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quinta-feira, 28 de maio de 2020

A tintura de iodo fazia "milagres", por José D'Abranches Leitão

Memórias
A tintura de iodo fazia "milagres"
Missão : instrução militar para autodefesa da população. distribuicão de Mausers à população!
Molumbo 1972.

Diariamente nos deslocamos a uma aldeia entre o Molumbo e Milange. 
Comigo no Jeep ia sempre a "mala de enfermeiro" com tudo o que eram primeiros socorros...ligaduras, comprimidos LM, quinino e uns verdes para desinfecção da agua dos cantis, adesivos, "mercurocromo", álcool, talas, seringas, tintura de iodo, etc.

Manhã cedo, depois de uma viagem numa picada em muito mau estado, chegávamos a uma clareira no meio das palhotas. 

Éramos recebidos pelo chefe da aldeia, um cocuana já com alguma dificuldade em andar! 
Invejava a sua bengala em pau preto, e a meu lado o João Paulino, o nosso tradutor. 

A instrução começava com uma marcha em círculo...depois uns exercícios de ginástica de pernas e braços. 

Apareciam para as "aulas" muitos jovens e alguns cocuanas. 
Estes tinham muita dificuldade, mas a vontade férrea de também lhe ser atribuída uma Mauser, era enorme. 
Diziam que só queriam a arma para se defenderem do macaco-cão que, em bandos de várias dezenas, lhe destruíam as machambas de mandioca, principal alimento da sua "cadeia alimentar"!!!

Durante varias semanas a instrução matinal era motivo para também se fazerem curativos às maleitas de que se queixavam. 
Dores de cabeça, pequenas feridas, dores de barriga, etc.
Tudo era motivo para rapidamente se esgotaram os medicamentos. 
Os LM davam para tudo.
Mas um belo dia e depois de esgotados todos os medicamentos, aparece uma cocuana que se queixava de dores fortes na garganta. 
Mal falava tal a rouquidão. 
Olhei para a mala de enfermeiro e so restava um frasco de tintura de iodo e algodão!
Bem aqui pensei...se bem não fizer mal também não faz e com delicadeza pincelei, as peles que pendiam (eram as mamas) o pescoço ate à barriga com a tintura de iodo.
Disse ao João Paulino para lhe explicar que a rouquidão iria passar e no dia seguinte já estaria curada!


Não foi no dia seguinte, mas passados uns dias, eis que aparece a cocuana e o velho marido, ela com uma capulana tipo sacola,com muitos ovos e ele com uma galinha. 
Num ritual com vénia e tudo, eis que me oferecem aquele presente. 
Em dialecto que o João Paulino traduziu a meu pedido ... o agradecimento/oferta porque eu "Homem bom" a tinha curado!!!

Claro que nesse dia...senti-me mesmo "um homem bom"!!!! 
E tudo por causa da tintura...da milagrosa tintura de iodo!

José Leitão
C.Cav 2752

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

Recuerdos!!!

Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
A moral do pessoal estava de rastos! 
Mais uma vez a desilusão total.
Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


José Leitão
CCav 2752