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quarta-feira, 22 de abril de 2020

A viagem para África..., por Luís Leote - Fonte: Guerra Colonial 1961-1974

A viagem

A viagem para África começava muito antes do embarque. 
O processo que levava um jovem até Angola, Guiné ou Moçambique iniciava-se habitualmente logo após o final da instrução da especialidade. 


Para um atirador, e tanto fazia sê-lo de Infantaria, Cavalaria ou Artilharia, após ser dado como pronto vinha a ordem de mobilização. 
O caso mais vulgar e típico era o de o militar pertencer a uma companhia e esta a um batalhão.

A ordem de mobilização originava a guia de marcha para a unidade mobilizadora. 
Aí se juntavam os militares vindos dos vários centros de instrução, os graduados e os comandantes. 
A companhia e o batalhão já tinham um número de código atribuído e, aos poucos, surgiam os especialistas diversos, os condutores, transmissões, enfermeiros e cozinheiros, de modo a que se preenchesse o quadro orgânico respectivo.



Enquanto se formava a unidade, realizavam-se os exercícios de instrução - IAO, a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional - com os conselhos sobre o que fazer em África para sobreviver. 

Recebiam-se as vacinas, o camuflado e, por fim, a unidade estava pronta.
Chegava a ordem de embarque e então o contingente formava na parada do quartel. 
Nos primeiros tempos, o capelão rezava uma missa campal, que depois caiu em desuso; o comandante da unidade mobilizadora, um coronel, proferia umas palavras alusivas à missão e entregava o guião ao comandante do batalhão mobilizado, um tenente-coronel, ou então da companhia, um capitão; as tropas desfilavam ao som da música, era concedida a licença de dez dias antes de embarque e pagas as ajudas de custo. 



Neste momento, o militar era um mobilizado, ia a casa, despedia-se da família, fazia umas asneiras por conta, arranjava umas correspondentes para lhe escreverem, ou umas madrinhas de guerra, e voltava à unidade mobilizadora para daí iniciar verdadeiramente a viagem.

Neste regresso faltavam uns quantos camaradas, que tinham decidido dar o salto para o estrangeiro ou baixado ao hospital com uma doença mesmo a calhar, mas os que restavam formavam de novo na parada do quartel, com as malas, e embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho de ferro mais próxima.

Na estação, quase sempre de noite, o contingente embarcava num comboio especial em direcção a Lisboa, ao Cais da Rocha ou ao de Alcântara.




O navio que os iria levar estava atracado e as famílias apinhavam-se nas varandas da gare marítima com lenços de acenar, cartazes com o nome do militar, para chamar a atenção, e lágrimas da despedida.

A tropa, vinda de vários pontos em quantidade suficiente para encher o navio, desfilava de novo, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças e mais folhetos sobre o território de destino.

Chegava o momento do embarque. 
Subiam-se as escadas e arrumava-se a bagagem junto ao beliche armado nos porões, transformados em casernas. 

Depois, voltava-se ao convés, lutava-se por um lugar na amurada ou trepava-se aos mastros, para os últimos acenos.

Por volta do meio-dia, o navio recolhia as escadas e os cabos, a sirene apitava e, durante alguns anos, a instalação sonora tocava a marcha intitulada "Angola é Nossa", independentemente do destino - um ritual abandonado nos anos mais próximos do fim da guerra.

O navio afastava-se lentamente, virava a proa à foz do Tejo, passava por baixo da ponte e deslizava diante da Torre de Belém.

A fome já apertava e eram dadas instruções para a primeira refeição abordo. 
Os oficiais seguiam para a primeira classe, os sargentos para a segunda e os praças para a terceira, Neste caso, e dada a grande quantidade de tropas embarcadas, havia um sistema de self-service. 
Cada grupo nomeava os seus faxinas, que se aproximavam dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, um de «segundo», o pão e a fruta, que redistribuíam aos seus camaradas, no regresso aos seus postos. 
Comia-se como num piquenique, sentado no convés.
Este sistema já funcionava mal com o mar calmo, mas piorava nos dias de tempestade. 
Nesses dias, os respingos do mar salgavam a comida, os faxinas desequilibravam-se com o balanço, entornando a sopa, e os restos espalhados ajudavam a escorregar os que vinham em sentido contrário. 
Valia nessas ocasiões o enjoo da maioria, que os tornava menos exigentes na qualidade e quantidade da alimentação.

A meio da viagem realizavam-se.exercícios de salvamento a bordo, e todo o contingente enfiava o colete salva-vidas e cada um apresentava-se junto à baleeira que lhe estava destinada em caso de naufrágio. 
Tiravam-se umas fotografias e estava passada mais uma tarde.

Os dias de calma eram gastos a jogar às cartas e a receber alguma instrução sobre o destino, em que ninguém, verdadeiramente, queria pensar.

A passagem do Equador fornecia o pretexto para uma cerimónia da praxe e, entretanto, aproximava-se a chegada, que, quase sempre de manhã, era o tempo da curiosidade de África, o tempo de refazer as malas e do desembarque. 

Nova formatura, agora ao calor, um desfile e um discurso. 
Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte, até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. 
A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.

Fonte: Guerra Colonial 1961-1974

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

HISTÓRIA DA MINHA IDA À GUERRA (pareço o Solnado), por Livre Pensador

HISTÓRIA DA MINHA IDA À GUERRA (pareço o Raul Solnado)

Haverá camaradas que não sabem que fui como voluntário para a tropa, assim como há outros que têm conhecimento desse facto. 

Mas decerto que uns e outros perguntarão porque razão me passou essa loucura pela cabeça. 
Pois bem, é precisamente isso que pretendo esclarecer nesta minha história. Naqueles tempos (décadas de 60 e 70) era habitual aparecerem em Lisboa cartazes afixados a solicitarem voluntários para o exército. 
Não sei se aconteceria o mesmo noutros locais do País, mas presumo que talvez. 
Esses cartazes diziam que, quem fosse voluntário aos 18 anos, tinha a possibilidade de escolher a arma (cavalaria, infantaria, engenharia, etc.) em que desejasse cumprir o serviço militar.

Acontece que eu tinha informações, por familiares meus já regressados da guerra colonial, que essa mesma guerra piorava à medida que o tempo ia passando. 
Logo pensei que quanto mais cedo fosse menos seriam os perigos a enfrentar e, portanto, há que me oferecer como voluntário. 

No requerimento que fiz em meados de 1970 (com 18 anos), pedi para ser integrado na arma de engenharia, por ser aquela que estava directamente relacionada com a minha profissão de Desenhador que já desempenhava desde os 15 anos, após a conclusão do Curso Industrial.

Em Setembro ou Outubro de 1970 recebi uma guia de marcha para me apresentar no quartel em Setúbal para ser sujeito à inspecção militar. 
Nunca percebi porque razão, havendo tantos quartéis em Lisboa, tive de ir fazê-la a Setúbal.

Quando cheguei à porta do quartel em Setúbal, já lá estavam mais 4 ou 5 "loucos" como eu. 
Ainda mais "loucos" ficámos quando nos disseram (um amarelado qualquer) que não tinham indicações para fazer inspecções militares e mandaram que fossemos às instalações do D.R.M. (Distrito de Recrutamento e Mobilização).

No D.R.M. também não sabiam de nada e "devolveram-nos" ao quartel. 
Aqui chegados, e depois de muito esperarmos, lá arranjaram um "veterinário" que nos fez a inspecção, nos aprovou e afirmou: "grande País este que até tem voluntários para a guerra"! 
Cada um de nós seguiu depois o seu destino ficando a aguardar pelo dia da incorporação.

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No meu caso esse dia chegou a 11 de Janeiro de 1971 com a entrada no destacamento da Escola Prática de Cavalaria em Santarém, para iniciar a recruta no C.S.M. (curso de sargentos milicianos) plenamente convencido de que, no final dessa mesma recruta, me seria atribuída uma qualquer especialidade relacionada com a arma de engenharia.

Quando nos últimos dias de Março de 1971 foram divulgadas as especialidades de cada militar e me foi indicada a de atirador de cavalaria, obviamente a minha reacção foi: "não pode ser, tem de haver engano"!

Rapidamente pedi para ir à presença do comandante de esquadrão (tenente Capão) a quem informei que tinha de haver erro na atribuição da minha especialidade, pelo facto de ser voluntário e de, nessa qualidade, ter escolhido a arma de engenharia e não cavalaria.

Com uma grande calma e um ar de gozo o tenente Capão diz-me: "o edital que leste dizia que podias escolher a arma, e tu escolheste, mas não dizia que te era dada. 
Fica sabendo que todos os voluntários terminam em atiradores"!
Nesse momento apenas me vieram à memória três palavras, F.D.P.!!!

Após regressar de Moçambique, durante muitos anos me penalizei por ter ido como voluntário, pois com o acontecimento do 25 de Abril, poderia ter ido ao ultramar (ou até não ter ido) apenas por pouco tempo e livre, pensava eu, de todos os perigos e sacrifícios que por lá passámos desde Fevereiro de 1972 até Março de 1974. 

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Porém, quando hoje em dia vou tomando conhecimento, pelo Facebook, das situações vividas no pós 25 de Abril pelos camaradas de Omar, do Chai, de Nangololo e alguns outros casos, chego à conclusão de que a minha loucura não foi tão louca quanto isso!