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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Os trabalhos liquidatários e o adeus a África, por Paulo Lopes


Paulo Lopes




Luís Leote, sem te querer massacrar, toma lá a resposta à tua pergunta, extraindo do livro apanhando o final de um capítulo e o início de outro! :-) :-) :





A partir da Beira, eu, o capitão Salgado e o primeiro sargento, separámos-nos da restante Companhia e iniciámos os nossos (?) trabalhos liquidatários. 




Por muito estranho que possa parecer, ao despedir-me da restante família que ia tomar rumo às suas casas — verdadeiras casas — cortou-se, como por encanto, o cordão umbilical de tanto tempo, de companheiros de tantas lutas, de tanto sofrer. 
Parecia que apenas nos tínhamos conhecido numa esplanada de um qualquer café, numa conversa banal e apenas isso! 
Estranho! 
Estranhamente estranho! 
Mas foi isso mesmo que eu vivi nesta despedida! 
Não sei como teria sido se tivesse ido com todos até Lisboa. 
Se a forma de despedida seria diferente. 
Não sei... Também não sei o dia exacto em que eles partiram da Beira para Lisboa pois já estávamos vagueando pelas burocracias da tal liquidatária, passeando com documentos na mão, com total desconhecimento do seu conteúdo e do que fazer com eles. 
Ainda hoje não sei bem o que eram! 




Sei que voávamos entre Porto Amélia, Beira, Nampula e Lourenço Marques. Tanto eu como o capitão, pouco ou nada "liquidatávamos", deixando esse soberbo prazer ao primeiro-sargento que, empenhadamente, tratava de toda a papelada! 
E que papelada! 





Aqui sim... aqui nestes quartéis e repartições sim... aqui já vi aquelas lustrosas fardas, coloridas com divisas de belo parecer. 
Aqui já conseguia detectar verdadeiros heróis (da banda desenhada).
Devidamente fardados e duma apresentação invejável que colocavam o nosso exército numa plataforma de grande representação militar Portuguesa! 
Altos defensores da pátria. 
Mas mesmo assim nunca os vi a fazer grande coisa! 
Azar meu! 

Chegava sempre na altura do merecido descanso destes bravos combatentes e então via-os nas ruas da cidade, ou a saírem das repartições, nas suas (nossas) luxuosas viaturas conduzidas por escravos feijões verdes a caminho dalguma operação de combate no seio dos seus familiares, que os esperavam na difícil batalha de tirarem as espinhas ao belo peixe assado no forno, cozinhado e servido por outros escravos que trabalhavam nas suas (nossas) luxuosas casas.


UM ADEUS A ÁFRICA (que nunca foi, não é, nem será minha) 

Afinal não tinham sido capazes de destruir completamente os sentimentos humanos que tinha trazido comigo quando saí de Lisboa.
Qualquer coisa de bom ainda tinha ficado dentro de mim: sem saber porquê nem porque não, entrou no meu pensamento — enquanto navegava pelas ruas das diferentes cidades de Moçambique, ainda de camuflado já gasto e calejado encostado à minha pele— uma constante e preocupada pergunta: como é que teria corrido a primeira picada de regresso à Mataca aos nossos substitutos?
O meu pensamento voou pelo imenso território e transportei o desejo sincero de que tudo tivesse corrido bem!

Apesar do estado de espírito ser bem diferente daquele que me tinha acompanhado durante largo e vasto tempo, começava a ficar com uma enorme ansiedade no corpo por tanta demora para a definitiva partida.

Acabaram em princípios de Julho de mil novecentos e setenta e quatro, todos estes trabalhos liquidatários.

Finalmente, tínhamos viagem marcada para Lisboa: dia vinte e oito de Julho de mil novecentos e setenta e quatro saímos de Nampula com destino à Beira para, no mesmo dia, apanharmos o avião até Lisboa.
E assim foi... Assim foi mas só para o capitão e o primeiro-sargento.
Eu fiquei!
Um engano mecanográfico mantinha-me preso e à espera de nova marcação.
Mais uns dias de separação do abraço aos meus!
Mas, dia um de Agosto de mil novecentos e setenta e quatro (o meu verdadeiro vinte e cinco de Abril) saí da Beira com destino a Lisboa: uma lágrima de alegria escorria pela minha face.



Um adeus a África que nunca foi, não é, nem será, minha!

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

Recuerdos!!!

Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
A moral do pessoal estava de rastos! 
Mais uma vez a desilusão total.
Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


José Leitão
CCav 2752