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sábado, 24 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo III, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO III
O quê?
Outra vez aquela chachada toda?
Nem penses...

As mulheres por vezes têm o tal feeling:
- Não te esqueças da nossa situação.
A casa, o meu emprego e é melhor não haver chatices no quartel.

Eu era (como todos nós) maçarico ou checa se preferirem, naquele ambiente de África dita portuguesa.
O medo ou receio - já não sei - lixa-nos o raciocínio e as ideias...
Para abreviar, lá levei mais uma xaropada, que sem tirar nem por, foi a mesma lengalenga da anterior.

Vim a saber mais tarde que o(s) convite(s) que me eram endereçados, tinham apenas o suporte de o Sr. Administrador gostar de acrescentar mulheres brancas aos seu jantares institucionais.
Porra!!! 

Para além do fascismo e o colonialismo (que é uma vertente do primeiro) descobri também o racismo. 
Tudo completo...
A memória já não me deixa ter a certeza se "mamei" mais um jantar daqueles.
Mas sei que um dia (tinha que se dar...) disse NÃO de vez.
Acabou!!!
Perante as insistências da minha mulher, pedi-lhe que inventasse uma desculpa qualquer (que eu estaria de Sargento de dia ou coisa assim), já que seria tipo radical dizer-lhe que não era "simpatizante" do regime político em vigor.
De fato não se passou nada de registo a seguir, sei que os convites acabaram.
Até que um dia...
Houve a festa de despedida do Sr. Adjunto.
Coisa fresca...Foram convidados todos os Oficiais e eu como único Furriel (lá estava novamente a mulher branca...) para o jantar de despedida.

Foi qualquer coisa de hilariante.
Recordo-me que estava uma das noites mais quentes que encontrei em Moçambique. 
A malta desatou a beber em roda livre. 
Começaram a ouvir-se vivas ao proletariado! 
Canções revolucionárias de Coimbra (...e o chapéu aos quadradinhos e o chapéu aos quadradinhos), estrofes dispersas de Zeca Afonso. 

Na despedida já altas horas da noite, os Oficiais deram a entender que se iam embora e o Sr. Administrador (sempre com aquele seu ar apaneleirado) vinha para a porta despedir-se.
A malta despedia-se e voltava a entrar. 
Isto foi repetido por diversas vezes. 
O escape coletivo estava a funcionar...
Recordo-me que nesse mesmo dia, o Alf. Branco (do Esquadrão) tinha mandado a mulher embora (senão também lá estaria...); apanhou um "buba" daquelas das antigas. 
Dançava com movimentos ondulantes do corpo com os braços à volta do pescoço dando a entender que estaria a dançar com uma parceira. 
O pessoal anfitrião estava escandalizado!!!
O Alf. Marques Pinto do Esquadrão (grande malha) gritava-me: Brandão, morreu um homónimo teu na Guiné, recebi hoje uma carta da namorada dele. 
Filhos da Puta!!! Eu sou um comunista extraviado!!!
Nota talvez interessante... 
O PIDE estava mesmo atrás dele e ouviu tudo. 
Tudo o que o Marques Pinto falava comigo e aquilo que eu respondia em sintonia com ele.
Não vale a pena adiantar muito mais. 
O jantar foi num Sábado. 
No Domingo de manhã, todos os Alferes foram chamados ao gabinete do Comandante. 

O PIDE foi-lhe dizer que comandava um Batalhão subversivo e que tivesse muito cuidado.
O Comandante (os Alferes poderão contar melhor por que eu não estive nessa reunião) pediu mais contenção e cuidado com os comportamentos (mais ou menos isto).
Quanto a mim, bem quanto mim a rampa tinha acabado de subir o que poderia subir. 
A partir daquela noite foi sempre a descer...
Passados mais ou menos 2 meses (eles sabiam como fazer as coisas...) recebi uma carta dizendo que teria que passar a pagar renda (já publiquei nesta página uma imagem de um desse Recibos).

Comecei a ser seguido por um PIDE, que naquela altura estava em comissão (presumo que sabem, que os PIDES rodavam mais ou menos de 3 em 3 ou de 4 em 4 meses). 
Apanhava-me quase sempre quando eu ia sozinho ao Bar de Sargentos durante a tarde ou de manhã. 
A puta da conversa era sempre a mesma:
- Olá Sr. Furriel. Tudo bem? a família tem mandado notícias? como é que tem andado? Animado? etc, etc, etc,.
Torneava sempre as questões e demonstrava que estava com pressa. 
Pirava-me logo do Bar de Sargentos.
Passado um mês a minha mulher foi despedida da Administração. 
Boa!!! 
Aquilo estava mesmo a aquecer.

Poucos dias depois fui chamado ao gabinete do Comandante. 
Tinha recebido uma queixa da mulher do Sr. Adjunto (o tal que se tinha ido embora) que a minha mulher tinha uma dívida de 3 mil e tal escudos para com ela e nunca a tinha pago. 
O Comandante apontou-me o dedo e disse-me que não queria vergonhas com nenhum homem dele. 
Fiquei parvo e sem capacidade de resposta. 
Não sabia o que dizer. 
Disse apenas que não sabia e ia tentar resolver o problema. 

Descobri que era tudo mentira e que a tal "queixa" foi forjada na Administração.
Passados dois dias entreguei a quantia exata ao Comandante (inicialmente ele não queria) para que ele ficasse com a certeza que sempre tinha as minhas contas em dia.
Poucos dias depois fui chamado ao gabinete do Sr. Administrador. 
Bonito!!! pensei eu; o que é que este me quer agora?
Apresentei-me às 3 horas (hora combinada).
 Foi um espetáculo de fúria Fascista/Colonialista.
Chamava-me (dizia ele) para me dizer que não aceitava comportamentos indignos dos Oficiais do Batalhão!!! (queres ver que o gajo agora droga-se...). 

Estava furioso porque o Alf. Andrade tinha ido embora de férias e tinha levado a mulher com ele (ela também regressou de vez) e nem sequer tinha ido despedir-se dele!!! (dele, Administrador, entenda-se). 
Tinha-lhe arranjado uma casa (ficava um pouco abaixo da porta de armas ao lado da casa do Sarg. Ventura - mecânico).
E continuava com uma lição de moral à moda dele, sem eu perceber quando é que eu ia "entrar em campo". 
Começou a tornar-se repetitivo e até mesmo cansativo. 

Decidi provocar...
Recostei-me na cadeira, cruzei as pernas e entrelacei os dedos.
Foi o caraças!!! 
=O Finório levantou-se (mas ficou atrás da secretária) espumava/babava-se (verdadeiramente) e apontava-me o dedo. 
Não admitia a militar nenhum faltas de respeito e comportamentos como o do (Ah, aí apanhei-o!!! não foi capaz de se referir a mim) Sr. Alferes Andrade.
Como bom fascista/colonialista, não teve tomates de enfrentar um Furriel miliciano (eu era o Furriel miliciano mais graduado do Batalhão) em comissão em zona de 100%).

Claro que tudo aquilo era exatamente para mim.
Passados uns dias recebo uma carta a dar-me 30 dias para abandonar a casa, uma vez que a Administração ia precisar de alojar um novo funcionário que estaria a chegar. 
Claro que nunca chegou nenhum funcionário. 
Dali a 30 dias estava na rua (leia-se no meio do mato) com a minha mulher e uma bebé de um ano e mais alguns meses.
*** Continua no próximo Capítulo
Gosto · 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo I, por Rui Brandão


Pois bem. 

Começa-se a perceber que o stock de material fotográfico lá das bandas da Guerra está a ficar a zero.
Os temas (naturalmente) começam a ter desvios daquilo a que nos propusemos nesta página e ainda bem. 
Significa que não parámos no tempo.

Permitam-me então que volte a um tema prometido por mim quando apareci nesta página. 
Exatamente contar-vos a "Guerra" em Macomia. 


Significará contar-vos aquilo que os operacionais não tiveram. 
Repressão, perseguição, controlo da PIDE e ódio colonialista destilado para cima de quem não "alinhava" na palhaçada e ainda, imaginem, uma situação terrível de guerra, debaixo de fogo que ninguém do nosso Batalhão viveu.. 

Isso mesmo companheiros!!! 

Tive a oportunidade de estar uns tempos na Mataca e verifiquei o ambiente de camaradagem, liberdade e respeito pelos superiores hierárquicos.

 

Alguém já disse nesta página que cada vez que ia a Macomia, "aquilo" era só amarelos. 
Se fosse só amarelos...
Já não era mau. 
A guerra comandada por "Oficiais de Salão" é no mínimo obscena.

Começarei pela minha História a que darei o Título
ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO I
Deveria estar a decorrer o terceiro mês de comissão quando veio para junto de mim a minha mulher (do 1º casamento) e a minha filha com 5 meses (a Carla Alexandra que carinhosamente chamávamos Chana). 

Macomia afigurava-se um pequeno paraíso. 
De fato não havia Guerra por ali (isso era coisa para as Companhias operacionais e para quem fazia colunas). 
Comia-se bem, camaradagem muita e da boa, petiscadas dia sim dia sim. 
Aquilo era qualquer coisa como que umas férias com tudo incluído (mas...à borla). 

Inicialmente aluguei uma casa junto à cantina do LAKU (ainda se lembram?).


Só lá fiquei duas noites porque a esposa de um administrativo que trabalhava na Administração conseguiu que nos disponibilizassem gratuitamente uma casa que estava desabitada mesmo junto ao quartel. 
Foi fantástico. 
A casa tinha qualidade e sentia-me mais protegido (assim como assim...). 
Mas... 
A casa pertencia à Administração. 
O ambiente continuava favorável, a minha mulher conseguiu emprego na Administração e ganhava 3.000$00 por mês. 
Tínhamos dinheiro, estávamos bem instalados e ninguém nos chateava. 
Eram farras praticamente todas as noites!!! 

Um dia a minha mulher ao chegar a casa vinda do emprego diz-me:
- Fomos convidados para ir jantar a casa do Sr. Administrador.

*** continua no próximo Capítulo