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sábado, 8 de dezembro de 2018

O dia 9 de junho é um dia muito difícil para mim..., por Rui Briote

Bom dia Amigos! 
O dia 9 de junho é um dia muito difícil para mim e por motivos óbvios, pois a grande maioria sabe do significado desta data. 
Para me tentar aliviar um pouco que seja, decidi partilhar convosco um relato desse dia fatídico e não só...um forte abraço a todos.



A MINHA " CRUZ DE GUERRA"...
Como esquecer aquele fim de tarde de 9 de junho de 1973. 
Impossível, visto que carrego no corpo e na alma, as consequências nefastas feitas por um pequeno objecto. 
Obrigado meu Deus por me permitires, ainda hoje, poder descrever o que aconteceu. Podia ter ficado naquele local para sempre, ou melhor ter saído de lá num caixote de madeira.

Era ainda um jovem de 23 anos. 
Estava a cumprir o serviço militar obrigatório. 
Encontrava-me no quartel, a tomar a minha bica, depois de ter feito um reconhecimento aos morros circundantes ao mesmo. 
De repente, eis que ouvi um rebentamento e, como impelido por uma mola, dirigi-me a correr para o quarto, se assim se podia chamar. 
Entrei por uma porta, apanhei a minha G3 e saí pela outra. 
À saída, já preparado para dobrar a esquina do mesmo, fui projectado de encontro à parede por um forte rebentamento de uma granada de morteiro. 
Caí, tentei levantar-me, mas o máximo que consegui foi sentar-me. 
Atingido por vários estilhaços em todo o corpo, sendo um dos mais pequenos aquele que me provocou maiores danos, pois foi mesmo directo à medula, queimando-a na extensão de cerca de sete centímetros. 
Tentei levantar-me, mas não consegui. 
Gritei a todos os pulmões "Não sinto as pernas". 
Como resposta ouvi um eco "O Briote está sem pernas". 

Entretanto, o ataque prosseguia e eu a " assistir" impotente. 
Parecia um pesadelo, mas infelizmente era uma realidade e crua. 
Senti-me revoltado e como vi um very light azul lançado do aldeamento, dei uma rajada em direção ao mesmo, tal a minha revolta. 

O meu corpo já não me obedecia e era um ser humano totalmente indefeso. 
Eis, que de súbito, surgiram camaradas, que pegaram em mim, debaixo de fogo, e me conduziram em direcção à "enfermaria". 
Aí, o Gardete, com palavras encorajadoras, procurou animar-me. 

Entretanto as dores começaram a surgir.
Queixei-me da barriga, dum braço e foi a partir daí que a morfina começou a ser injectada. 
Senti-me desfalecer. 
O meu pensamento foi remetido para bem longe, onde os meus entes queridos estavam... a minha namorada e restantes entes queridos. 
Voltaria a vê-los e abraçá-los? 
Seria uma incógnita... Os meus camaradas foram rapidamente picar a pista, colocar luzes ao longo dela a fim de ser evacuado, mas não houve nem um héli ou avioneta que me fosse buscar.

Só no dia seguinte fui evacuado para Mueda,e quando cheguei colocaram-me no chão e lá me deixaram entregue a mim mesmo. 
Pouco tempo lá estive, pois a gravidade do ferimento exigia ida para outro hospital. 
Fui para Nampula onde fui sujeito a não sei quantos RXs. 
O pessoal que me rodeava dizia-me "Voltará a andar, tenha calma e coragem". 
Que mais podiam dizer?

No dia seguinte rumo a Lourenço Marques, pois o único neurocirurgião existente naquelas paragens, encontrava-se lá. 
Aí chegado, fui logo encaminhado para o hospital civil. 
Entretanto já se tinham passado quatro dias. 
Senti-me abandonado, pois sentia falta de apoio em todos os sentidos. 
Com surpresa vejo surgir o primeiro médico que tinha conhecido no Chai, mais propriamente o Sequeira. 
Deu-me um reconfortante abraço e logo reparou que ainda estava coberto de sangue... 
Pegou em mim e juntamente com a anestesista, lavou-me com álcool. 
Sim, não estou enganado ! 
A médica reparou que tinha um grande corte numa perna e então lá me deu uns pontos ...tudo isto passado quatro longos dias.

Permaneci 11 dias no Miguel Bombarda, assim se chamava o hospital, onde todos os dias recebia a visita de manhã do Murinello, médico do Chai que estava de férias, e de tarde do Amigo Sequeira com a sua linda filha ao colo.

Como a operação era constantemente adiada, houve que mexer cordelinhos, pois não poderia estar mais tempo sem a fazer. 
A evacuação para a " Metrópole" aconteceu finalmente. 
No avião vinha o Kaúlza e família e lá no fundo lá vim nas traseiras do avião, que era o local onde vinham as macas. 
O "senhor" levantou-se, o que me foi comunicado pela enfermeira pára-quedista, mas não se dignou vir dar uma palavra de apoio aos feridos. 
Mentalidade tacanha ...
A aterragem foi por volta das 3 das manhã com ida imediata para a cirurgia de oficiais. 
Passei uma noite cheia de febre e quando acordei, deparei com um grande ramo de cravos, deixados pela enfermeira. 
Lindo gesto sem dúvida a quem nunca tive oportunidade de agradecer, tentei, mas em vão.

Fui operado poucos dias após, permanecendo internado cerca de um mês. 
A primeira semana pós operatória foi muito crítica. 
Tudo o que comia vomitava, inclusive a própria água. Mas lá consegui arribar, começando a comer tudo o que me aparecia pela frente. 
Quando saí, um mês depois, rumo a Alcoitão, as empregadas sussurravam-me - "Nunca esperámos que conseguisse safar-se". 

Felizmente aconteceu e em grande parte o devo à dedicação da minha namorada, que desde que fui internado nunca me deixou....GRANDE MULHER.

Em Alcoitão permaneci cerca de um ano, onde tive uma assistência excepcional da parte médica, de enfermagem, das terapeutas e das (os) auxiliares. 

Saí de lá em julho de 74 numa cadeira de rodas rumo a uma nova vida que não seria nada fácil...


Já lá vão 44 anos.....
Amaro Pereira Sou testemunha pessoal, valente e amigo Rui.
Também recordo bem esse dia.
Forte abraço.
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Não consigo conter as lágrimas! 
Sim porque os homens também choram!!! 
Não "vivi" na pele, esse trágico acontecimento, mas acompanhei um idêntico de um "ex-camarada d'armas", ferido, eram passados 21 dias de "guerra"! 
Julgo que foi o vosso Batalhao que nos foi render. 
Também "experimentei" uma cadeiras de rodas, felizmente só por 1 mês e 26 dias! 
No HM125, fomos visitados pelo Kaulza ....que lá do alto dos seus galões, me olhou de "suslaia"....e nem uma palavra!!!? 
Só uma "peruca" do MNF (o penteado oxigenado, assim dava a entender!)...me questionou: - Foi mina? 
Aqui recordo que o lambe-botas do Sarg da Enfermaria, de "Brise" na mão a pulverizar o nosso quarto, pois as senhoras não podiam cheirar o odor a cavalo, do nosso corpo! 
Eu afinal estava enganado, por que nos tempos de hipismo, as namoradas diziam que o que mais as atraía, era o cheiro a cavalo!! 
Bem....como toda a vida escrevi, "sem rede"...perco-me!!? 
Tudo para lhe dizer....que essa força, essa história de vida, causa uma admiração ainda maior....e pasme-se que, sendo vizinhos, ainda não tive o grato prazer de lhe dar um grande e forte abraço. 
Bom fim de semana, caro Amigo.

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Manuel Maninha Amigo Rui Briote ao ler  teu testemunho sinto me muito imocionado, recordo esse dia como se fosse hoje,momento muito difícil k todos nós passamos,mas tu em particular foste bafejado pela infelicidade, força meu amigo do fundo do coração te desejo o melhor k à mundo e a todos os k te são queridos,um grande abraço.

Antonio Cunha Amigo Briote

Relatas o dia mais difícil de toda a tua vida em estado de revolta, pois realmente nao e para menos.
Mas todos que conviveram contigo temos sempre presente que foste um amigo muito especial!!
Admiramos a tua coragem depois de tudo o que se passou e tu continuas a ser sempre o mesmo brincalhão .
Uma palavra de carinho a quem sempre esteve contigo e nunca te abandonou, pois isto e uma verdadeira história de amor toda ela verdadeira . e que dificilmente se encontra.
Por ser real , tens que dar muitas graças a Deus , porque tens uma retaguarda muito forte e te da forca para viveres com o carinho que mereces!!
Um abraço




Duarte Pereira Eu, que tenho quase sempre uma resposta ou comentário na ponta da língua, estou entramelado .

Motivo errado o da nossa mobilização. 
O local errado, a hora , o minuto e segundo errados naquele dia errado.
Passaram mais quarenta anos e diariamente ter de recordar aqueles poucos segundos que te acompanharão para sempre.
Graças a Deus, os teus familiares e amigos vão conseguindo minimizar o teu sofrimento exterior e interior. 
Temos de seguir em frente. Abraço



José Guedes Amigo Briote, depois de ler o teu texto e todos os comentários que foram escritos que mais poderei dizer, apenas que fiquei emocionado mesmo sabendo que metidos numa guerra tudo nos podia acontecer, mas mesmo com todo esse sofrimento ainda bem que está cá para nos poderes contar este triste acontecimento e já agora os parabéns para as pessoas que sempre estiveram a teu lado e ajudado a que o teu sofrimento fosse menos doloroso, um grande abraço de amizade que sabes bem que é do coração,...




Jose Capitao Pardal Caro amigo, como sabes nesse fatídico dia não estava no Chai, pois ainda me encontrava internado no Hospital Militar de Nampula.

E ainda não tinha conhecimento completo do que se tinha passado nesse dia, mas acredita que as lágrimas me vieram aos olhos... Um grande abraço, Rui Briote. 
Só quem passou por elas sabe dar o valor...
Jose Capitao Pardal
José Lopes Vicente Como podemos esquecer esse fim de dia.
A tristeza que todos sentimos quando terminado o ataque soubemos da tua situação e toda a companhia se uniu em redor de ti para tentar diminuir o teu sofrimento.
Coube ao meu pelotão fazer protecção à pista e rezar para que a evacuação pudesse ser feita.
És um exemplo para todos nós.
Um forte ABRAÇO.



Rui Briote Boa noite a todos! Muito e muito obrigado pelas vossas palavras de apoio. 
A Vida não é nada fácil, mas será melhor vivida com a vossa Amizade sã...um forte abraço de gratidão a todos Vós Amigos



Livre Pensador Amigo Briote, depois de tudo o que foi dito e do tanto que foi dito, apenas te posso desejar que continues a ser o mesmo HERÓI que sempre demonstraste ser. 
Um abração, meu amigo. Ribeiro.



Rui Briote Abração Amigo
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Livre Pensador Também jamais me esquecerei desse dia (9/6/73) porque para além do ataque e do teu infortúnio, foi o dia em que cheguei ao Chai, regressado da Metrópole depois de ter casado.
Rui Brandão Quando leio as tuas linhas que acabaste de escrever, a minha revolta é exponenciada. 
Fomos a tal carne para canhão. 
Milhares de jovens como tu ficaram marcados para o resto da vida e outros tantos com a vida marcada para o fim. 
Não tenho palavras para dizer o que sinto meu companheiro, por incrível que te possa parecer, vivemos também um sofrimento esquisito e sem definição. 
Revolta sim, mas ao mesmo tempo um certo complexo de culpa por não termos a mesma mazela do que tu. 
Claro que nunca será justo!!! 
Resta-nos as tais palavras de conforto melhor ou pior conseguidas. 
A impotência toma conta de nós. 
Contamos contigo para ires buscar forças não sei onde (sim, tens que ser tu, por que mais ninguém o consegue fazer...) para continuares firme ao lado da tua mulher/companheira que merece a tua imponência de personalidade forte e encorajadora. 
É verdade, por vezes temos que ser nós que dar força e coragem àqueles que nos "levantam". 
Vai em frente companheiro. 
O futuro está ai. 
Abraço-te meu jovem companheiro.



Fernando Afonso Ao longo de todos estes anos sempre evitei falar (não esquecer) deste período negro da nossa vida, mas quando confrontado com este e outros relatos, os meus sentimentos são de tristeza e revolta. Perdeste muito de ti, mas ganhaste um batalhão de amigos. 
Que Deus te ajude. 
Um abraço.




Francisco Gonçalves Briote, cada um tem a sua cruz. 
Algumas são temporárias, a tua é perene. 
Tu é a tua família têm sabido superar. 
Tendes sido fantásticos na união, na força e na alegria que conseguis transmitir. 
Sóis exemplo. 

Grande abraço

terça-feira, 14 de novembro de 2017

E Ribaué!!!, por Rui Brandão

E Ribaué? 

Alguém ainda se lembra do que se trata? 

Presumo que a malta das Companhias operacionais esteja completamente a leste acerca deste nome.

Pois é... este foi o local para onde a C.C.S. foi "estagiar" já com 25 meses de comissão. Filhos da p....
...
Em Ribaué foi dos sítios onde mais veio ao de cima a operacionalidade da C.C.S. 
Aí sim, exaustivamente fazíamos NÉPIA!!!

Para vos dar um exemplo, eu como 2º Sargento miliciano (entretanto já tinha sido promovido) Radiomontador, não tinha oficina e nem sequer ferramenta (ao menos um alicate ou uma chave de fendas...).

Hoje publico uma foto tirada a um Domingo numa povoação (Iapala) a 30 Kms de Ribaué, onde fomos a um bailarico. 

A minha homenagem ao Bernardo que estava de serviço nesse dia. 

Fazem parte do conjunto, o Jorge Costa, o Mota e o vadio Rui Brandão. 

Já podíamos andar vestidos à civil. 

Que maravilha, que grande compensação!!! Filhos da p....



sábado, 24 de junho de 2017

O Saco de Batatas, por LLP, no blog: http://alea.blogs.sapo.pt

Quase nada de um pouco de tudo.
blog: http://alea.blogs.sapo.pt
Segunda-feira, 06.05.13
Poucos dias depois da operação de Tartibo, fui visitar os trabalhos em Nangade.
Tartibo, pequeno estacionamento militar no alto das margens do Rovuma, fôra a minha última missão.
Cada vez que chegava a época das chuvas a companhia que estava estacionada lá em baixo a pouca distância das margens do rio, era literalmente submergida pela enorme cheia, obrigada a dormir no alto das árvores e a passar as rações de combate por um sistema de cordas. Era, compreende-se, uma situação insustentável e a exigir uma nova localização e um outro estacionamento para a desgraçada companhia que lá ia ficar.
Foi o que fez o meu pelotão.
Ainda me lembro da minha ânsia em me refrescar quando chegámos ao Rovuma, depois de um penoso, poeirento e  matagalento percurso desde Mueda. 
Precipitei-me, todo vestido, botas e tudo, para uma pequena lagoa no meio de descomplexadas gargalhadas dos “ mainatos “. 
“Porque é que te estás a rir, meu malandro ? 
“crocodili alferi, crocodili” e riam-se a bandeiras despregadas.
                                                
Na altura não achei piada, como também não achei piada à sessão de certeira morteirada com que foi brindada a partida da engenharia depois do trabalho concluído. 
O meu recente amigo, professor de filosofia na vida civil e então capitão miliciano da companhia de caçadores que lá ficou, também não.
Nangade só se parecia com Tartibo pela proximidade do grande rio. 
Aldeamento relativamente importante, no alto de um planalto, rodeado e semeado de cajueiros, era limpo, bem administrado e sede de um batalhão. 
Lá a guerra parecia longe e era quase como que um descanso para a tropa de engenharia ali destacada.
De Nangade só tenho boas recordações, começando pelo “meu“ comandante, grande senhor, oficial de cavalaria, culto, de invulgar competência e com particular simpatia pela engenharia.
“Ó António” dizia ele para o cozinheiro, com a sua careca vermelha e escorrendo suor “este caril não está suficientemente picante aqui para o nosso alferes...” e olhava para mim sorrindo amigavelmente. 
E (como posso esquecer?) aquela visita que um dia recebi de outro oficial superior de outra arma vindo de Nampula, que não percebia nada de nada e, ainda menos, as minhas reservas quanto à utilização da pista, por nós recém-construída, para aviões Noratlas. 
“Compactação? Compactação? Que não está em condições? Isto está bom, isto está bom”, exclamava ele convicto depois de bater com a bota no chão, como se aquele bater de bota fosse equivalente ao impacto de uma aterragem de mais de 15 toneladas...
Foi, pois, com prazer que um dia voltei a levantar vôo de Mueda em direcção a Nangade.
Ia com o meu  amigo de infância André, piloto da força aérea e que, depois de tantos perigos e missões arriscadas na fronteira Norte de Moçambique, morreu tragicamente num naufrágio aqui, perto de Peniche. 
“Olha” disse-me ele “hoje não vens ao meu lado. 
Isto está a abarrotar com tudo e mais alguma coisa. 
Vais atrás de mim, ali em cima dos sacos de batatas”.
           
                                           
“Está bem”.
E a DO levantou, mas não como era hábito, levantou em parafuso, na vertical. 
“Recebemos informações. 
Isto hoje não está bom, os gajos estão lá em baixo e mais vale nós irmos alto, muito alto”. 
“Está bem” e olhava lá para baixo para Mueda que, felizmente, se afastava cada vez mais. 
Ficava tudo o que eu conhecia estranhamente pequeníssimo. 
Era uma sensação algo desagradável, nada que se parecesse com os inebriantes vôos que tinha feito de heli escoltado por dois T6, quase lado a lado e a rasar a copa das árvores. 
E subimos, subimos na vertical até o André achar que já era seguro e, depois, rumo a Norte. 
Chegámos àquilo que para mim era um oásis.
 “Os gajos estavam lá” disse-me ele inspeccionando a fuselagem e ao meu olhar interrogativo respondeu apontando para um buraco de bala na barriga do nosso aviãozito. 
“Cá está” e riu-se. 
Eu menos, era mesmo por de baixo do saco de batatas onde eu viera sentado.
”Ó António, hoje o caril tem que estar muito picante... ver se animamos aqui o nosso alferes”, exclamou o "meu" comandante quando soube da ocorrência.
Pois.