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sábado, 6 de fevereiro de 2021

As mulheres do Chai..., por Livre Pensador

 Livre Pensador

09/12/2020

A população negra do Chai era formada pelas etnias Maconde e Macua.

As mulheres macondes eram, duma forma geral, pouco bonitas, pelo menos para o meu padrão.

Seria que isso estava relacionado com o facto de terem tatuagens na cara e dentes afiados? Talvez.

Por sua vez, nas mulheres macuas existiam muitas que se podiam considerar bastante bonitas, como é o caso desta que está na foto e que se chamava Rabia.
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, sentado, lenço para a cabeça e relva


domingo, 19 de março de 2017

Memórias da Guerra Colonial, por Manuel Neves Silva


O Cachicha (Soldado GE, Maconde)- Memórias da Guerra Colonial

Por Manuel Neves Silva-Furriel Miliciano GE

Todos os soldados do meu Grupo Especial (GE) eram macuas muçulmanos, á excepção de dois que eram macondes e católicos, o Cachicha e o Chitapata. Esqueci-me completamente do nome do primeiro e se agora ainda a minha memória o chama de Cachicha é culpa minha, assumidamente minha porque o nicknomeei assim mesmo, de Cachicha. E à força do hábito e facilitismo de assim o chamar, este nome virou verdade, o outro ficou esquecido.

Ele, o Cachicha era de estatura baixa, afável, sempre com um sorriso na sua cara tatuada e de dentes afiados. Do seu uniforme camuflado apenas o quico lhe enchia a cabeça, o resto, calças e camisa sobravam muito para além da altura breve do seu corpo. Aceitou prontamente a alcunha, imposta como castigo, por querer partilhar sempre uma das minhas latas de salsicha, uma das poucas viandas que se tragavam na ração de combate para além da sardinha portuguesa e da enlatada carne de vaca” Fray Bentos” made in South África.

O Cachicha, maconde e como tal “católico”, não tinha problemas em comer carne de porco. Os outos macuas islamizados dispensavam o pecado por respeito a Alá, embora outro tanto não fizessem em relação à cerveja, quando esta aparecia no pacote. Este pecado do álcool, talvez Alá tolerasse. Talvez, por ser um pecado mais líquido, mais fluido, menos encorpado, mais evaporável. As salsichas eram sólidas, de aspecto fálico e eram mesmo o pecado da carne, da carne do sujo porco.

Era comum entre macuas e macondes a troca de latas de sardinha por latas de salsicha, cambio sempre inflacionado a desfavor dos macuas. A Manutenção Militar do Exército nunca teve em conta a confecção das rações de combate em função da religião destes soldados. Eles como não comiam as pecaminosas salsichas, ou as deitavam fora ou teriam de aceitar o preço de troca imposto pelos macondes que geralmente só abriam mão de uma de sardinha em troca de duas ou até três de salsicha.

 O Cachicha gostava de comer. De tudo comia na ração de combate. Seus dentes afiados de maconde davam-lhe todas as vantagens nessa tarefa. E mesmo depois de barganhar aos seus camaradas macuas duas ou três latas de salsicha, por apenas uma de sardinha, quase sempre abeirava-se de mim com o mesmo discurso: Siliva, nosso pai, anipe cachicha moja.

Depois de tantas vivências de tantos perigos partilhados, de tantos minutos com estatuto de horas, de tantas esperanças de que o pior não iria acontecer e que o melhor estaria sempre para chegar, eu já entendia a outra língua, para eles mais espontânea, mais corrida, mais natural. Neste crioulo suaíli-macua-português, eu o Silva que me orgulhava de ser tratado de pai por todos eles, macuas e macondes, acabei por entender: Silva, nosso pai dá-me uma lata de salsicha. Deste saboroso crioulo e do engraçado modo como corrompia a palavra salsicha, e ainda porque o seu original nome maconde se tornava difícil ao meu chamamento, assim mesmo o renomeei: Cachicha.

 O Cachicha aceitou. E Cachicha ficou “oficialmente” a ser Cachicha.

Cachicha, digo-te que hoje eu já não sei se recordo a guerra, ou já recordo as recordações da guerra. Na minha memória há uma linha ténue onde se misturam e confundem as vivências passadas com os pesadelos presentes. Nessa bruma esbatida ainda te revejo camuflado na tua demasiada farda, de G3 aperrada ao peito de olhos e ouvidos sempre em alerta.

 Cachicha gostava de ver-te, de abraçar-te, de falar contigo em Suaíli ou português. Sei que a vossa esperança de vida aí em Moçambique é curta, e tu eras bem mais “kokuana” do que eu. Possivelmente já por aí não estás, mas onde quer que te encontres quero deixar-te um abraço e manifestar-te a minha gratidão. Gratidão pelas vezes que me salvaste a vida com os conselhos e avisos de quem sabia de cor cada palmo dessa terra, porque nela nasceste, cresceste e te fizeste soldado, talvez no lado errado da guerra se é que essa guerra teve algum lado certo. Foram os anos onde os jovens do meu e do teu país morriam e matavam por razões que nem eu sentia, nem tu entendias.

 Bem hajas Grande Cachicha! Tenho “maningue” saudades vossas.

Manuel Neves Silva-




Manuel Neves Silva
-Furriel Miliciano GE
-MEMÓRIAS DA GUERRA COLONIAL
Manuel Neves Silva carregou um ficheiro.
Penso que já publiquei este meu texto sobre as minhas vivências da guerra. 
Se assim for ,volto a postá-lo de novo e dedico ao Duilio Caleca, que partilhou comigo a célebre coluna de Nangololo e tb ao Jose Monteiro, que passou por Mueda antes de mim, camaradas que conheci há uns meses atrás num restaurante de Lisboa. 
Dedico de igual modo a todos os elementos do Picadas.
  • Pedro Inácio Excelente texto. Parabéns!!!

  • Augusto Mota Gostei, PARABÉNS.

  • Jose Monteiro Manuel Neves Silva, adorei o teu texto.
    Será que iremos a tempo de ver o Cachicha e outros Cachicas de Moçambique??? 
  • Um abraço.


  • Duilio Caleca Bem haja a quem consegue retratar por escrito os sentimentos de grande amizade e companheirismo que todos nós deixámos por lá.
    Manuel Neves Silva tocaste num ponto que é a grande realidade. Será que na guerra haverá lado em que se devia de estar????
    Aquilo que me baralhou completamente essa ideia, foi que alguns "amarelados" fizeram de tudo para que "matássemos" o inimigo. 
    Pós 25 os mesmos "amarelados" disseram para nos darmos bem com o inimigo.

  • Januario Batista Jorge Muito obrigado por nos falares do teu Cachicha Maconde para nos relembrarmos dos outros "Cachichas ". O meu tinha o nome de Saíide, era macua e era mainato na messe do quartel do Chai. 
    Quando Saíide fazia algo muito bom o prémio era de loucura: um copinho de "água de Lisboa " (aguardente), que o MNF fazia o favor de transportar aqui de Castelo Branco para o Chai sem grandes demoras. 
  • Um dia estava eu sentado na messe a ler um "Seculo Ilustrado", que tinha sido recentemente enviado daqui e na pagina central tinha uma foto da Praça do Comercio, tirada do TEJO para cá. 
  •  Saíide estava a espreitar a foto e disse : Paliota maningue grrrandeeeee. 
  • E depois perguntou... Isto é teu terra pá? 
  • Sim isto é a minha terra; 
  • Isto é Lisboa e este rio é o Rio da água de Lisboa. 
  • Saltou para a minha frente, ajoelhou-se, juntou as mãos e disse : Faz favor ... leva mim teu terra ... eu jura mesmo... morre neste rio! 
  • Saíide ficou no Chai... possivelmente a sua alma já visitou o seu rio da "água de Lisboa " mas nunca me falou da sua vinda. 
  • Mas eu tenho saudades e deixo um abraço.

  • Manuel Neves Silva Bonita história,sabiamente contada. 
    Quem por lá andou e sofreu entende e sente esta tua prosa Januario Batista Jorge.

  • Januario Batista Jorge 
  • ESTA É SÓ PARA OS EX-COMBATENTES... Saìde era gente grande no Chai.
  • Mainato di nosso Alferi e di nosso Furieri na messe. 
  • Tinha pernas de gazela e como elas movia-se de forma ligeira e graciosa. 
  • Andava sempre limpo e com roupa que nós lhe dávamos, tinha algum dinheiro, óculi escuro e rádio. 
  • E a crescer na escala social dos Macuas. 
  • Régulo deu ordem para Saìde comprar mais um mulheri .Passava a ter dois mulheri. 
  • O Régulo tinha 3.

  • Januario Batista Jorge Estávamos a comentar isto e Saíde chegou e nós dissemos: Tu tens que ver o que é uma mulher branca para saberes realmente como é bom. 
  • Saíde, com as suas pernas de gazela, começou aos saltos que quase parecia a Margot Fonteyn e dizia... eu já vi!... eu já vi passarinho. 
  • Eu no Mueda era mainato de nosso Sargento. 
  • Um dia senhora no banho, chama...Saìde?... Saìde?.. traz toalha a sinhora. 
  • Saìde levou toalha e viu senhora branca. 
  • E faz favor pá, meu xoriço cresceu 30 kilos pá .

  • Francisco Mota Dores Ahahahahahahahahahahahahahahahah

  • Manuel Neves Silva Gosto do teu modo de escrever...as histórias estão muito bem contadas...Continua tens muito jeito Januario Batista Jorge

  • Manuel Neves Silva Francisco Mota Dores, Obrigado pelo esforço, mas ainda assim o meu texto "Cachicha Maconde" visualiza-se melhor no documento "docx" que postei.

  • Francisco Mota Dores Já clicou em cima das fotos ?

  • Manuel Neves Silva Já. mas o docx abre maior e com mais nitidez