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quarta-feira, 3 de junho de 2020

O mundo por vezes também é pequeno..., por Fernando Lourenço


20/06/2015

Por várias vezes ao longo do ano faço os possíveis por manter o contacto com alguns camaradas e sou nisso retribuído. 

Telefono e telefonam-me, falo pelo Skype, convido e sou convidado para umas patuscadas tanto em casa como fora. 

Esta experiência humana de vital importância, esta grande riqueza que é a de ter aquele sentimento de puro desinteresse e sem egoísmos como é a amizade também tem de ser alimentada. 

E a única forma de ter amigos é ser amigo. 

Nem sempre isso é possível por várias, por vezes dolorosas razões. 
E acontecem estes convívios. 



Aí temos a alegria de rever pessoas com quem passámos algum tempo e foram importantes para nós.

Foi o caso deste convívio. 



Apareceu o Batanete. 

E se o contentamento honesto como nos abraçamos não precisasse de palavras, o Batanete fez questão, com algumas frases como só ele as sabe dizer daquela forma divertida, me fazer vir à memória os bons momentos que me fez passar. 




Também vi o José Caldeira. 
Creio que foi a primeira vez que ele foi a um convívio do Batalhão. 



A última vez que o tinha visto ainda o Campo Maior jogava na 1º divisão e eu fui fazer uma transmissão dum jogo qualquer e ele ao ver-me foi ter comigo. 
Muitas vezes ao longo destes anos eu me lembrei dele com o pensamento de que o gostava de rever. 
E aconteceu. 

Também me foram ver, e isso também o devo ao Jose Capitao Pardal, amigos que tenho em Estremoz, que ao saber por ele que eu ia lá, fizeram questão de me ir ver. 



A razão de eu mencionar isto é por estes meus amigos serem amigos também de alguns elementos do Batalhão e suas famílias e só agora ao fim de 40 anos terem sabido disso. 

O mundo por vezes também é pequeno.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Vida de cigano em Moçambique, por Duarte Pereira


VIDA DE CIGANO

Aquela picada apertada onde poderia ir dar ?
Disseram-nos que a nossa missão seria de protecção, para a alargar.

Nos primeiros tempos no quartel de Macomia (onde por acaso nunca fui nomeado para estar de serviço), a vida corria sem sobressaltos....

Uma camarata para dormir, uma cama, um colchão, lençóis e até um armário para arrumar a tralha. 
A casa de banho com duche e tudo.

A messe de sargentos, não devia ser má, mas a minha memória tudo apagou. 
Do bar, a mesma coisa .
Não me lembro em que edifício ficava e muito menos de lá ter posto os pés.

E o tempo foi passando, a estrada ia avançando. 



Sai um "acampamento" e antes ou depois, um aldeamento e finalmente uma base ( mais a sério). 
Muito frio à noite no tempo seco, muito calor de dia e de noite no tempo quente.
Mesmo assim, acho que dormia vestido e com as botas, não fosse algum "bichinho" querer brincar. 

As chuvadas chegavam a assustar.

O barulho de corujas ou mochos, que os trovões faziam calar.

A vigilância à noite, sem guarita, abrigo ou qualquer protecção.

Talvez só a capa impermeável camuflada e o encostar a alguma árvore.

Dores de barriga à noite eram proibidas. 
Quem se arriscaria a sair do perímetro ?
As necessidades, deviam ser fora do acampamento. 
Mais tempo a escolher o sítio do que a fazer o "serviço".

A companhia 3509 devia ser a mais bronzeada.
Parte da cara, dos braços e mãos .
Os mais morenos, não vou dar exemplos, já pareciam ciganos.

Pegas Albino - Pegas - Concordas?

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A viagem para África..., por Luís Leote - Fonte: Guerra Colonial 1961-1974

A viagem

A viagem para África começava muito antes do embarque. 
O processo que levava um jovem até Angola, Guiné ou Moçambique iniciava-se habitualmente logo após o final da instrução da especialidade. 


Para um atirador, e tanto fazia sê-lo de Infantaria, Cavalaria ou Artilharia, após ser dado como pronto vinha a ordem de mobilização. 
O caso mais vulgar e típico era o de o militar pertencer a uma companhia e esta a um batalhão.

A ordem de mobilização originava a guia de marcha para a unidade mobilizadora. 
Aí se juntavam os militares vindos dos vários centros de instrução, os graduados e os comandantes. 
A companhia e o batalhão já tinham um número de código atribuído e, aos poucos, surgiam os especialistas diversos, os condutores, transmissões, enfermeiros e cozinheiros, de modo a que se preenchesse o quadro orgânico respectivo.



Enquanto se formava a unidade, realizavam-se os exercícios de instrução - IAO, a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional - com os conselhos sobre o que fazer em África para sobreviver. 

Recebiam-se as vacinas, o camuflado e, por fim, a unidade estava pronta.
Chegava a ordem de embarque e então o contingente formava na parada do quartel. 
Nos primeiros tempos, o capelão rezava uma missa campal, que depois caiu em desuso; o comandante da unidade mobilizadora, um coronel, proferia umas palavras alusivas à missão e entregava o guião ao comandante do batalhão mobilizado, um tenente-coronel, ou então da companhia, um capitão; as tropas desfilavam ao som da música, era concedida a licença de dez dias antes de embarque e pagas as ajudas de custo. 



Neste momento, o militar era um mobilizado, ia a casa, despedia-se da família, fazia umas asneiras por conta, arranjava umas correspondentes para lhe escreverem, ou umas madrinhas de guerra, e voltava à unidade mobilizadora para daí iniciar verdadeiramente a viagem.

Neste regresso faltavam uns quantos camaradas, que tinham decidido dar o salto para o estrangeiro ou baixado ao hospital com uma doença mesmo a calhar, mas os que restavam formavam de novo na parada do quartel, com as malas, e embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho de ferro mais próxima.

Na estação, quase sempre de noite, o contingente embarcava num comboio especial em direcção a Lisboa, ao Cais da Rocha ou ao de Alcântara.




O navio que os iria levar estava atracado e as famílias apinhavam-se nas varandas da gare marítima com lenços de acenar, cartazes com o nome do militar, para chamar a atenção, e lágrimas da despedida.

A tropa, vinda de vários pontos em quantidade suficiente para encher o navio, desfilava de novo, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças e mais folhetos sobre o território de destino.

Chegava o momento do embarque. 
Subiam-se as escadas e arrumava-se a bagagem junto ao beliche armado nos porões, transformados em casernas. 

Depois, voltava-se ao convés, lutava-se por um lugar na amurada ou trepava-se aos mastros, para os últimos acenos.

Por volta do meio-dia, o navio recolhia as escadas e os cabos, a sirene apitava e, durante alguns anos, a instalação sonora tocava a marcha intitulada "Angola é Nossa", independentemente do destino - um ritual abandonado nos anos mais próximos do fim da guerra.

O navio afastava-se lentamente, virava a proa à foz do Tejo, passava por baixo da ponte e deslizava diante da Torre de Belém.

A fome já apertava e eram dadas instruções para a primeira refeição abordo. 
Os oficiais seguiam para a primeira classe, os sargentos para a segunda e os praças para a terceira, Neste caso, e dada a grande quantidade de tropas embarcadas, havia um sistema de self-service. 
Cada grupo nomeava os seus faxinas, que se aproximavam dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, um de «segundo», o pão e a fruta, que redistribuíam aos seus camaradas, no regresso aos seus postos. 
Comia-se como num piquenique, sentado no convés.
Este sistema já funcionava mal com o mar calmo, mas piorava nos dias de tempestade. 
Nesses dias, os respingos do mar salgavam a comida, os faxinas desequilibravam-se com o balanço, entornando a sopa, e os restos espalhados ajudavam a escorregar os que vinham em sentido contrário. 
Valia nessas ocasiões o enjoo da maioria, que os tornava menos exigentes na qualidade e quantidade da alimentação.

A meio da viagem realizavam-se.exercícios de salvamento a bordo, e todo o contingente enfiava o colete salva-vidas e cada um apresentava-se junto à baleeira que lhe estava destinada em caso de naufrágio. 
Tiravam-se umas fotografias e estava passada mais uma tarde.

Os dias de calma eram gastos a jogar às cartas e a receber alguma instrução sobre o destino, em que ninguém, verdadeiramente, queria pensar.

A passagem do Equador fornecia o pretexto para uma cerimónia da praxe e, entretanto, aproximava-se a chegada, que, quase sempre de manhã, era o tempo da curiosidade de África, o tempo de refazer as malas e do desembarque. 

Nova formatura, agora ao calor, um desfile e um discurso. 
Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte, até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. 
A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.

Fonte: Guerra Colonial 1961-1974

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

Recuerdos!!!

Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
A moral do pessoal estava de rastos! 
Mais uma vez a desilusão total.
Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


José Leitão
CCav 2752

domingo, 6 de setembro de 2015

Primeiro artigo sério das Comadres, por Duarte Pereira

Duarte Pereira

PRIMEIRO ARTIGO SÉRIO DAS COMADRES.

MAS SERÁ MESMO MUITO SÉRIO ??

TEMOS ACESSO A ALGUNS PENSAMENTOS QUE O SR DUARTE ESCREVEU NA SUAS MEMÓRIAS.

ACHAMOS ESTE TEXTO CURIOSO ( NÃO DIVULGAR, SÃO COISAS DELE).

A COMPANHIA 3509 TINHA "FOLGAS" EM MACOMIA....
PASSANDO O TEMPO NO MATO E COM TANTOS HOMENS, NÃO SERIA LÓGICO CONVIVER EM MACOMIA COM MAIS HOMENS.


POUCO OU NADA CONHECEU DAS OUTRAS COMPANHIAS.


O SONHO DO SR DUARTE ERA SER COMANDANTE DE COMPANHIA E CHEGOU A SÊ-LO EM "PART-TIME", QUANDO LÁ ESTAVA E O SR CAPITÃO DE BAIXA.

ASPIRAVA EM TER UMA COMPANHIA SÓ PARA ELE, POR QUE NÃO UM BATALHÃO?? 

COMANDANTE DE BATALHÃO??? 


O COMANDANTE DE BATALHÃO, QUASE NÃO CONHECIA AS INSTALAÇÕES E CONDIÇÕES DE VIDA DAS COMPANHIAS. 

ELE COMO COMANDANTE DE BATALHÃO ARRANJARIA UM "RIBAUÉ" QUE SERIA O MUCOJO, PARA OS VÁRIOS PELOTÕES, INCLUINDO C.C.S.


A BASE SERIA O ALTO DA PEDREIRA PARA UM MÊS DE "CASTIGO".

PARA RETEMPERAR FORÇAS E LIMPAR AS SUAS CABEÇAS.

AFINAL ESTE TEXTO ERA UM SONHO DO SR DUARTE.

SÓ O TEVE DEPOIS DE CONHECER A MALTA PORREIRA QUE ENCONTROU NO GRUPO DO BATALHÃO,

domingo, 1 de dezembro de 2013

Refeitório - Foto José Capitão Pardal

Texto do Livre Pensador (Ribeiro) para o Duarte Pereira

.....///.....

Também penso que sim, Duarte Pereira.

A nossa sorte foi que quase todas as munições de foguetão 122 caíram a menos de 50 metros do quartel.

Dentro deste, apenas caiu uma que destruiu grande parte do refeitório e inutilizou um dos obuses com que estávamos a responder ao ataque.

Quase ao fim duma hora de combate fomos obrigados a pedir apoio aéreo dos Fiats, porque também estávamos a ficar sem munições.

Acrescente-se, que ao mesmo tempo que decorria este ataque, a ponte do Messalo foi também atacada e um grupo de combate que saiu do quartel para ajudar o pessoal da ponte foi emboscado logo à saída do Chai.

Aquilo que hoje em dia se poderia chamar de 3 em 1.
Abraço.
Ribeiro

terça-feira, 6 de agosto de 2013

ESTÁS MOBILIZADO - Beja RI 3, por Paulo Lopes

 
 
                                                                      Paulo Lopes

Mais um quartel a acrescentar a um currículo militar caracterizado pelo conformismo, adaptado às circunstancias de um destino paralelo ao indesejado.
Estava agora encartado para ficar do outro lado da parada. Numa fila um pouco mais à frente mas, pouco mais. Apenas as ordens eram dadas doutra forma e as exigências um pouco mais brandas. Desde que cumprisse!
Então, já com alguns meses de serviço militar cumpridos, passados entre o péssimo e o mau, com alguns rasgos de aceitável e poucos, muito poucos, momentos de lazer, recruta tirada nas Caldas da Rainha e “doutorado” em atirador com distinção de atirador especial da HK21 no quartel de Tavira, estava agora em Beja no R.I. 3, com uma situação muito diferente da que vivi anteriormente na recruta e na especialidade.
Passando o tempo de “encarceramento” obrigatório dentro do quartel, refugiando-me ora no desporto, ora na leitura, esperando pela minha hora de entrar em cena, tentando passar o que tinha aprendido, a um punhado de aprendizes a soldados que possivelmente, na maioria deles, estavam como eu, resignados com a sina de serem militares a força.
Tinha como missão, auxiliar na formação de mais um batalhão de recrutas.
Missão essa que se resumia, dado o elevado numero de formadores, a dar uma aula de ginástica das oito horas ate as nove horas da manhã e mais tarde, uma aula sem tempo, nem horário determinado, a qual tinha o pomposo nome bélico de “Instrução de Combate Noturno”, intervalados nalguns dias, com uma pequena maratona, de G3 e mochilas às costas pelas longas planícies alentejanas dos arredores de Beja.
Encontrava-me, portanto, virado para a multidão de mancebos que, prostrados em sentido, formados na parada, olhando e obedecendo sem a mínima vontade de satisfazer essas ordens mas que, pela força das circunstâncias a isso eram obrigados.
Mancebos que, tal como eu me tinha sentido, olhavam para mim duma forma não respeitadora mas de sentimentos receosos. Estava nas minhas mãos provar que ordenar, criar disciplina, não é necessariamente impor ordens apenas com o intuito de mostrar um pseudo poder, transportando para nós, instrutores, um protagonismo estúpido e rancoroso.
Uma vez por outra estava de serviço como “Sargento de Dia” não podendo, por isso, ausentar-me da porta de armas ou, outras vezes, fazendo de Policia Militar, passeando pelas ruas de Beja, mostrando cara de poucos amigos, mascarando-me, principalmente quando avistava um oficial de raiz, tal e qual um polícia, o que me dava uma certa vontade de rir e um gozo sarcástico.
Estar de serviço como Policia Militar até não era mau, porque sempre se ia dando uma visitinha ao cinema ou ver um jogo de futebol e... tudo à borla!
Na verdade, sempre tinham razão, e não nos estavam a incutir mais uma patranha, aqueles que nos informaram que os primeiros classificados do curso de sargentos milicianos não seriam de imediato escolhidos para irem formar Batalhão com o intuito de seguirem para o Ultramar.
Só iam chamando estes consoante as necessidades prementes.
Ou então tive sorte por não haver cunhas para os que tinham ficado numa classificação inferior a minha e que foram formar esses tais Batalhões com destino a África.
Apesar de não estar tão oprimido como nos últimos tempos, não deixava de me sentir privado da minha liberdade de civil.
Falsa liberdade mas, civil.
E como diria um bom português: do mal, o menos e se parti uma perna, tive sorte, pois poderia ter partido as duas..
Passaram-se, com a lentidão de quem tem pressa que o tempo se escoe rapidamente, os três meses normais da formação de recrutas.
Todos eles partiram para outros quartéis a fim de tirarem as diversas especialidades mas, fossem quais fossem essas especialidades, poucos seriam os que não rumassem as Províncias Ultramarinas.
Eu também parti até Lisboa, mas apenas por poucos dias, regressando rapidamente a Beja onde me esperava mais um ciclo de três meses.
Mais uma formação a outros tantos recrutas que, apalermados e assustados, chegavam de todas as coordenadas do País, vindos de lugarejos, aldeolas, aldeias, vilas, cidades pequenas ou grandes.
Uns mais espevitados. Outros mais cautelosos. Outros ainda, completamente fora do contexto, sendo estes, sempre os mais apedrejados pela malvadez de apanágio juvenil dos seus camaradas de caserna.
Nunca tive quaisquer problemas de registo que obrigasse a uma intervenção dalguma patente mais acima.
Tudo rapaziada bem comportada com os seus quês e senãos, mas não conflituosos nem complicativos.
Apenas uma vez fui obrigado a impor um pouco a minha ideia ao pensamento de outro. Mostrar as minhas parcas divisas indo contra os meus valores e princípios e fazendo-o apenas a pensar no grupo que tinha em mãos para instruir.
Aconteceu com um mariola, numa saída para um crosse, sem a componente de obter um vencedor: o rapaz achava que era mais forte que todos os outros e então desatou a correr pelos caminhos arenosos envolventes ao quartel que utilizávamos para esse exercício físico no exterior da prisão.
Saindo da formação, tentando mostrar a sua superioridade perante a fragilidade de alguns.
Determinei, mal ou bem, que não deveria permitir essa sua demonstração atlética, que sem duvida tinha, mas que não estava nem na hora nem no local exato para fazer prevalecer essa sua melhor preparação física.
Não querendo retirar-lhe as suas razões protagonistas através de castigos humilhantes, enveredei por outros caminhos para amansar o seu ímpeto carregando-o com umas pedras dentro da mochila que transportava às costas.
O moço foi suficientemente inteligente e percebeu a mensagem... ou sentiu o peso dela!
Para lá desta minha ocupação profissional obrigatória, estava inserido na equipa de Futebol de 5 de sargentos do RI3, a qual disputava o campeonato militar da referida modalidade o que dava para me desviar de certos e alguns serviços.
Só não resultou na “Semana de Campo”: no dia de saída para essa maldita semana (para os recrutas), tinha jogo contra a equipa do quartel de Évora e por isso estava autorizado a deslocar-me aquela cidade apresentando-me no entanto, no dia seguinte, no local onde decorria a “Semana de Campo”. Fomos jogar e ganhámos.
Lampeiro, “Chico esperto”, achei que tinha direito a prémio e não segui nesse dia para o local onde me deveria apresentar. Esqueci-me duma regra básica instalada no exército: Nunca te armes em esperto!
A minha escala de fatores positivos que tinha a tropa era péssima.
Pouco sumo ou mesmo nenhum havia a extrair as condutas militares mas, esta regra que me deu a entender existir, marcava pontos: na tropa raramente a esperteza se conseguia sobrepor à inteligência...
O capitão não achou graça a minha esperteza...
O episódio ficou-se por um corte de cabelo mais aprumado.
Não fosse o capitão, um fervoroso adepto do futebol e apoiante da nossa equipa e mais longe teria ido o dedo apontador do meu comandante.
Talvez tivesse ficado algum tempo de serviço permanente a qualquer coisa, ou ainda pior.
Mas: "Quando terminar a “Semana de Campo” quero ver-te de cabelo como deve ser. Desta vez safas-te assim", palavras do comandante de Companhia.
O como deve ser, era máquina zero ou parecido.
E assim ia levando a água ao meu moinho. Uns dias melhores, outros nem por isso, mas sempre com o tempo seguindo em frente, passando o dia-a-dia na minha obrigação de bem servir a Pátria pensando sempre que um dia voltaria a ser civil.
Cada dia que passava, tentava não auto criar uma demasiada esperança de que o tempo corria a meu favor e que, por isso, cada vez mais, ia ficando de fora a hipótese de ir para o Ultramar.
Andava, auxiliado por idênticas situações passadas com alguns camaradas que iam já na terceira instrução a recrutas, um pouco anestesiado esquecendo que era militar e que nada certificava a minha não mobilização.
Formar Batalhão já não ia. Era uma quase certeza absoluta. Essa tinha sido a hipótese primeira que ficara afastada ao vir para Beja dar instrução.
Mas eu era atirador. Formaram-me para a guerra. Não tinha cunhas. Apenas tinha ficado bem classificado no meu curso em Tavira. Estas razões que ultrapassam o suficiente colocavam, em noites de insónia, sempre no meu pensamento o espectro da partida, mas que logo no dia seguinte, me ia esquecendo e deixando-me levar pelo sonho de que mais um dia estava a contar para o fim do interminável tempo que me obrigavam a suportar.
Continuei a minha caminhada militar entre o dever e o lazer. Procurando sempre cumprir com a minha parte, evitando confrontos ideológicos, não dando no entanto demasiadamente o meu braço a torcer.
Fingindo muitas vezes. Dizendo sim quando apetecia dizer não. Calar-me quando a vontade era de gritar.
E tudo isto porque, se um simples ser humano mas de ombros enfeitados de divisas, sentisse apenas uma ligeira tentativa de desobediência ou contrariedade às suas ordens, mesmo erradas que estivessem, ou pressentisse um esboço de protesto, rapidamente me colocaria no rol dos possíveis candidatos a uma viagem até ao outro lado do mar!...

De nada me valeu essa minha conduta de bom rapazinho!...

ESTÁS MOBILIZADO ...

Foi num dos momentos de lazer, quando esperávamos quórum suficiente para mais uma tarde de jogo de futebol de 5, que o Comandante da Companhia, também ele apreciador de um bom jogo de futebol ou de qualquer outra atividade desportiva, que metesse bola, chegou para aumentar o número que fosse o ideal para iniciar a partida e me informou, com simples palavras calmas e duma frieza extrema sem transparecer quaisquer hesitação no discurso de parcas palavras e sem nenhuns rodeios, colocando o braço sobre o meu ombro, num semi-abraço:

— Estás mobilizado.

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes