Mostrar mensagens com a etiqueta RA4. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta RA4. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os meus primeiros dias de tropa, por Paulo Lopes

R. A. 4 - Leiria
Para espicaçar a malta a contar os seus primeiros dias de tropa aqui fica mais um pouco do livro: "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Falando nisso, vamos almoçar...
Um militar de divisas douradas em pano de fundo verde tropa (fiquei a saber que era 2º sargento) veio chamar-nos à caserna, agora um pouco mais calma e menos conflituosa com a confusão gerada pelo homem/roupa/apetrechos/cama de cima ou de baixo/cacifo esquerdo ou direito:
— Tudo la fora, rápido. Vociferou com voz de comando num tom feroz a querer meter-nos medo, como se disso houvesse necessidade, a nos, pobres mancebos que ainda nos tremiam as pernas só de ver o lustroso fardamento que enfeitava a besta feita militar.
Após reunidos e perfilados na parada a saída da caserna e sem muitos rodeios, pôs-nos a caminhar mais ou menos ordenados em direção ao refeitório.
Primeira refeição: Chicharro frito com arroz.
Até que do chicharro gostei ou então seria a fome que já fustigava o estômago e resmungava por qualquer ementa, mas o arroz, coitado, parecia feito de um bago só, qual cimento quase seco, enfim, do mal, o menos e dava para afugentar a fome que se ia aproximando dos nossos esfomeados esqueletos!
Decerto que me esperavam coisas bem piores que um simples arroz mal confecionado!
Digo eu!
Estávamos no fim da nossa refeição quando fomos “convidados”, mais uma vez com uma voz de dono do mundo, a apresentar-mo-nos dentro de dez minutos na parada.
Ordens são ordens e a nossa posição não aconselhava a ripostar.
Longe de tal, pelo menos no que tocava a minha pessoa apesar de, interiormente, não ter gostado daquela forma de convite!...

Mas nós já não éramos convidados.
Já fazíamos parte integrante dum objeto que servia para ser amedrontado por frustrações impiedosas de produtos mal acabados e cioso de mostrar o seu pseudopoder.

Já na parada e de formatura efetuada com o esforço dedicado de dois ou três fulanos com divisas vermelhas e em bico também listadas em pano de fundo verde tropa (mais uma que fiquei a saber: cabos milicianos) ficamos a conhecer os nossos futuros protetores e docentes:
Comandante da Companhia: um capitão.
Três listas douradas verticais sobre um fundo verde;
Comandantes de Pelotão: tenentes, alferes e aspirantes.
Duas listas douradas na vertical os primeiros, uma lista dourada os segundos e os últimos também uma lista dourada mas na diagonal do fundo verde.
Por fim, Comandantes de Secção: furriéis e cabos milicianos.
Três listas em forma de sinal de seta sendo duas para um lado e outra para o lado oposto.
Isto os furriéis.
Os cabos milicianos faziam o mesmo desenho mas em listas vermelhas e não tão reluzentes.
Os “maiorais”, aqueles que só aparecem em ocasiões especiais, os que mandam nos que na altura se esforçavam para dar mostras evidentes que eram eles que ali mandavam, iríamos conhecer um pouco mais tarde.
Uma lição importante: há sempre alguém que manda acima de quem manda alguém!...(falta-me descobrir se existe fim, se para nalgum lado, se o animal tem focinho e cauda!...
Ficamos ali mesmo com a nossa primeira lição de obediência hierárquica.
Fomos divididos como quem divide uma partilha e entregues aos nossos proprietários para que estes fizessem de nós “homens a sério”!
Estávamos apenas na primeira semana da nova vida.
Ainda completamente inadaptado a nada nem a ninguém, numa das formações matinais, antes do pequeno-almoço, chamaram uns quantos, um a um, para uma formatura à parte onde, sem saber porque, também estava incluído!...
— Mau'! Que fiz eu para obter tamanha honra de marginalização?
Perguntei para os meus botões que foram, diga-se, meus conselheiros de muitas batalhas dos pensamentos quando tinha tempo, espaço e vontade de pensar!
Depois de separados, ficámos a saber que estávamos escalados para fazer uns testes a que davam o nome de psicotécnicos.
Tal como um toque de interruptor que velozmente acende uma luz, vieram-me a memória alguns conselhos (idênticos ao do engolir uma azeitona!) que me tinham acompanhado para esta vida militar. Conselhos de quem já tinha passado pela tropa e entre muitos, um dos que ficou gravado na minha memória foi:
— Não te armes, nem em muito esperto, nem em demasiado burro.
Fica sempre no meio e se possível despercebido.
Para que serviriam aqueles testes?
Como deveria agir?
Devo esforçar-me e dar o meu melhor ou simplesmente efetuá-los?
Do que constarão os testes?
Foi neste estado de espírito que passei o dia e não consegui obter uma auto-resposta.
Mas venham de lá esses testes!
Que coisa mais burra!
Ou foram estupidamente elaborados ou propositadamente de aparência estúpida!
Testes tão fáceis que não dava sequer para tentar não saber fazê-los.
Já não me recordo de todos, mas um ficou-me memorizado: parecia um brinquedo de crianças, daqueles que dizem para que idade que foram concebidos e contava para pontuação não só a colocação de umas peças no local correto mas também o tempo que demoraríamos a efetuar essa tarefa.
 
Desconfiei daqueles testes e fiquei a pensar se estávamos simplesmente a ser gozados ou mesmo a ser testados mas de uma maneira diferente do que estava habituado nos tempos não muito longínquos das cadeiras das escolas e com testes bem mais complicados.
Terminados os testes de secretária feitos num só dia, passámos a outros, aos físicos:
Na manhã seguinte e previamente avisados, estávamos novamente formados à parte e conduzidos à pista dos obstáculos físicos.
Comecei a pensar que deveria dar o meu melhor e que talvez, com isso, retirasse alguns dividendos que me pudessem aliviar de funções mais pesadas e fosse colocado numa secretaria militar dum qualquer quartel, conforme o anjo me falava, de quando em vez, atrás da orelha a quem eu, já desconfiado, respondia na orelha dele: e eu sou o Pai Natal!
Conflitos de pouca monta!
Iniciámos então os diversos exercícios físicos sempre acompanhados e vigiados de perto por graduados que apontavam, penso eu, as nossas aptidões!
Daquilo gostava eu.
Desporto sempre foi comigo.
Mas de calções, ténis e camisola, não fardado e com botas da tropa!
Essa e que eu não esperava!
Entre saltos em comprimento; corrida de obstáculos a percorrer o mais rápido possível um determinado espaço; ora correndo ora rastejando por baixo de arame farpado ou saltando por entre pneus suspensos por cordas a troncos de arvores, tal qual macacos, foi mais ou menos fácil de transpor para todos os intervenientes mas, andar em travessas com um palmo de largura a três, ou mais, metros do chão e saltar daí para um tronco de árvore que distava cerca de um metro, agarrar-se a ele e por ele descer, complicou a situação para uns quantos, do que não se livraram duns certos nomes e risadas.
Gostei de fazer todos aqueles exercícios e fi-los com determinação e uma perna as costas esquecendo que estava a ser classificado para algo que desconhecia.
O desporto sempre injetou em mim uma espécie de analgésico com efeitos imediatos fazendo com que me concentrasse no que fazia esquecendo o que viria a fazer ou o que tivesse feito!
Resultado intermédio: fiquei, no conjunto dos testes, psicotécnico e físico, em segundo lugar.
Resultado final: guia de marcha com mais uma boa mão cheia de camelos com as mesmas bossas que eu, para o quartel das Caldas da Rainha.
No final da segunda semana de clausura, mandaram-nos descansar para casa esse fim-de-semana, não sem que antes ter de devolver as tralhas que já tinham colocado a nosso uso e de nossa inteira responsabilidade.
 
Eu e mais uns quantos “magalas” já não regressaríamos a Leiria tendo na mão uma guia de marcha com destino ao RI 5 onde teríamos de nos apresentar na segunda-feira seguinte.
 
Paulo Lopes (20130827)