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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Mais uma... HM125 Nampula, por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Fevereiro de 1971.
HM125 Nampula
Recordo a minha “estada” no Hospital Militar de Nampula HM125, numa cadeira de rodas, após uma intervenção cirúrgica aos pés, Seriam um mês vinte e seis, naquele Hospital.

Recordo-me que fui operado no dia 31 de Janeiro de 71, e ainda com “anestesia local”, (na altura não havia outra no bloco operatório e tive de assistir à operação!!!) e assim que me colocaram na cama fui parar ao chão pois tinham tirado as pernas da cama! 
Praxe esta que viria a ser continuada por mim, sempre que alguém vinha para o meu quarto, saído do bloco operatório.



Nos primeiros dias, as “petidinas”, derivado da morfina atenuam, e de que maneira, as dores! 
Mas depressa me tornei um dependente desta maravilha que me deixava em extâse! 
Sentia-me a levitar!!! 
Que maravilha!

Ao fim do 3º dia, sou informado pelo Enfermeiro Henrique (de Coimbra) que não podia dar-me mais “petidinas”, por ordem do médico, pois estas eram necessárias para o pessoal que, diariamente chegava de heli, quer de Cabo Delgado, quer de Tete, quer do Niassa!!!

Foi o fim da “picada”! 
Sob a ameaça de que lhe daria um “tiro” logo que saísse do Hospital, lá condescendeu, a troco de umas cervejolas,  lá me continuou a “picar” de 6 em 6 horas!!! 
Que alívio!!! 
Parecia que estava no paraíso, embora encharcasse completamente o pijama e lençóis.

Vim a saber mais tarde, pelo mesmo enfermeiro, de que as ultimas injecções não eram à base de “morfina” mas sim de água destilada! 
A sugestão faz tudo!

Impressionante!
Muitas mais histórias teriam se ser contadas, vividas neste HM125.

José Leitão
CCAV 2752

HM125 - Nampula, por José D'Abranches Leitão

HM125 Nampula
A cadeira de rodas, tinha uma história engraçada, digna de ser relatada! 

Era única e por conseguinte quando alguém precisava de ir tirar radiografias ou fazer outro exame, e que necessitasse de ser transportado sentado, eu ficava na cama, no meu quarto, até que a dita cadeira me fosse devolvida!

Uma vez por semana íamos ver um filme ao cinema de Nampula! 
Voluntários não faltavam para me acompanharem, segurando a cadeira, assegurando assim um bom lugar! 
O “coitadinho” devia ter pisado uma “mina” e merecia um bom lugar!
Às vezes era difícil explicar porque que era necessário a ajuda de 4 ou 5 “enfermos” !!!

Sempre que ouvia o Heli, sinal de que mais vítimas da “guerra” vinham para o hospital, lá estava o “apanhado do clima” na sua cadeira de rodas, junto à pista, para dar o apoio possível!

Viria a saber histórias de Mueda bem no coração de Cabo Delgado, outro inferno, onde havia uma hospital de campanha, que alguns companheiros entretanto feridos me relataram como sendo muito rudimentar, sendo a sala de operações, digna de uma cena daqueles filmes em que as pessoas mais sensíveis não devem ver, disseram-me que os mortos estavam espalhados pelo chão, nus, como também os vivos à espera de tratamento: As equipas de cirurgiões amputavam pernas, a torto e a direito, “cortando o mal pela raiz” 

Explicando melhor, contavam que muitas vezes só eram amputados pés, mas que mais tarde as “gangrenas”, originavam já em Nampula ou mesmo no Hospital da Estrela em Lisboa, teria o infeliz de se submeter a nova cirurgia e a lá ficava sem a perna toda!

Um dia, entra pelo meu quarto dentro uma alta patente militar, indagando quem era o Furriel Milº Abranches Leitão! 
Com alguma timidez, lá levantei o braço, e pensando que me iria anunciar “algum castigo” pelas tropelias e irreverências. 
Fui informado de que o Estado Maior do Exercito tinha recebido um telegrama de Lisboa, para saber se o militar em questão ainda estava vivo! 
Vim a saber que a família “moveu montanhas” para sabe notícias minhas, pois desde a entrada no HM125, que tinha deixado de escrever. Uff!
A partir deste momento o Sargento enfermeiro, o tal do hematoma, começou a tratar-me com mais respeito! Porque seria???

Logo que me senti em condições de dar uns passos, largando a cadeira de rodas, e como o Carvalho calçava 44 e não precisava dos sapatos tão depressa, lá conseguia enfiar estas “barcas”…e me desenfiava pelo arame farpado, iludindo o sentinela e indo até ao Bagdad, que ficava a cerca de 1000 metros do Hospital, beber uns Whisky´s! 
Recordo-me que o preço, não dava para mais de 2, sendo o 3º já de L34, brandy com 2 pedras de gelo, bem mais barato e servido em copos escuros. 
O que era preciso era impressionar umas garotas bem giras que frequentavam o dito e bar, e mais tarde vim a saber serem filhas de altas patentes da Força Aérea.

O regresso era feito, dolorosamente, e no dia seguinte lá estava o enfermeiro a fazer os curativos, interrogando-se como é que era possível, que a dormir, os pontos pudessem rebentar!

– Pesadelos meu amigo, originam que caia da cama abaixo! 
Dizia-lhe eu! 
Ele não
era “burro.!!!
José Leitão
CCav 2752

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

Recuerdos!!!

Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
A moral do pessoal estava de rastos! 
Mais uma vez a desilusão total.
Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


José Leitão
CCav 2752