisa. 

Depois, de repente, disseram-nos que tudo o que dantes era inevitável, tinha de acabar, e deixámos de ser precisos. 
Só servíamos para alimentar a guerra, como lenha para a fogueira, e decidiram apagar a fogueira e deitar a lenha fora. 

Regressámos a um país diferente daquele que nos enviou para lá, e tudo o que fizemos passou a estar errado, do dia para a noite. 
Num país em que a ignorância é obrigatória por lei, podemos ser apanhados com uma arma na mão como um bombeiro de mangueira em punho para apagar um fogo onde há uma inundação.

O Manel a tirar fotografias, como se quisesse reunir provas para demonstrar que a estupidez humana realmente existe. 
E eu via-o como um turista que não levava aquilo a sério para não ficar louco. 
Se não tivesse lerpado com uma mina, estava agora pior do que eu, tenho a certeza.

Mas eu não estou traumatizado, não, eu tenho é saudades da guerra. 

Deram-nos uma missão importante para cumprir e nós demos a nossa vida por essa missão. 
Ensinaram-nos desde sempre que isso era o nosso dever e ensinaram-nos também a sentir orgulho por ele nos ter sido confiado. 

Há alguma coisa pior do que descobrir que nos enganaram? 
Que a nossa missão era um crime e que o nosso dever era uma maldição?

Que fazer agora com os mortos? 
Como resgatar os inocentes sacrificados? 
Como reverter a dor depois de sentida?

Tenho saudades de me sentir do lado certo da História, de me sentir um soldado a servir uma causa justa.
Anseio por uma causa justa por que lutar.

Só que me roubaram a fé. 
Roubaram-me Deus. 
Fiquei de mãos vazias e sujas de guerra. 
Não se pode rezar com as mãos sujas de guerra e não se pode ser herói numa ato criminoso.
Roubaram-me Deus e roubaram-me o Diabo, por quem lutarei?

Esfrego a pele para limpar a tatuagem do meu patriotismo e a tatuagem não sai. 
Amei o meu país com um amor impúbere e fui abandonado por ele, prenhe de pesadelos. 
A tatuagem das minhas memórias é um ferro em brasa que me não saí do pensamento. 
Ninguém regressa do inferno inocente, ninguém regressa vivo do calvário.

O que vês, Zulmira, quando fechas os olhos? 
Será que vês o que eu vejo?
Sou uma homem-bomba pronto a explodir de memórias.
Sou um comboio em chamas rasgando a noite escura, exorcizando os fantasmas no meio das trevas da indiferença dos que nunca fazendo perguntas estão sempre de bem com Deus e com o Diabo.

Se ao menos ainda te amasse, Zulmira, deitava-me ao teu lado e adormecia ignorante, que o conhecimento incomoda, mas alguém me roubou também o meu amor por ti.
Deixa, ainda assim, meu amor passado, que me deite ao teu lado, deixa que arrefeça esta acha ainda em chamas, tirada da fogueira em que arderam os meus sonhos de criança. 
Eu, de mim dei o que dão os heróis, mas coube-me o papel errado. 
Sou um personagem criado por uma história escrita por criminosos.

Esta noite sonhei que era uma criança inocente brincando. 
Será que acordei para a realidade ou agora sou um velho soldado com que uma criança inocente está a ter um pesadelo?

Tanta coisa acontece na vida de um homem e tanta coisa é esquecida, lembramo-nos apenas de meia dúzia de coisas boas, mas das tragédias lembramo-nos bem.

Sei que passei horas de convívio caloroso e camarada como nunca se consegue passar em tempo de paz, porque as coisas escassas são mais preciosas, mas não me recordo de quase nenhuma. 

E os amigos que fiz e que esqueci? 
É como se não tivesse vivido esses momentos, porque o que ficou na memória foram sobretudo as experiências dolorosas.

A felicidade é o luxo da mente, e o luxo é uma fraude. 
Não é real, é um cenário montado para exibir a opulência de uma minoria que ofusque o ruído e o desconforto de que é feita a imperfeição da vida para a maioria. 

Resta o amor. 
O amor é sempre possível, mas deveria haver mais do que uma palavra para dizer amor. 
Há amor que mata e amor que salva, há amor que castiga e amor que redime, há amor que revigora e amor por que se morre.

Dizem que se o amor acaba, é porque não era amor de verdade, então quando um homem morre é porque nunca viveu de verdade também? 
Que pensa um homem olhando o cano da arma com que vai matar-se? Que nada na sua história merece mais um dia de vida, ou que a sua história é tão preciosa que o futuro previsível não merece ser vivido?

O inflexível arco do tempo não sai nunca do mesmo lugar, nós é que somos perecíveis.

Tudo o que acontece é passado. 
O que fizemos no passado é que faz de nós o que somos hoje, e o que somos hoje é que dá forma ao passado, que o passado só é passado quando o vemos do presente. 
Igualmente, o que fazemos agora será passado amanha; não preparamos o futuro, preparamos um passado que mereça os dias de vida que temos para viver.

Sem ti, Zulmira, para recuperar a ignorância original, recosto-me no sofá, vítima do conhecimento do inferno imposto à minha juventude perdida.

O LP no gira-discos entre estalidos. 
O cantor cantando o poeta. 
As lágrimas que não seguro. 
E as palavras do poeta na voz do cantor, como facas:
Roubam-me Deus, outros o Diabo.
Quem cantarei?

Roubam-me a pátria e a humanidade, outros ma roubam.
Quem cantarei?

Um dia cantarás a revolução. Nesse dia, cantor, as lágrimas serão de esperança.
MANUEL BASTOS
In Cacimbo

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Histórias do Chai XI (1972/1974), por Livre Pensador





21 de Março de 1973 foi, sem qualquer dúvida, o dia mais negro da comissão da Ccav. 3508 em terras moçambicanas.

 

Como habitualmente, pelas 6,30 h da manhã, parte em direção ao rio Messalo a coluna de reabastecimento de água, tarefa que nesse dia era desempenhada pelo 4º. grupo de combate.

 
 
É uma missão sempre perigosa que, por ser rotineira, se torna um alvo apetecível para a Frelimo.

 
 
Creio que estariam percorridos cerca de 8 dos 10 km que separam o Chai do rio Messalo quando é desencadeada uma emboscada contra as nossas tropas.
 
No quartel o tiroteio é perfeitamente audível e de imediato sai uma coluna com um pelotão (não me recordo qual) para dar apoio aos camaradas emboscados.
 
Nesse dia a escala de serviço determinava que o 2º. pelotão estava encarregue da segurança do quartel: postos de sentinela e piquete de emergência.

Nas funções do piquete, a realizar ao princípio do dia, constava a picagem da pista de aterragem e a apanha de lenha para a cozinha, tarefa que o furriel Pardal com a sua secção, iniciou no único Unimog (o único sem blindagem) que restou no quartel.


 
Entretanto, via rádio chegam notícias pouco animadoras da emboscada.
 
Havia um ferido muito grave (o soldado de transmissões Salvado) com um tiro na zona do peito e 4 feridos ligeiros.
Entre os nativos (que aproveitavam a coluna para ir lavar a roupa ao Messalo) estava já morta a "Luísa maconde", que era assim como "garota de programa" das NT e porque era conhecida.
 
Ainda estávamos a tentar reagir ás noticias tristes da emboscada quando se ouve uma forte explosão na picada Chai - Macomia.

Queríamos fazer chegar alguém a esse local para ver o que teria acontecido.
Nesse momento quase não havia operacionais disponíveis e, para complicar ainda mais, não tínhamos viaturas, a não ser o jeep do comando.
 
Alguns minutos depois chega ao quartel, todo ensanguentado e a cambalear, o cabo Brotas.
Ele informa que o piquete tinha sido vitima duma mina anticarro e havia feridos muito graves.
 
Nesse momento, quatro ou cinco militares armados dirigem-se no jeep do comando para o local.
A cerca de 500 metros do arame farpado do aldeamento, enfrentam um cenário de horror com feridos graves espalhados pelo chão.

 
 
Os militares socorristas ficam a montar segurança no local, enquanto o jeep vai trazendo para o quartel um ou dois feridos em cada viagem.
 
Os feridos amontoam-se na enfermaria onde o furriel Gardete e outro enfermeiro (naquela semana não havia médico) tentam fazer os impossíveis.

 
 
Presto a minha justa homenagem a esses dois homens, que muito contribuíram para que o resultado não fosse pior do que aquele que foi.
 
Eu (que estava no quartel com paludismo) e alguns camaradas tentávamos acudir aos feridos menos graves, da forma que podíamos e sabíamos.
 
Em resultado da mina faleceram 3 militares: o cabo condutor Paulino, o atirador Constantino e outro atirador que não recordo o nome (Monteiro).
 
Houve ainda 4 feridos graves (um deles o Pardal) e 3 feridos ligeiros.


 
Na emboscada para o Messalo acabou por falecer o transmissões Salvado.
 
Contou o furriel Gaspar que o Salvado já em agonia ainda lhe disse: "FURRIEL, POR FAVOR, DÊ-ME UM TIRO NA CABEÇA PORQUE EU SEI QUE VOU MORRER".
Alguém seria capaz disso?
 
Entretanto, o soldado Brotas que ferido na mina, conseguiu chegar ao quartel, lamentou-se que ao chegar á entrada do aldeamento pediu ao milícia aí de sentinela para ir avisar o quartel, o que ele recusou.
 
Achámos essa atitude estranha e disso informámos o agente da PIDE/DGS do Chai.
Foi interrogado.
 
Conclusão: as duas minas (já falo da outra) foram colocadas pelos guerrilheiros da Frelimo com a ajuda de 3 "pretos" do aldeamento e o milícia tinha conhecimento disso.
Um bom exemplo da população que nos rodeava!!!!
O agente da PIDE/DGS prendeu os 4 até vir um avião buscá-los no dia seguinte.
 
Pedimos ao agente para autorizar que os levássemos ao quartel durante 1 hora, mas ele não concordou.
Decerto que se evitava a despesa duma viagem de avião!!!


 
Ainda na tarde desse dia e apesar da dose de paludismo com que estava, fui rebentar uma outra mina anticarro que estava colocada cerca de 200 metros após aquela que foi acionada pelo Unimog.


 
Com esta ação e na minha opinião, a Frelimo quis vingar-se do ataque que no mês anterior tínhamos feito á sua base "Distrito Mucojo".
21 DE MARÇO DE 1973.
DIA DE LUTO PARA A CCAV. 3508.
QUATRO MORTOS, QUATRO FERIDOS GRAVES E SETE FERIDOS LIGEIROS.
 
 
Fernando Bernardes O transmissões Salvado morreu nos meus braços.
Enquanto a vida dele se extinguia, não parou de dizer repetidamente: Ai que morro, ai que morro.
De volta dele, estava eu e o enfermeiro do pelotão da ponte.
Eu tb fiquei ferido de toda parte lateral esquerda do corpo.
Quando cheguei junto dele, estava deitado de costas e de cabeça voltada para o mato na beira da picada.
O orifício no peito, na zona do mamilo, por onde entrou a bala, já não saía sangue nenhum.
Eu tinha uma ótima amizade com o Salvado.
Convivemos muito os dois.
Segundo ele próprio me disse tinha o problema qualquer no coração.
Coração dilatado.
 
 
Livre Pensador Quero pedir desculpa por ter dado "dois pontapés na gramática" no texto que escrevi. Onde se lê "quando se HOUVE uma forte explosão" deve ler-se "quando se OUVE uma forte explosão" e onde se lê "todo ENSAGUENTADO" deve ler-se "todo ENSANGUENTADO". Obrigado.
 
 
Rui Briote Quando estes casos fatídicos aconteceram encontrava- me de serviço.
Quando da emboscada dizia-se logo que o Salvado tinha falecido.
 
Quando do rebentamento da mina e com a chegada do Brotas juntei meia dúzia de "aramistas" fomos ao local do sucedido.
Chegados lá, ficámos horrorizados com o que vimos.
Quatro camaradas muito feridos, crianças estropiadas...o clima era muito pesado e as lágrimas começaram a escorrer pelos nossos rostos.
De imediato, levámos os feridos para a enfermaria.
 
O Gardete e enfermeiros foram incansáveis procurando minimizar o sofrimento dos feridos.
Três foram logo, que foi possível, evacuados.
O Constantino, ferido na "femural", rapidamente veio a falecer.
 
 
José Guedes Devia ser um dia para esquecer, mas a memória não consegue esquecer, tudo marca esses momentos e com tantos problemas ao mesmo tempo com baixas e feridos todo o pessoal era pouco para aquela situação.
 
A gente confiava na tropa negra que estava do nosso lado e afinal também jogavam dos dois lados e com certeza nem sabemos nada da missa a metade, muitas das coisas se calhar eles sabiam que iriam acontecer, nem os da cor deles conseguiam proteger quando sabiam que muitos deles nos acompanhavam nas colunas,..
Infelizmente tantas coisas se passaram de mal e nunca ninguém mais quis saber de quem tão mal passou durante aquele tempo que por lá andou,..
 
 
Armando Guterres Dos dois lados ... não escolhe cor.
Não esquecer que os oficiais dos dois lados estudaram nas mesmas faculdades.
Antes de ir para Moçambique conheci alguns.

 
 
José Lopes Vicente Seguia no rebenta minas quando se deu esta fatídica emboscada.
Quando rebentou disse para o condutor para acelerar e só parar na ponte do Messalo.
Ai foi apontar o morteiro 80 em direção da emboscada e disparar umas quantas granadas.
 
De regresso ao local da emboscada deparo com o Salvado já morto.
Um amigo aqui de S. Salvador e também os mortos civis e onde me informaram que também havia mortes no Chai.
 
 
Fernando José Alves Costa Ao lembrar os acontecimentos desta data, pergunto-me como é que aqueles que viveram toda esta tragédia comemoram o dia de hoje?
Com alegria por estarem vivos?
Ou tristeza pelos amigos que viram as suas vidas interrompidas tão precocemente?
 
 
Jose Capitao Pardal Não me lembrava da data (faz anos hoje), mas depois de ler o texto do Ribeiro e chorar convulsamente, só consegui dizer: PUTA DE VIDA AQUELA,...
 
 
 O  José Capitão Pardal escreve o primeiro aerograma após 3 intervenções cirúrgicas...

sexta-feira, 4 de março de 2016

Histórias do Chai V (1972/1974), por Livre Pensador

Livre Pensador
 
A operação "OMO 1" teve início no dia 23 de Abril de 1972 e nela estiveram envolvidos 3 grupos de combate da CCAV. 3508.
No aquartelamento do Chai ficou apenas o 1º. pelotão, que em conjunto com os restantes militares não operacionais procuraram assegurar a logística e a defesa das instalações.
É verdade que a "OMO 1" foi uma terrível experiência para todos quantos estiveram nela envolvidos, mas também é certo que os militares que ficaram no Chai não tiveram uma vida nada fácil.
 

Chai

 

Durante o dia a vigilância nos postos de sentinela e na porta de armas era realizada pelos chamados "aramistas" (cozinheiros, mecânicos, condutores, etc.).
Os militares do 1º. grupo de combate tinham de assegurar todas as tarefas diárias que incluía o abastecimento de água com a coluna para o rio Messalo (a 10 km do Chai), a picagem e segurança da pista de aviação e a apanha de lenha para a cozinha.
 
A caminho da ponte sobre o rio Messalo
 
Nos pequenos tempos livres procurava-se dormir, pois que durante a noite a segurança do quartel era garantida pelos operacionais do 1º. pelotão que, logicamente, não podiam dormir nessas horas.
 
Foi nesse período de grande azáfama que num determinado dia surgiu no quartel uma nativa com uma criança ás costas a dizer que estava na machamba com o marido quando surgiram uns guerrilheiros da Frelimo e lhe raptaram o marido.
 
Perante a situação, não havia outra solução que não fosse a deslocação dos militares ao local para tentar recolher indícios.
 
O maior problema foi conseguir reunir um grupo de militares perante o tão reduzido número disponível no quartel.
Fui incumbido dessa missão.
Juntando 3 ou 4 atiradores do meu pelotão com mais 3 ou 4 militares da formação e 2 ou 3 milícias, lá decidimos avançar até ao local do rapto.
 
Pedi á nativa para seguir na frente indicando o caminho e eu posicionei-me atrás dela.
Assim fomos andando normalmente por um trilho que atravessava várias machambas.
A determinada altura apercebi-me que a mulher começou a dar passos que me pareciam mais cautelosos e eu fiquei mais atento também.
Poucos passos á frente eu senti e ouvi um "CLICK" debaixo de uma das minhas botas e nesse instante agradeci o facto de ter tirado o curso de minas e armadilhas.
 
 
Mina antipessoal
 
Rapidamente percebi que tinha acabado de pisar uma mina anti-pessoal, mas por sorte minha estava montada com dispositivo de atraso.
Gritei que se deitassem para o chão e dei uma cambalhota para a frente.
Cerca de 3 a 4 segundos depois do "click" deu-se a explosão.
Felizmente que a rápida reação de todos minimizou os estragos.
Eu nada sofri e apenas 3 ou 4 militares foram atingidos por pequenos estilhaços, tendo sido tratados na enfermaria do quartel após o nosso regresso.
 
Porém, as hesitações que a mulher manifestou na aproximação ao local do rapto, fizeram-me pensar que havia algo de estranho.
Dei conhecimento disso ao agente da PIDE/DGS existente no Chai e a mulher foi interrogada.
 
Resultado: O marido estava no aldeamento e não tinha sido raptado pela Frelimo.
Foi ele que, em conjunto com elementos da Frelimo, montaram a mina naquele local e a mulher ficou incumbida de atrair os militares á cilada.
 
E assim ficámos a saber qual o tipo de "apoio" que teríamos de uma parte da população do Chai. Tinha sido caso para perguntar: " E esta... hem"?

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Que dança macabra, por José Capitão Pardal

 

 


Devo ter estado ali (Hospital de Mueda), para onde fui evacuado, em Março de 1973, após ferimento grave, no qual recebi os primeiros tratamentos.

Ali terei estado durante um dia e uma noite.
Como estava (ferido e com morfina), nem me lembro se lá estive...

Depois meteram-me numa maca manhosa, atiraram-me para um Dakota da 2ª guerra mundial, junto com outros feridos e mortos em caixões e com um cabo enfermeiro a acompanhar aquilo tudo, que durante o trajeto nunca mais vi...

Aquele ferro velho batia por todos os lados e quando se inclinava, os caixões e as macas com os feridos misturavam-se, numa dança macabra difícil de descrever...

Até que chegámos ao Hospital Militar de Nampula, onde durante os quase 5 meses que lá estive fui sujeito a várias cirurgias.
 
Após esses quase 5 meses, ainda com dificuldade em mover o punho esquerdo, com uma cicatriz lombar não totalmente curada e sem saber que o estilhaço da mina me tinha afetado em definitivo o rim direito, fui recambiado para a guerra, sem qualquer restrição.
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