quarta-feira, 11 de julho de 2018

O Paludismo..., por Manuel Bastos, apresentado por José Leitão





José D'Abranches Leitão

PALUDISMO (Quantas vezes ficámos "de molho"!!!!)

O parasita Plasmodium ao atravessar o citoplasma de uma célula epitelial da fêmea do mosquito, na forma com que penetra no corpo do ser humano e de outros vertebrados
O Paludismo

I

O vale de Miteda, visto de cima, é um oceano vegetal. 

Para qualquer lado que se olhe só se vê a mancha verde-musgo da floresta. 
Ao longe, a Norte, somente o Planalto dos Macondes quebra esta monotonia oceânica. 
Um pouco acima das copas das árvores passa uma silhueta de insecto, com a sua cabeça grande, os olhos enormes ocupando a cabeça toda e o corpo alongado. 

Não se vêm as asas, apenas um halo translúcido provocado pelo movimento do ar. 
Chama-se Alouette III e dirige-se solitário, para Sul. 
É estranho que vá tão baixo e ande tão tarde longe da base.

Acima, muito acima do helicóptero, outra silhueta parecida com ele pertence mesmo a um insecto. 
Não menos estranho que voe tão alto e já ande por aqui tão cedo. 
Não pode ver o Alouette, nem tampouco a enorme lagarta, constituída pelo primeiro grupo de combate da CART 3503, que serpenteia lentamente na picada lá em baixo. 

Não pode vê-los porque se trata de um Anopheles Gambiae fêmea, e os mosquitos não vêm, só distinguem a luz da sombra. 
Talvez lhes baste, para saberem quando chega a noite, ou para fugirem às palmadas com que nós, normalmente com os nervos em franja, os tentamos matar. 

Parece pouco para milhões de anos de evolução genética, mas o mosquito faz muito mais do que pôr-nos os nervos em franja, o mosquito é, na verdade, o animal mais perigoso do mundo. 
Uma picada de algumas, de entre as 2.500 espécies existentes, basta para matar um homem e, em África, morre um milhão de pessoas, todos os anos, de uma simples picada. 

Esta anófele, para usar o nome bem português, não precisa de ver os soldados, o dióxido de carbono exalado por eles indica-lhe a uma grande distância que o jantar está pronto. 
Muita hemoglobina suculenta, que os mosquitos não podem ver a refeição, mas por assim dizer, cheiram-na.

O tornado provocado pelas pás do Alluete III aspirou a anófele brutalmente, como se um poder superior quisesse excluí-la desta história, por sabê-la daninha, como é de seu latino nome próprio, porém, esta história está longe de acabar aqui…

A humidade é tanta que custa a respirar. 
O ar tem uma espessura oleosa. 
Estamos encharcados como se tivesse chovido torrencialmente. 
Não tenho um centímetro quadrado do corpo seco. 
A paisagem dissolve-se vinte metros à nossa frente, onde a picada e a fila de soldados desaparecem no nada. 
Parece que caminhamos em direcção a um espelho embaciado que nos vai engolindo. 
O som parece propagar-se como debaixo de água, ouve-se o ruído mais distante como uma percussão nos próprios tímpanos.
Mas vozes, não se ouve nem um sussurro, apenas os passos dos soldados e o ininterrupto fervilhar da floresta. 
Parecemos uma fila de almas penadas. 
Estamos vivos, não há qualquer dúvida; o cheiro acre, inconfundível, da terra húmida de África e o hálito morno da floresta, tão estranhos, mas cada vez mais familiares, chamam à realidade.

À frente o rádio crepita qualquer coisa repetidamente, na tentativa de se fazer entender. 
A antena em forma de fita cresce um metro acima das costas do soldado e vibra no ar com um som metálico. 
O soldado resmunga um chorrilho de palavrões em surdina, intercalados com as frases: "Aqui Charlie Tango. Diga se me ouve, escuto." 
Em resposta, o rádio tossiu e depois calou-se de vez. 
O sentimento de irrealidade regressa e convida ao devaneio. 

Somos uma lagarta gigante de quarenta e seis pernas que avança como se soubesse ao que vai e no entanto, individualmente, nenhum de nós parece ter o ar de quem sabe alguma coisa. 
Num acesso de pânico recordo-me que sou eu mesmo quem de todos nós mais deve saber o que está aqui a fazer. 
Vinte e três homens dependem da minha decisão para irem a algum lado. 
De repente, o mapa que levo no bolso e a bússola pendurada ao peito transformaram-se em objectos estranhos que deixei de saber utilizar. 
Que diabo faço eu aqui? 
Rogo pragas ao alferes que adoeceu, e de repente vem-me à cabeça que se eu der uma ordem estúpida talvez os soldados se amotinem. 
Ora, se a estupidez fizesse amotinar os soldados, nenhum de nós estava aqui agora.

II
O estampido inconfundível de um morteiro acorda-me para as minhas responsabilidades. 
Estiramo-nos no chão aguardando o rebentamento da granada. 
Caiu longe. 
Faço sinal para continuarmos. 
A julgar pelo som, estamos mais perto do local do disparo do que do local do impacto. 
Não parece haver perigo, foi um tiro à sorte, decerto para que uma reacção nossa nos denunciasse. 

Passa um helicóptero sobre nós com aquele som sincopado acompanhado de um silvo. 
Voa muito baixo e vai estranhamente só, provavelmente trata-se de uma evacuação urgente de algum ferido e não foi possível arranjar escolta. 

Começa a anoitecer e ainda estamos longe do objectivo. 
Soa um novo disparo de morteiro, encolhemo-nos um pouco mas não nos atiramos ao chão desta vez, mais por preguiça do que por confiança nos nossos cálculos quanto à falta de pontaria do atirador. 
Se calhar os morteiros são para o helicóptero. 
Ouvi dizer que os turras fazem isso às vezes. 
Seria mais fácil encestar com uma bola de básquete num cesto voador.

Os mosquitos começam a importunar-me. 
Não passam cinco minutos que a minha mão esquerda não pareça um limpa pára-brisas a enxotá-los de um lado e do outro da cara. 
Vão aqui exactamente vinte e três homens e não vejo mais ninguém nesta aflição. 
O alferes Barreiros costuma dizer que é da zurrapa da Bairrada, que se eu bebesse bom vinho verde isto de certo não aconteceria. 
Assim que pararmos lá terei de barrar-me com o repelente que me transforma numa bosta de vaca ambulante e que costuma repelir tudo, até os meus camaradas.
O dia morre de repente e cola-se-nos a noite ao corpo como uma manta húmida e pegajosa.

…Impossível saber o que aconteceu àquele mosquito. 
Aqui em baixo, entre as folhas das árvores onde um risco de luar deixa ver um pouco; uma silhueta escura, a contraluz, na sua habitual posição inclinada, identifica uma anófele. 
Inclinada como um felino que levanta os quadris antes do salto, formando uma linha quase direita com a probóscide, cabeça e corpo. 
Se é a mesma que o helicóptero sugou para baixo ao passar, está em perfeita forma, e o dióxido de carbono, em maior abundância que o habitual, garante-lhe que o terreno de caça foi bem escolhido. Agora é só escolher a melhor presa. 
Ela não vê o soldado que esbraceja como possesso, nem ouve as suas imprecações, mas um componente do seu suor indica-lhe que ele pode fornecer uma boa proteína para o fabrico dos seus ovos, e produzir cerca de 1.000 ovos na sua curta vida de 3 ou 4 semanas requer a melhor proteína que ela puder encontrar.
O soldado deu uma violenta bofetada em si mesmo, mas não por ter enlouquecido de vez: em quase duas horas de autoflagelação, quis certificar-se que antes de pôr o malcheiroso repelente, matava ao menos um mosquito. 
Depois olhou para a mão ensanguentada e sentiu-se vingado.

A anófele acabou inglória antes de ir procurar uma gota de água para largar os seus ovos, mas os parasitas unicelulares que a sua saliva largou, correm agora como torpedos pelo sangue do soldado em busca do fígado. 
Aí se alojarão para a investida final. 
Entretanto multiplicam-se incessantemente. 
Durante os próximos dias o soldado nada notará, talvez um pouco de calor a mais, talvez um estômago mais intolerante à ração de combate, mas aqui se define a sua vida ou morte, dependendo do alvo escolhido pelos torpedos. 
Se for o cérebro, evitará um dia de estourar com uma mina e de dar uma despesa danada ao erário público…

III
A música é a única coisa fluída. 
O ar parou, tal como o pensamento. 
Não parece luz esta claridade tão esquálida e o ar tem uma espessura tão grande que tudo parece preso dentro de uma bolha de âmbar. 
Mas é pura ilusão, toda a vida e o próprio ar devem ter abandonado este lugar e eu não estou mais vivo que o resto, apenas o meu pensamento ainda persiste como um reflexo de uma coisa que aconteceu há muito tempo. 
O meu estômago é um odre virado do avesso e a minha cabeça parece um timbale que estrondeia a cada batimento do coração.
A música, num pequeno leitor de cassetes que alguém deixou esquecido, flúi, é certo, mas não descodificada, como algo que não agrada nem agride, como palavras ditas num língua nunca dantes ouvida, sem qualquer sentido.
Estou sentado na cama sem força para me mexer. 
De duas em duas horas sucedem-se o Verão e o Inverno no meu corpo: dum gelo glacial que me congela o esqueleto dentro do corpo, a um calor dos infernos que me faz saltar os olhos das órbitas. 
O mal-estar atingiu um nível que ultrapassa a capacidade do sofrimento, como o som que de tão agudo se deixa de ouvir.

A janela do meu quarto deixa-me ver o que resta do mundo: uma paisagem descarnada onde as árvores ficam como manchas numa fotografia com o lençol do céu por cima sem cor nenhuma, nem cinzento sequer. 
Vêm-se ao longe três vultos. 
Um mais atrás que parece andar e dois à frente que parecem falar um com o outro. 
Se eu fechasse a janela talvez se respirasse melhor. 
O cigarro entre os dedos, que acendi mecanicamente, gangrena numa torcida de cinza, desafiando a gravidade. 
Sinto o calor da brasa a chegar aos dedos, mas não me mexo. 
Sei que posso mexer-me, se quiser, mas não me mexo. 
Olho apenas os três vultos ao longe que parecem não se ter mexido também. 
Apesar de um, mais atrás, parecer andar. 
Os dedos pulam sob o efeito da dor sem que eu tivesse querido, e o cigarro cai no chão, soltando uma pequena centelha e depois um cabelo de fumo risca o vazio em linha recta à procura, em vão, de uma aragem que o disperse.
A música no pequeno leitor de cassetes é ininteligível, como se a mesma frase musical se alongasse no tempo sem progredir. 
No quadro que a janela desenha na parede do quarto, que olho sem a mínima vontade de fechar, os três vultos continuam no mesmo sítio, embora o de trás, já disse, pareça andar, na pele ressequida daquela paisagem com um lençol de céu incolor por cima. 
Não quero acreditar que isto seja apenas a memória do dia em que morri. 
Não quero ter morrido num dia assim.

…O parasita do paludismo ataca primeiro o fígado e a pouco e pouco, destrói as células sanguíneas alimentando-se da hemoglobina dos glóbulos vermelhos, o que inibe a sua capacidade de transportarem oxigénio, provocando anemia e favorecendo a introdução de toxinas que provocam febres elevadas.
Depois de uma sucessão de várias horas de frio e de outras tantas de febres altas, segue-se uma fase de transpiração intensa que precede, nas ocorrências benignas, o fim da malária e que é acompanhada por uma sensação de alívio e bem-estar…

Acordo e fico completamente desperto. 
Tive um sobressalto com o barulho repentino da chuva que se abateu abruptamente sobre o telhado de fibra de cimento. 
Toda a gente dorme profundamente devido à noite de batota até às tantas. 
A chuva não forma uma cortina, é uma parede compacta, um corpo de água, uma cascata que provoca um trovão contínuo no telhado. 
Acho que se saísse agora para a rua corria o risco de morrer afogado.
No quarto, os outros viram-se para se agarrarem ao sono, mas o ribombar da chuva e o calor sufocante não os deixam sossegar.
Estou completamente encharcado de suor, mas aparte uma grande debilidade e uma ligeira sensação de fome, sinto-me bem. 
Por contraste com o mal-estar dos dias anteriores até sinto uma certa leveza.

A chuva, uma hora depois, parece cansada de tanto cair. 
Agora é uma poalha espessa. 
A água a escorrer por todo o lado faz crer que a terra acabou de emergir do próprio mar. 
As flats; como nós, os furriéis, chamamos às barracas onde dormimos; parecem submarinos que acabaram de vir à superfície. 

O calor, porém, não abrandou nem um pouco. 
Saí da flat e estou completamente nu à beira da principal rua de Mueda. 
Esfrego o corpo todo com sabonete Pati e a chuva lava-o de imediato. 
Em Mueda é a única maneira de tomar banho em água limpa. 
Agora que a chuva amainou já se consegue ver à distância, e há alguém ao longe que parece ter interrompido a corrida para o bar para se certificar que havia um gajo nu no meio da rua. 
Dou por terminado o banho e dirijo-me para a flat, nu, de sabonete na mão, mas com passo decidido e ar digno.

…É assim a roleta russa desta guerra: poupa-se um soldado à morte quase certa, não por humanidade ou por compaixão, nem tampouco por estratégia, apenas pelo mais fortuito acaso. 
Até parece que Deus joga xadrez com eles. 
O que estará reservado nesse jogo a este peão? 
Uma mina na picada de Omar aguarda silenciosa que ele se restabeleça completamente. 
Quem ficará a perder é o erário público.
Manuel Bastos


quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Compreensão da Guerra, por José Nobre



O José Nobre escreveu este texto de uma qualidade impressionante sobre a realidade que viveu...

Ele esteve em Muidumbe (Cabo Delgado - Moçambique), que distava não mais de 40 quilómetros de onde eu estive (Chai), possivelmente em épocas diferentes, dado que o aquartelamento de Muidumbe foi abandonado, creio que antes de Fevº de 1972.
40 quilómetros de picada com uma paisagem deslumbrante, mas de perigos escondidos em cada metro que pisávamos.
Mas o texto posso subscrevê-lo, senão na totalidade, pelo menos em muitos dos sentimentos que a maioria de nós trouxe daquela terra (Moçambique) que nos fez sofrer, mas que aprendemos a amar com todas as nossas forças.
Bem hajas José Nobre...

Jose Capitao Pardal



José Nobre

A Compreensão da Guerra.
Paris – 25 de Abril de 1970.
Pela primeira vez o meu pai questionou-me sobre a guerra, a minha guerra em terras moçambicanas.
Era o dia do seu aniversário. 
Até esse dia, raramente falei da guerra, a interior e a outra, a das armas. 
Estávamos os dois sentados à mesa, enquanto a minha mãe preparava o bacalhau cozido com batatas.
- Nunca falas da guerra em Moçambique.
- Não tenho nada para contar, pai. Voltei e isso é o mais importante.
Calei-me,não sabia o que dizer, o que responder. 

Seis meses depois da minha chegada a Lisboa, depois de ter deixado o navio Niassa, ancorado no caís de Alcântara, vazio, de todos os gajos que corriam para abraçar aqueles que os esperavam. 
Não sabia por onde começar. 
Dizer-lhe que fiz uma coluna militar de Lourenço Marques até Mueda, quase três mil quilómetros de picadas. 
Não te vou contar, guardo essa história só para mim.

Sabes pai, é como ir de Lisboa a Berlim, por estradas de terra batida. 
É veres a riqueza dos colonos portugueses, as grandes plantações de algodão, de café, de ananás, de laranjeiras e de milho. 
É veres a miséria daquele povo negro, que trabalhava desde o dia nascer, até o sol se esconder. 
Não quero chorar, pai, não quero falar das crianças, sim das crianças que nós vimos morrer, e dos comentários que ouvi, “é menos um turra,” diziam. 
Queres que eu te descreva as paisagens moçambicanas? 
Não consigo. 
As trovoadas eram como fogos de artifício, e o cheiro a terra molhada, vermelha, aquela terra que nada tinha a ver com a nossa, mas que me ficou agarrada à pele, ainda hoje. 

Os pesadelos são menos frequentes, mas por estranho que pareça, tenho saudades da minha caserna de Muidumbe, saudades do cheiro da minha espingarda automática, a minha amiga G3, sempre oleada, sempre pronta a disparar. 
Não, não matei ninguém, ou então não sei. 
Numa emboscada, os tiros são tantos, que no final não sabíamos, quem matou quem. 
Não, eu não, só desfiz algumas árvores, estendido na picada, entre Mueda e Muidumbe, naquela tarde chuvosa, naquela emboscada que durou minutos. 
Horas? Não pensei em ti, nem na mãe, não pensei em ninguém. 
Estava ali, deitado na picada tentando sobreviver. 

Por vezes, acordo sobressaltado. 
Volto a Muidumbe, adormeci no abrigo, estou de vigia no posto número cinco, aquele, a norte do aldeamento, alguém cortou o arame farpado e rasteja na minha direção, agarro uma granada, tiro a cavilha, acordo.

Não te conto, pai, não irias compreender, mas não serias o único. 
No início tivemos medo, até da nossa sombra, cada negro era um “turra,” um inimigo, um gajo que nos queria tramar, mas, pouco a pouco compreendemos que os invasores éramos nós e que aquela terra não era nossa, a nossa terra. 
A população branca, os colonos,viviam a anos luz da realidade, nunca se aperceberam que aquela guerra não tinha solução, viviam embriagados pela vida que tinham nas grandes cidades, nas grandes fazendas, na vida mundana, nos bons restaurantes, nas grandes caçadas, conduzindo bons carros, gozando a vida. 
Vida de colono, como dizia o meu amigo, Augusto, condutor, como eu, e que fez comigo a travessia de Moçambique de sul para norte. “Estes gajos é que gozam a vida, têm as negras que querem, fazem filhos mulatos a torto e a direito, compram virgens em troca de um litro de azeite, ou de um garrafão de vinho, e nós é que morremos.”

Pai, não quero que conheças a desumanidade, a nossa e a da guerra, esquece a minha ausência. 
Não tenho palavras para te dizer o que senti o que sentia, o medo, a saudade e a angustia de mais uma noite que se adivinhava, igual a muitas outras. 

Posso contar-te uma história bem diferente daquela que vivi, mas não quero. 
Se soubesses a verdade, dirias que não, que não foi o teu filho que viveu aquela guerra. 
Nunca te contei, nunca te contarei.
Parabéns, PAI.
Apontamentos – Moçambique – 1967/1969 – França – 1970/1980.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Vou partilhar alguns comentários, publicados algures em parte incerta..., por Duarte Pereira



Gosto de ler...mas pouco.
Mas se são amigos costumo ler tudo até ao fim.
Não ando só por este grupo, há sempre mensagens privadas e outros meios.
Sem autorização, vou partilhar alguns comentários, publicados algures em parte incerta.
Não irei revelar quem usou a " pena ".


Os comentadores estiverem em Macomia 1972/74...
e em Sandim há poucos dias. .
???????? Respondendo às "nossas" Velhas, direi que ouvi atentamente peripécias e episódios que, embora andando por lá, não me apercebi.
Alguns dos amigos que compunham aquela mesa, foram gente que navegava noutros horizontes muito diferentes dos meus e em áreas que não dominava.
Por isso, gostei muito de os ouvir e cada vez estou mais convicto que, de facto, aquela situação era muito complexa e um manancial de emoções.
Paralelamente àquela guerra, muitas vezes dura e trágica, havia também outra dentro e fora do arame farpado.
Com muitos amores e paixões nos aldeamentos, solidariedade, segredos, ordens e planos de guerra quase diabólicos.
Pelo meio, a influência do poder civil implantado e polícia política - interpostos no seio dos militares e seus controladores- transformavam todo aquele cenário numa enorme complexidade, de conteúdos pouco perceptíveis ao comum dos mortais e que, ao fim e ao cabo, acabaram por ser as maiores vítimas de todo aquele sistema.
Abraço.
???????? Bom dia, amigo ?????, respondeste às Velhas mas eu apreciei, (como é habitual) a tua opinião, é sempre enriquecedora e dá-nos um certo conforto sentir que apesar da distância temporal ainda há muitos que conservam os episódios bem latentes e mais que isso conseguem "pensar". Também serve certamente para prevenir a alzhaimer...
Eu, no que me diz respeito andei uns bons anos que nem comentava nem queria ouvir comentar nada acerca daquela nossa experiência, mas a partir do primeiro encontro em que participei, (Marvão) senti que precisava de "soltar" determinados "pesos" que me atrofiavam em relação aquele período da minha vida.
E sinto-me bem assim.
Mas também sei ver que nem todos têm a mesma vivência da situação, mas aí é um assunto para psicólogos, sociólogos e até psiquiatras e como eu não sou nada disso, termino.
Um bom Domingo, um grande abraço e quando tiveres um tempinho "abota" mais umas coisas.
?????? Obrigado amigo ????.
Aprecio também muito as tuas sempre sinceras e sábias palavras.
Concordo plenamente que é mais do que hora de fazer passar alguma mensagem daquela época e daquilo que por lá aconteceu.
Suponho, que o nosso silêncio ao longo de tantos anos, evitando falar -até por motivos traumáticos- daquela guerra, terá levado a que, lentamente, se fossem esquecendo de nós.
Felizmente, já muita literatura vai aparecendo com a publicação de muitos livros, artigos, documentários, redes sociais, etc.
Contudo, parece-me que essa informação não passará muito ou não interessará já demasiado à sociedade civil e muito menos aos políticos.
Já somos demasiado idosos e de débil saúde e sem poder de exigir.
Não devemos esquecer que fomos a última geração de combatentes do Império.
Muitos já nos levam 10 anos.Essa informação circulará mais entre nós e não irá muito para além disso.
Tudo isto para dizer, que nada temos a perder.
E, pelo menos, vamos desabafando uns com os outros.
Grande abraço.

Duarte Pereira São "escritos" de dois ex-combatentes, em que a sua especialidade não era destruir.... não eram atiradores , mas " conservadores " , cada um à sua maneira ... e parece que eram bons .

Livre Pensador Duarte, os atiradores podiam eventualmente destruir, mas por outro lado, eram "construtores" da segurança de todos aqueles que apenas ouviam falar de guerra.

Duarte Pereira Livre Pensador - Ribeiro . Ainda não tinha analisado por esse prisma . Nós tentávamos afastar as " moscas " , para não caírem na " sopa " de Macomia.


Leonel Pereira Silva Bom dia amigo Duarte Pereira, então se queres bonecos, cá vai... com votos de boa quinta-feira...

Leonel Pereira Silva Mais...bonecos...

Leonel Pereira Silva E mais números...

os parabéns vai a "adoro".

Duarte Pereira Armando Guterres - Tenho utilizado o " boneco surpresa "para dizer que li. Continua a ser para mim " uma surpresa" quando alguém, publica, comenta ou clica em alguma coisa.

Duarte Pereira Manuel Martins Fonseca - Já leste o texto com comentários de dois ilustres ex-combatentes ?

Manuel Martins Fonseca Sim já li, muito interessante e muita realidade com tudo o que se passou na nossa guerra. Abraço

Duarte Pereira Manuel Martins Fonseca - São estes pequenos " grandes" relatos que eu gostaria de ler de vez em quando. Como diria ( em especial) o Fernando Silva e Horácio Cunha, aqueles dois anos em Moçambique, teriam mais histórias para contar e episódios para recordar. Enfim.... se tiver oportunidade de " captar" alguns, com a vossa autorização, transcreverei para a página deste Batalhão.

Luís Leote Não foi o meu caso, mas quem foi para África de avião, não se adaptou progressivamente. Devia ter sido um choque num curto espaço de tempo.
Quando cheguei, estava balofo, em baixo de forma física. Na primeira coluna de Mataca a Macomia a subir a Serra, com a cintura carregada com todos os artefatos, se tapasse a boca morria.

Duarte Pereira Nem um mini comentário do Paulo Lopes. Muito estranho mesmo.
Paulo Lopes Minis, só sagres!
Se não "abotasses" o meu nome, decerto que não leria o comentário anterior!
Passava sem o ver.
Eu fui um dos que viajou de avião e sozinho, sem camaradas que tivessem o mesmo destino que eu!
Aliás, um avião cheio de militares "gordos", acompanhados dos seus familiares, com destino a Luanda e Beira que deveriam regressar das suas "constantes" férias.
Depois, em Porto Amélia, tive a sorte de conhecer um dos pilotos que fazia os trajetos Porto Amélia/Quiterajo/Macomia/Chai/Mataca e que me transportou no seu Azteca até Mataca!
O que significa que também não fiz nem a picada Porto Amélia/Macomia nem a famigerada Macomia/Mataca.

Mas não ia balofo (também nunca fui, o meu peso normal e quase constante no andebol andava sempre pelos 64 kilos) porque a minha preparação física nunca parou nem mesmo nas duas recrutas que dei em Beja já que, a minha "missão" era dar ginástica, fazer os crosses e, principalmente, treinar futebol de 5 na equipa de sargentos que disputava o campeonato militar.
Depois, em Porto Amélia, ainda andei pelos treinos da equipa lá da terra (na tentativa de ficar por lá) e também por treinos de basket já que o treinador da equipa de Porto Amélia era meu familiar. Portanto a minha preparação não era problema!
Problema seria a preparação psicológica!!
A minha primeira saída foi para uma operação de 4 dias e aconteceu muito poucos dias de entrar na Mataca.
Tudo normal e nada de especial apesar do nervosismo de "checa"!
Escrevi no meu livro: ...
"Estavam decorridos poucos dias após a minha chegada a tão desesperante local quando fui chamado à primeira ação como guerrilheiro: chegara a minha primeira saída para o verdadeiro mato.
Apesar de estarmos estacionados bem dentro dele, tínhamos a sensação duma falsa proteção dada pelo arame farpado, valas e arsenal bélico, que sustentava uma segurança meramente psicológica. Levava comigo um punhado de conselhos dados por aqueles que já tinham feito umas quantas operações e que, pelo menos, conheciam muito melhor que eu todas as movimentações necessárias e cautelas que a ocasião exigia.
Não me sentia, de forma alguma e como seria natural, muito à vontade com esta nova, mais uma, experiência militar.
Na minha mente transbordava o pensamento:
— Faz o que os outros fizerem; observa as atitudes dos que te acompanham e tudo será mais simplificado'
Até a chegada da minha primeira picada, toma lá mais um pouco do livro:
"Ficámos alguns dias sossegados da azáfama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante mas não nos preocupou absolutamente nada.
Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele estádio fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.
Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem dúvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa atividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro jogo, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!...
Nessa primeira picada, como é lógico, tinha na minha mente que e pelo que me contaram já na Mataca, que foi numa dessas picadas que bateu à porta o infortúnio do furriel que eu fui substituir! Nada de agradável para o começo!!
Mas e em relação à adaptação, como sempre me aconteceu em quase tudo, foi-me fácil e sem problemas de substancial gravidade!
Fisicamente, nula!
Psicologicamente, mais fácil do que esperava!
Satisfeito Sr, Duarte Pereira! Como te estou farto de alertar, não me puxes pela caneta que ela tem corda para dias seguidos!!

Julio Santos Se o Leote se refere à coluna em que fomos levar a Macomia a comp. que fomos render na Matáca, para cima foi difícil tudo bem, mas para baixo tivemos o nosso baptismo de guerra e com grande fogo de artifício por cima e por baixo, era o nosso falecido Fortes o comand. da coluna a qual pernoitou na picada depois dos fiat's terem lá ido bombardear a mata e se irem embora devido à hora tardia para eles andarem por lá, sei que foi anoite toda a dar soro a um condutor já sem uma perna, testículos e mais qualquer coisa , acabou ali a guerra para esse condutor na manhã seguinte, não me recordo o seu nome, talvez devido ao pouco tempo que nos conhecemos e não me recordo se também acabou para mais algum camarada. sei que o nosso Cap. Marvão foi levado, segundo me informaram dentro de uma camisa de força para dentro de um helicóptero.
Luís Leote Não Julio Santos. Essa coluna que referes, foi a minha última.
Vim desde a Mataca até às machambas de Macomia a fazer fogo atrás dos picas.
A que me refiro foi a primeira, em janeiro de 71.
O meu camuflado ainda cheirava a naftalina.
Luís Leote Sei que vos avisámos para terem muito cuidado no regresso à Mataca, porque os frelos experimentavam sempre os checas logo na primeira coluna. Vim a saber a vossa má sorte, já em Quelimane.
Julio Santos Áh, ok. pois essa para nós foi a primeira coluna.. Um abraço.
Luís Leote Um abraço.
Julio Santos Igualmente