quarta-feira, 20 de maio de 2020

A Ida para a Guerra..., por Livre Pensador

Livre Pensador
20/05/2020

A Ccav. 3508 saiu de Porto Amélia no dia 20 de Fevereiro de 1972 com destino a Macomia, onde se encontrava o comando do nosso Bcav. 3878. 

A chegada a Macomia deixou-nos a suspeita de estarmos finalmente no "mato", porque a civilização (Porto Amélia) tinha ficado para trás, a cerca de 200 km. 
No dia seguinte (21 de Fevereiro) retomámos o nosso percurso com destino ao Chai, escoltados pelo Esquadrão de Cavalaria. 

Para progredir na picada com alguma segurança, o Esquadrão fazendo fogo de reconhecimento nos locais considerados mais suspeitos e/ou perigosos. 
Ficou claro para nós, chequinhas, que estávamos em pleno "mato ou morro"! 
E assim que chegámos ao Chai pelo fim da manhã e conhecemos o seu quartel, de imediato ficámos com saudades de Macomia. 

A ponte e o José Capitão Pardal

Mas as surpresas não se ficaram por aqui. 


O meu pelotão foi de imediato destacado para seguir para a ponte do Messalo, a cerca de 10 km do Chai, onde era feito o reabastecimento de água, e considerado um ponto nevrálgico para a ligação da estrada até Antadora. 
Foi a primeira vez que vi escavações subterrâneas cobertas por troncos e terra, a que chamavam abrigos, onde passámos a viver 24 horas por dia, como autênticas "toupeiras humanas"!!! 
Muitas "emoções" para um só dia. Aqui vos deixo uma foto do nosso "resort" do Messalo com os seus "maravilhosos bungalows". 
Abraço virtual a todos.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Hora do Banho..., por Livre Pensador


Livre Pensador
13/05/2020
Quem é que ainda se lembra do " QUEM VEM LÁ FAÇA ALTO" ou do " SENTINELA ALERTA" ou também do "ALERTA ESTÁ"? 
Eram estas frases que se ouviam durante a noite nos quartéis deste País, protagonizadas por quem estava de sentinela e pelo sargento de dia que fazia a ronda pelos vários postos. 
E era "mascarado" da maneira que se vê na foto que eu fazia esse serviço de sargento de dia no RC4 em Santa Margarida. 
Foi precisamente lá que eu, pela primeira vez, me apercebi de como seria a vida no interior remoto de vida no interior remoto de Portugal. 
Nascido e criado em Lisboa, nunca me passou pela cabeça que pudessem existir aldeias sem luz, sem água, sem escolas, sem estradas e sem tantas outras necessidades básicas que deixavam as populações completamente isoladas e abandonadas. 
Tudo isto vem a propósito de lhes contar uma história passada comigo em Sta. Margarida. 
O pelotão ao qual eu dava instrução era constituído por militares de várias regiões do interior do País. 
Naquele tempo só não era aprovado para "TODO O SERVIÇO MILITAR" quem não tivesse braços ou pernas. 
Por isso, no meu pelotão todos tinham cabeça, tronco e membros, mas havia dois soldados em que, infelizmente, nada existia dentro das suas cabeças. 
Um deles, jamais esquecerei o seu nome, chamava-se Águeda. 
Certo dia uns quantos soldados vieram ter comigo a queixarem-se do mau cheiro que o Águeda tinha. 
Diziam que era impossível dormir perto dele. 
Prometi-lhes que, como no fim de semana a seguir ia ficar de sargento de dia, eu me encarregava de levar o Águeda ao banho. 
E assim fiz. 
Nesse fim de semana convidei o nosso homem a acompanhar-me ao chuveiro. 
Disse-lhe para se despir e tomar banho. 
Ele despiu-se e, para meu espanto, a sua pele tinha um tom bronzeado escuro, não provocado pelos raios solares, mas sim pelo acumular de tanto lixo! 
Das suas botas saíram umas meias bastante desfeitas que envolviam uns pés cobertos por autêntica lama! 
Acreditem que não estou a exagerar! 
O Águeda lá se pôs debaixo do chuveiro a ali ficou impávido e sereno. 
Tive de lhe dizer para pegar no sabão (macaco) e esfregar no corpo. 
Quando o sabão começou a fazer espuma na sua pele, ele desatou a rir, e disse-me que nunca tinha usado uma "coisa" daquelas!!! 
Concluí então que o sabão macaco deixa tudo mais branco! 
Aquele exemplo despertou-me para a realidade do nosso País antes do 25 de Abril de 1974 e para a qual eu, como "rato" de cidade, não estava minimamente consciencializado. 
Foi mais uma boa lição de vida!
A imagem pode conter: Livre Pensador, em pé, planta, árvore, ar livre e natureza

Comentários
  • Nessa época era assim o “modus vivendi “ por todo o País. 
  • Portugal era e o resto era paisagem. 
  • Também tive um caso idêntico a esse em Sta Margarida e quem conviveu comigo tem conhecimento dele. 
  • Felizmente que hoje a realidade é diferente, mas há tentativas de centralizar tudo em Lisboa e o resto que se amanhe, mas isso é mais de índole política e para aqui não é chamada. 
  • Parabéns Amigo e tem um ótimo dia.? Abraço
  •  Livre Pensador ( Ribeiro), ora aqui está uma foto à maneira, tudo muito aprumado e os arreios a ajudar a endireitar as costas e se fosse nestes dias, a segurar a barriga :) .
  • A história que contas realmente é de bradar aos céus, o instruendo não terá passado por uma inspecção? foi vacinado ?
  • Em toda a vida militar só apanhei dois ex-militares um pouco mais "encardidos", o soldado básico Alcino, ajudante de cozinheiro e o Marques, furriel do 3º pelotão que se transferiu para os GE;s do Chai.
  • A foto talvez ficasse melhor com uns tons de verde .
    Parabéns pelo aprumo.
  • Amigo Livre Pensador ( Ribeiro ) um texto bem imaginado e que infelizmente para muitos era uma realidade. 
  • Hoje em dia só é porco quem quer, mas antigamente muita gente era porca porque não tinham onde tomarem um banho, lembro-em que só tomava um banho uma vês por semana, tinha que ir buscar água ainda a uma distancia razoável e o banho era numa bacia daquelas de chapa, ainda tinha sorte porque por baixo da casa tinha-mos uma pequena loja e era nesse lugar que há vez tomávamos o nosso banho.
  • Felizmente que tudo foi mudando para melhor depois do 25 de Abril e custa-me ver e ouvir ainda muita gente com saudades do passado,
  • Claro que Lisboa era Portugal o resto eram paisagens, hoje um pouco menos mas ainda existe muito disso, há coisas que mudaram pouco mas as que mudaram foi para melhor,.. grande abraço mesmo sendo virtual,..
  • Amigo Livre Pensador (Ribeiro)! 
  • Belo texto e demonstrativo das realidades que, apesar de tudo mas não com a intensidade extrema de outrora, nem aproximadas, mas ainda existe gente sem luz eléctrica, sem escola por perto, sem transportes e sem água canalizada! 
  • Uns porque não querem, outros porque não têm como pagar esses "luxos" e ainda outros por falta de vontades políticas! 
  • No entanto há quem tenha tudo isso e mais um par de botas que não paga nada e ainda por cima recebe sem nada fazer nem nunca ter feito! 
  • Arestas que uma democracia séria e equitativa tem de limar porque a perfeição não existe!
  • Também nasci e fui criado na cidade capital mas não andava assim tão distraído e, apesar de pouco (ou nada) contactar com as gentes que passavam por coisas que a grande maioria dos citadinos nem sonhavam, sempre me tentei aproximar das realidades que uma feroz ditadura nos impunha e por vezes conseguia roçar a pura verdade!
  • A tropa foi, sem dúvida, uma abertura para a vida para muito boa gente que, pelas razões que conhecemos, não passavam da sua área restrita de movimentos e de conhecimentos apesar de terem outros conhecimentos de trabalho que nós, os citadinos, seriamos uns completos ignorantes na matéria, perto deles!
  • No que a mim diz respeito, o meu tempo de tropa, apenas atrasou em tudo a minha vida tanto profissional como académica o que, nesta ultima, dou a mão à palmatória, pelo meu pouco interesse e empenho!
  • Aprendi muita coisa sim, porque estamos sempre a aprender e, estando atentos, tiramos sempre algum sumo dessa fruta mas que possa dizer que me foi benéfico não o posso afirmar!
  • Quanto às frases tipicamente militares que apresentas, confesso que as conheço (pois então) mas não me lembro de as aplicar muitas vezes já que, em Tavira, por exemplo, não tinha vaga para dormir lá dentro e disso me aproveitei para pernoitar fora do quartel!
  • Em Beja, já como instrutor e não instruendo, nem me lembro de fazer serviço de sargento de dia mas sim, muitas vezes, de PU!
  • Abraço amigo Livre Pensador e obrigadinho pelo texto.

    • A primeira vez que fiz reforço foi ainda na recruta em Castelo Branco, na semana de campo, eu estava da sentinela a companhia tinha saído para instrução nocturna regressou passou ai uns 5 metros de mim não os vi nem eles me viram, como não respondia ao sentinela alerta, vieram em minha procura estava ferrado encostado a um pinheiro.
    • Duarte Pereira José Dias Nunes o teu futuro de combatente já estava com o destino para a secretaria.
      Gerir
    • José Dias Nunes Na secretaria fazia reforço de 4 em 4 dias,
      Gerir


segunda-feira, 27 de abril de 2020

A Berliet não queria subir a Serra Mapé, por Paulo Lopes

Paulo Lopes 



Sendo assim e para dar uma "achega" à verdade que o amigo Armando Guterres fala no seu comentário em cima, lá vai mais um pouco do livro. 

Só para chatear.
Poderá dizer-se que a coluna decorreu normalmente se nos debruçarmos sobre o aspecto de minas, armadilhas ou emboscadas, mas se olharmos para outros aspectos menos perigosos mas igualmente demolidores, a coluna correu-nos bastante mal.

Logo no inicio da subida da serra a Berliet, que sempre insistíamos em levar pela sua capacidade de carga que poderíamos transportar, mas que nunca ou raramente conseguíamos que subisse a serra, e por mais tentativas que fizéssemos, teimou em não subir.

Teve que se alterar o projecto!. 
Duas secções do 1ºgrupo de combate regressaram ao estacionamento com a Berliet.

Segunda contrariedade: tínhamos sido informados que as pontes já estavam consertadas. 
Tretas!

Quando chegamos as pontes verificamos que só uma estava reconstruída. 
A outra estava no chão, ou melhor, não era ponte!. 
E esse pequeno pormenor não nos dava um acesso muito fácil a passagem das viaturas para o outro lado do riacho. 
O outro lado que estava tão perto e que se tornava demasiadamente longe para as nossa pretensões!  

Tivemos de inventar e colocar em prática a nossa veia do desenrasca que tanto caracterizava o nosso exército. 

Tinha de ser uma intervenção rápida e sem muito alarido. 
Aproveitamos os nossos habituais "turistas" que sempre nos acompanhavam até Macomia, auxiliando-nos na busca e abate de troncos que proporcionassem a nossa tentativa de solução para atravessar o riacho com um pouco mais de segurança. 
Ou não!. 

Depois deste trabalho suplementar, feito duma forma muito rudimentar, prosseguimos a marcha com todos nós de semblante abatido, mental e fisicamente cansados. 
E ainda faltavam tantos quilómetros para percorrer!!. 

Terceiro contratempo: mais a frente, uma viatura avariou! 
Outra paragem. 
Cada vez mais se notava nas nossas faces a saturação. 
Estas paragens prejudicavam bastante o ritmo de andamento e cansava-nos muito mais. 

Cada paragem é sempre um tónico para não recomeçar. 
Para mim, estas paragens, davam-me a coragem de voltar a pensar. 
A bem dizer, não eram pensamentos, mas recordações que me perseguiam na minha fraqueza e dava comigo a perguntar-me: — Que estamos nos aqui a fazer? 
Que vida é esta para jovens de vinte e poucos anos? 
Porque nos estão a tirar este tempo da nossa existência? 

Mais uma vez me veio à lembrança a flor do cano da minha espingarda, mas o que mais fez estremecer todo o meu ser, foi o pensamento de que, com toda a certeza, todos os verdadeiros culpados da guerra estariam bem confortáveis junto das suas famílias, longe de quaisquer perigos eminentes, saboreando o prazer de viver sem, tão pouco, lhes doer a consciência nem pensar no que estavam a fazer a maioria da juventude portuguesa. 
Mas tudo a bem da nação. 
Mas porque é que estas situações não acontecem como no tempo dos nossos primeiros Reis? (pelo menos como nos foi contada nas aulas de Historia de Portugal! (Será que era mesmo assim?) 
Eram eles, os Reis, que iam para a frente da batalha! 
Pois. 

Foram horas sem conto, de sofrimento e angustia e já o sol se afogava no longínquo horizonte quando finalmente chegamos a Macomia. 

No dia seguinte e como já estava mais ou menos previsto, fomos proteger os trabalhadores na apanha do caju. 
Uma das várias fontes de receita para engordar contas bancárias de uma meia dúzia de abutres e claro, untar as mãos dos energúmenos brigadeiros, coronéis, marechais e outros que tais que estão a mais! (mentira!! Estou a brincar!!!). 

Mas quem ia proteger essa receita? 
Nós, pois então! 
E quem a iria apanhar a troco de quase nada? 
Os nativos, claro e transparente como a brisa que sopra nas tardes limpas do calor de África!

  • paulo lopes
    in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"