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quarta-feira, 2 de julho de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capitulo IV, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO IV

 
A situação ficou preta para mim.
Mais do que ir para a rua, aquilo pretendia ser um vexame.
Eu nada fiz.
Apenas não estava de acordo com aquilo e não me sentia bem conviver com aquele tipo de gente.
Nada mais do que isso.
Por portas e travessas vim a descobrir que o fulano que trabalhava nos Correios, tinha uma casa num aldeamento num plano superior ao do quartel e distante em linha reta uns 200 metros.
Sensivelmente a meio caminho entre o quartel e o planalto onde estava o pelotão de morteiros.
Aluguei a casa por 750$00.
A casa, não passava de uma palhota "abonecada" com um telhado de zinco e o chão em cimento.
A casa de banho era no exterior, lateralmente encostada à casa/palhota.
Fazia parte da primeira fila das palhotas do aldeamento.
Giríssimo!!!
Passei a ter como vizinhos os moçambicanos das palhotas e a minha Chana brincava com os meninos "mais escurinhos".
É altura para referir, que o estado de graça (entenda-se ausência de clima de guerra) de Macomia, começava a ter os dias contados.
Pela minha grande relação e amizade com o Fur. Pacheco (Cripto) ia tendo conhecimento daquelas mensagens mais críticas do tipo "prevê-se ação de grande envergadura do IN entre o dia 14 e 17 de fevereiro".
Lá começámos a ir com alguma frequência para as valas cumprindo o plano de defesa do quartel.
Lá em casa abordámos o assunto do regresso da família.
Por essa altura já tínhamos 15 ou 16 meses de comissão.
Que diabo, já só faltava mais um ou dois meses para "rodarmos".
Ok.
Vamos aguentar...
As colunas de reabastecimento a Macomia iam ficando cada vez mais espaçadas.
Algumas colunas só traziam as caixas das Rações de Combate. Falhou o stock de maços de tabaco por mais do que uma vez.
O pessoal stressava (os fumadores mais dedicados à causa ou seja os dependentes da nicotina - naquela altura não era conhecida a palavra toxicodependentes...).
Enfim, Macomia ia perdendo a olhos vistos a qualidade de vida que até aí tinha tido.
Percebia-se que Macomia estava à beira de ter um Festival a sério.
As patrulhas que se iam fazendo à volta do quartel, denunciavam movimentações muito próximas.
Um ataque a Macomia nunca se ficaria por dois ou três roquetadas e umas quantas rajadas de Kalashnicov.
Decorria a 3ª semana de junho de 1973 quando o Comandante chamou ao seu gabinete TODOS os graduados.
O que é que vem aí agora?
A informação foi simples e direta. Tinham sido obtidas 3 informações em locais distintos mas convergentes (a PIDE a trabalhar...), estavam reunidos 300 elementos da FRELIMO na Serra do Mapé para atacar Macomia!!!
 
 
Mais indicações: passar a ter cuidado nos períodos de lusco-fusco e quem tivesse família, evitar a todo o custo, andar a passear nesses mesmos períodos.
Pediu ainda mais uma coisa: que aquelas informações não passassem para os soldados para não desestabilizar o pessoal.
Bonito!!!
Agora é que a "coisa" se ia dar... 300 gajos? fod.....
Tenho que, aqui e agora, prestar um gesto de admiração pela postura, caráter e sentido de responsabilidade de todos os graduados (éramos uns miúdos com 23-24 anos). A informação não passou cá para fora.
Em caso afirmativo ter-se-ia percebido.
Os primeiros dias após aquela reunião não foram fáceis.
Optei também por não dizer nada em casa.
Assim como assim, o ambiente mantinha-se calmo.
Sábado 7 de julho de 1973.
Se era sábado, era dia de jogatana de Voleibol.
Ora bem.
Grande jogatana.
Naquele sábado as equipas estavam equilibradas (claro que não me lembro quem jogava contra quem). Vários jogos e a "coisa" não desempatava.
Sei que foi até às tantas.
O quê?
300 gajos onde?
Quais 300 gajos qual carapuça.
Isso já era...
Nota: a guerra de guerrilha é exatamente isto. Aproveitar o relaxo e a rotina.
Normalmente sempre que acabava o Voleibol, ia tomar banho a casa.
Naquele sábado, estava um calor do caraças, jogou-se até às tantas e não resisti; tomei banho no quartel.
Regressei a casa.
Frente à minha casa/palhota havia uma casa simplória e mal amanhada de um funcionário da Administração.
Era o Sr. Nunes.
A foto em anexo mostra exatamente a porta da minha casa e a referida casa do Sr. Nunes.
Ah uma nota: a minha filha como não tinha muitos brinquedos, brincava com patinhos a sério.
Coisas da guerra em Moçambique...
Já era hora de começar a jantar.
Ela trouxe para a mesa uma travessa com bacalhau com batatas e hortaliça (adoro bacalhau).
Na minha frente a indispensável garrafa de DÃO tinto.
Maravilha!!!
Ouve-se um estrondo!!!
- Porra, o Nunes a bater com a porta é uma besta!!!
No segundo imediato um estrondo de arrasar!!!
(A Frelimo lançou um very-light para sinalizar o ataque. O primeiro estouro é a saída de um dos nossos morteiros. O 2º estouro é já a chegada do morteiro 82 deles)
A minha mulher que não estava preparada para nada, apercebe-se e grita;
- É um ataque!!!
***Continuação no próximo Capítulo
 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo II, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO II
Quando a minha mulher me diz que tínhamos que ir jantar a casa do Administrador, fiquei sem saber o que dizer. 
Aquilo não estava previsto. 
Eu não estava preparado para uma coisa daquelas. 
Mas a propósito de quê, é que eu mais a minha mulher era convidado para ir jantar a casa do senhor mais poderoso lá do sítio? 
A minha mulher percebeu e atalhou de imediato; não tens alternativa...

Ok, farda nº 2, sapatos engraxados e ela só não foi ao cabeleireiro por que não havia esse tipo de loja lá naquela terra do norte de Moçambique.

Na sala enorme e com decoração mais do que colonialista, fomos recebidos em casa do Sr. Administrador por um criado mais ou menos bem vestido (presumo que era um dos milícias que costumava montar segurança à casa do Senhor...).

Comeu-se do bom e do melhor (marisco à brava e carne no forno e mais não sei o quê...). 
A mesa estava composta por 10 a 12 pessoas. 
O Administrador e o seu Adjunto e as respetivas esposas. 
Um senhor ainda jovem (se a memória não me falha, era um dos PIDES que estava lá em comissão nessa altura), penso que o funcionário dos correios também, e mais 4 ou 5 pessoas que já não me recordo quem eram.
A conversa à mesa abordava temas correntes da Administração dos quais eu estava completamente a leste. 
Aliás nessa noite estive sempre com aquele ar de parvo sem saber o que dizer ou puxar qualquer tipo de conversa.

Chegou o momento da sobremesa...
E eis que o Sr. Administrador se levanta!!! 
Ele, com aqueles calções brancos e uma camisa igualmente branca com umas "merdelices" douradas nos ombros que lhe conferia um ar de "paneleiro mal comido". 
Eu estava atónito!!! 
Ele começou a discursar!!!
Iniciou com um "apelativo" - Neste difícil Concelho de Macomia!!! - Rebebéu, Rebebéu, Rebebéu, onde no meio daquele destilar de conceitos fascistas e colonialistas, tais como "a presença de Portugal em África" e ainda "Portugal do Minho a Timor" terminou com um viva a Portugal Uno e Indivisível!!! 
Claro que as palmas se soltaram. 
Eu estava estarrecido. 
Já não me lembro o que se terá passado a seguir, mas a noite terminou com o Sr. Administrador a cumprimentar a minha mulher com um "beija mão" já à saída, junto à porta.
Cheguei a casa e disse à minha mulher:
- Nunca mais!!! Ouviste? Nunca mais!!!

Passadas mais ou menos 4 a 5 semanas, a minha mulher chega a casa vinda do emprego e diz-me:
- Fomos novamente convidados para ir jantar a casa do Sr. Administrador...

***Continuação no próximo capítulo

quarta-feira, 14 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo I, por Rui Brandão


Pois bem. 

Começa-se a perceber que o stock de material fotográfico lá das bandas da Guerra está a ficar a zero.
Os temas (naturalmente) começam a ter desvios daquilo a que nos propusemos nesta página e ainda bem. 
Significa que não parámos no tempo.

Permitam-me então que volte a um tema prometido por mim quando apareci nesta página. 
Exatamente contar-vos a "Guerra" em Macomia. 


Significará contar-vos aquilo que os operacionais não tiveram. 
Repressão, perseguição, controlo da PIDE e ódio colonialista destilado para cima de quem não "alinhava" na palhaçada e ainda, imaginem, uma situação terrível de guerra, debaixo de fogo que ninguém do nosso Batalhão viveu.. 

Isso mesmo companheiros!!! 

Tive a oportunidade de estar uns tempos na Mataca e verifiquei o ambiente de camaradagem, liberdade e respeito pelos superiores hierárquicos.

 

Alguém já disse nesta página que cada vez que ia a Macomia, "aquilo" era só amarelos. 
Se fosse só amarelos...
Já não era mau. 
A guerra comandada por "Oficiais de Salão" é no mínimo obscena.

Começarei pela minha História a que darei o Título
ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO I
Deveria estar a decorrer o terceiro mês de comissão quando veio para junto de mim a minha mulher (do 1º casamento) e a minha filha com 5 meses (a Carla Alexandra que carinhosamente chamávamos Chana). 

Macomia afigurava-se um pequeno paraíso. 
De fato não havia Guerra por ali (isso era coisa para as Companhias operacionais e para quem fazia colunas). 
Comia-se bem, camaradagem muita e da boa, petiscadas dia sim dia sim. 
Aquilo era qualquer coisa como que umas férias com tudo incluído (mas...à borla). 

Inicialmente aluguei uma casa junto à cantina do LAKU (ainda se lembram?).


Só lá fiquei duas noites porque a esposa de um administrativo que trabalhava na Administração conseguiu que nos disponibilizassem gratuitamente uma casa que estava desabitada mesmo junto ao quartel. 
Foi fantástico. 
A casa tinha qualidade e sentia-me mais protegido (assim como assim...). 
Mas... 
A casa pertencia à Administração. 
O ambiente continuava favorável, a minha mulher conseguiu emprego na Administração e ganhava 3.000$00 por mês. 
Tínhamos dinheiro, estávamos bem instalados e ninguém nos chateava. 
Eram farras praticamente todas as noites!!! 

Um dia a minha mulher ao chegar a casa vinda do emprego diz-me:
- Fomos convidados para ir jantar a casa do Sr. Administrador.

*** continua no próximo Capítulo