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segunda-feira, 27 de abril de 2020

A Berliet não queria subir a Serra Mapé, por Paulo Lopes

Paulo Lopes 



Sendo assim e para dar uma "achega" à verdade que o amigo Armando Guterres fala no seu comentário em cima, lá vai mais um pouco do livro. 

Só para chatear.
Poderá dizer-se que a coluna decorreu normalmente se nos debruçarmos sobre o aspecto de minas, armadilhas ou emboscadas, mas se olharmos para outros aspectos menos perigosos mas igualmente demolidores, a coluna correu-nos bastante mal.

Logo no inicio da subida da serra a Berliet, que sempre insistíamos em levar pela sua capacidade de carga que poderíamos transportar, mas que nunca ou raramente conseguíamos que subisse a serra, e por mais tentativas que fizéssemos, teimou em não subir.

Teve que se alterar o projecto!. 
Duas secções do 1ºgrupo de combate regressaram ao estacionamento com a Berliet.

Segunda contrariedade: tínhamos sido informados que as pontes já estavam consertadas. 
Tretas!

Quando chegamos as pontes verificamos que só uma estava reconstruída. 
A outra estava no chão, ou melhor, não era ponte!. 
E esse pequeno pormenor não nos dava um acesso muito fácil a passagem das viaturas para o outro lado do riacho. 
O outro lado que estava tão perto e que se tornava demasiadamente longe para as nossa pretensões!  

Tivemos de inventar e colocar em prática a nossa veia do desenrasca que tanto caracterizava o nosso exército. 

Tinha de ser uma intervenção rápida e sem muito alarido. 
Aproveitamos os nossos habituais "turistas" que sempre nos acompanhavam até Macomia, auxiliando-nos na busca e abate de troncos que proporcionassem a nossa tentativa de solução para atravessar o riacho com um pouco mais de segurança. 
Ou não!. 

Depois deste trabalho suplementar, feito duma forma muito rudimentar, prosseguimos a marcha com todos nós de semblante abatido, mental e fisicamente cansados. 
E ainda faltavam tantos quilómetros para percorrer!!. 

Terceiro contratempo: mais a frente, uma viatura avariou! 
Outra paragem. 
Cada vez mais se notava nas nossas faces a saturação. 
Estas paragens prejudicavam bastante o ritmo de andamento e cansava-nos muito mais. 

Cada paragem é sempre um tónico para não recomeçar. 
Para mim, estas paragens, davam-me a coragem de voltar a pensar. 
A bem dizer, não eram pensamentos, mas recordações que me perseguiam na minha fraqueza e dava comigo a perguntar-me: — Que estamos nos aqui a fazer? 
Que vida é esta para jovens de vinte e poucos anos? 
Porque nos estão a tirar este tempo da nossa existência? 

Mais uma vez me veio à lembrança a flor do cano da minha espingarda, mas o que mais fez estremecer todo o meu ser, foi o pensamento de que, com toda a certeza, todos os verdadeiros culpados da guerra estariam bem confortáveis junto das suas famílias, longe de quaisquer perigos eminentes, saboreando o prazer de viver sem, tão pouco, lhes doer a consciência nem pensar no que estavam a fazer a maioria da juventude portuguesa. 
Mas tudo a bem da nação. 
Mas porque é que estas situações não acontecem como no tempo dos nossos primeiros Reis? (pelo menos como nos foi contada nas aulas de Historia de Portugal! (Será que era mesmo assim?) 
Eram eles, os Reis, que iam para a frente da batalha! 
Pois. 

Foram horas sem conto, de sofrimento e angustia e já o sol se afogava no longínquo horizonte quando finalmente chegamos a Macomia. 

No dia seguinte e como já estava mais ou menos previsto, fomos proteger os trabalhadores na apanha do caju. 
Uma das várias fontes de receita para engordar contas bancárias de uma meia dúzia de abutres e claro, untar as mãos dos energúmenos brigadeiros, coronéis, marechais e outros que tais que estão a mais! (mentira!! Estou a brincar!!!). 

Mas quem ia proteger essa receita? 
Nós, pois então! 
E quem a iria apanhar a troco de quase nada? 
Os nativos, claro e transparente como a brisa que sopra nas tardes limpas do calor de África!

  • paulo lopes
    in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
  • quarta-feira, 15 de abril de 2020

    Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

    Mais uma...
    Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
    Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

    Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

    Recuerdos!!!

    Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

    O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
    O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
    Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
    A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
    Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
    Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

    Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
    Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

    Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

    Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
    Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
    Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
    Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
    O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
    Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

    E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
    Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
    A moral do pessoal estava de rastos! 
    Mais uma vez a desilusão total.
    Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
    Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


    José Leitão
    CCav 2752