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sábado, 7 de setembro de 2013

Nesse dia de 12 de Maio de 1972..., por João Novo

Alguns dos participantes na Operação OMO (Maio de 1972) - Serra Mapé
 
Vou hoje dar voz ao João Novo que nos retrata uma situação que eu também vivi e que com frequência me vem à memória, e como também eu estava nesse local, a essa hora e vivi esse momento... não posso ficar indiferente... Quantas vezes (dezenas, centenas, milhares?) na minha já longa vida não terei eu pensado, no que poderia ter sucedido, se algum dos nossos se lembra de reagir?!...

 
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Nesse dia de 12 de Maio de 1972

Hoje vou intervir, porque não consegui resisti a esta data, não por ser de Fátima, pois eu não acredito nessas coisas, mas porque podia ter sido a nossa ultima noite de vida.
 
Estou convencido que a grande maioria dos nossos colegas, não se apercebeu do que ali poderia ter acontecido, nesse dia de 12 de Maio de 1972.
Nesse dia houve um reabastecimento por helicópteros, em que algo correu mal, pois caiu um deles na Serra do Mapé, o que veio atrasar esse reabastecimento, implicando que a pernoita, tivesse que ser efetuada, ainda perto do local, onde baixaram os hélios.

O T. Alves, (mais tarde o machambas) que ia a comandar em terra a operação, deu ordem para pararmos, fazer um circulo com a tropa (300 e muitos homens) e os cerca de 400 civis, que nos acompanhavam com catanas, (que serviriam para destruir as machambas, pois era essa a finalidade da operação) ficariam dentro do circulo.

O comandante escolheu o local, do posto de comando (dizer isto a gaguejar, como o T. Alves dizia, é que era de rir) onde ficou o caldeirão da sopa, junto da nossa cabeceira e dos seus carregadores, não fosse o caldeirão fugir, eu, o Cunha enfermeiro, lembram-se dele?, alguns enfermeiros e as transmissões.
 
Foi o tratar de encher os colchões de ar, um luxo, naquele local, para tratar de fazer a caminha.
Tinha do meu lado direito, o Cunha e do lado esquerdo, o Comandante, isto, deitado de barriga para o ar.
Nunca dormi tão bem acompanhado. O tempo foi passando, já nem me lembro, em que pensava, ou no que sonhava, não se podia falar, nem fumar, nem cagar tão pouco (FELIZMENTE HOJE JÁ NÃO FUMO), se calhar pensava na família, no “Puto”, na namorada, se calhar a sonhar que estava a fazer amor com ela, ou que ela estava com o outro, quem sabe, já não me lembro, quando vim de férias ao “Puto”, acabou o namoro, mas não foi por causa do sonho.

Estávamos todos felizes, quando cerca das 22,35H, uma rajada de metralhadora, se ouviu que passou a centímetros do P.C. (Posto de Comando), duas ou três munições acertaram no caldeirão da sopa, fiquei todo "cagadinho".
A reação que tive foi despejar o ar do colchão, para ficar mais baixo, atrás do caldeirão.
Dos cerca de 800 cagarolas, todos "borradinhos", ninguém abriu o bico, não houve reação á rajada, pode ter sido a nossa sorte, passados não sei quantos minutos, ouvimos o “assobio” das granadas de morteiro a sair, que começaram a cair a cerca de 15 a 20 metros do caldeirão da sopa, eu via o clarão dos rebentamentos, estava todo "cagadinho", entretanto, começo a sentir algo a mexer entre mim e o Capitão, pensei ser alguma cobra, eu sei lá o que pensei, era o sacana do Cunha a meter-se entre mim e o T. Alves, deveria querer que eu lhe cobrisse a espinha, não me lembro o que lhe fiz, se fosse hoje metia o gaijo no caldeirão da sopa.
 
Os rebentamentos começaram em frente de onde estava o P.C., depois foi para a direita e depois para a esquerda, e passados não sei quantos minutos, acabou.
Da nossa parte, nada se passou, tudo caladinho e todos "cagadinhos", era um pivete naquele local, que nem calculam.

Vamos morrer e nunca saberemos o que se passou, muitas coisas podem ter sucedido.
Ou não acreditaram que estávamos ali, os morteiros podiam não alcançar mais ou não tinham mais munições ou também teriam um certo receio, pois sabiam a quantidade de tropa que lá estava e era muita.

Tivemos muita sorte, porque se as morteiradas caíssem 30 ou 40 metros mais á frente era a matança de muitos e depois o que se seguiria?...
Seria a desorientação total, felizmente nunca se saberá...

Estamos vivos, por enquanto e o nosso dia chegará, mas que seja o mais tarde possível e com saúde.

Desculpem os erros, mas foi escrito diretamente e como não foi á censura, pode ter alguns erros.

Quem lá esteve, espero que nunca esqueçam este dia ou melhor essa noite...
Podia ter sido a última para muitos...
Mas mesmo muitos.
Esta foi a minha pior noite da guerra e ainda “vista” agora, faz-me pele de galinha...

Um abração para todos
 

domingo, 11 de agosto de 2013

A EXPLOSÃO NO PAIOL, por Paulo Lopes

 
 
 

 
Terminado o estranho mas bastante apreciado "descanso" voltaram as operações: desta vez o meu grupo não participou ficando no estacionamento acompanhados pelo grupo de apoio.

Dentro do nosso "quartel" nunca havia obrigações diferentes para fazer, chegando mesmo a dar origem a um certo desmazelo em relação à nossa própria segurança de tão consequente e repetitiva ser a vida dentro dele.

Assolava-nos a solidão do isolamento que nos apertava o peito mas o silêncio de uma clareira plantada no meio de uma interminável selva com todos os perigos espreitando a cada ramo de árvore, a cada passo que poisávamos nos trilhos fora do arame farpado que nos separava, contrastava com esse espírito de solidão e transmitia-nos uma paz que nos ia aliviando a pressão da guerra.

Enganadora paz que nos alterava a forma de estar no alerta constante como se, estando para cá desse arame farpado, nos livrasse dos perigos que, ocultos na mata, espreitavam qual leão esfomeado preparando o assalto à sua presa.

Mas a regra à excepção existe e, numa bela tarde, à mesma hora, com as mesmas pessoas, no mesmo campo, com a mesma bola e eu defendendo as mesmas balizas, fomos interrompidos pela gritaria de expressão aflitiva que nos fez deixar a nossa fuga à realidade e voltarmos a entrar no tempo e espaço em que vivíamos:

- O paiol está a arder. O paiol está a arder! Venham ajudar. O paiol está a arder!

Para dar razão à lei dos supersticiosos, era dia treze de Outubro, sexta-feira.

Aquilo a que chamávamos de paiol só poderia ter esse nome pelo facto de lá estarem guardados todos os tipos de materiais bélicos, desde armamento a munições para diversos tipos de armas. Inclusive tínhamos também lá guardados dois bidões de duzentos litros cheios de combustível de helicópteros para eventuais abastecimentos de urgência que ocasionalmente pudessem surgir.

Uma casota com pouco mais de quinze, ou menos, metros quadrados, revestida de tijolo.
Uma porta simples de madeira com uma fechadura normalíssima.
Tecto de chapas de zinco ondulado cobriam a casa da penetração do sol, chuva ou do que a meteorologia nos oferecesse.
De pouca, se não nenhuma, ventilação.
Era o paiol!...

A tal improvisação e o desenrasca da nossa característica presença, forma de ser e pensar, menosprezando quase sempre a nossa própria segurança em benefício do "amanhã logo se vê"!...

Aqueles alertantes e expressivos gritos acompanhados de desespero, aflição e manifesto gestual terminaram com a nossa tarde desportiva obrigando-nos a desviar o nosso olhar, focando-o para o local ao mesmo tempo que corríamos para lá.

Num segundo todos estávamos em redor do paiol que deitava fumo pelas frestas da porta e pelas folgas do telhado que uniam ao tijolo, sem sabermos exactamente o que fazer naquele preciso momento.
Sem raciocinar, arrombei a porta e com um camarada que já empunhava um extintor vinda da enfermaria, entrámos na esperança de apagar o presumível incêndio.

Não se viam chamas. Não se via absolutamente nada, pois o fumo era negro e muito denso não permitindo qualquer visão dentro daquela casa.
Voltámos a sair para aliviar os olhos que fraquejavam perante tanto fumo e dar um pouco de ar à garganta que ficara seca num segundo.
Outro soldado foi para o interior do paiol.
Voltei a entrar em auxilio desse camarada e os dois, com o extintor em punho, tentávamos espalhar espuma não sabendo tão pouco para cima de quê.
Mas, tal como em muitas outras coisas do nosso exército, não funcionou.
Há quanto tempo estaria aquele pretenso extintor sem ser carregado? O mais provável é que nunca tivesse sido levado dali para ser inspeccionado e acredito que ninguém se tenha, no mínimo, preocupado com isso.
Pelo meu lado, não sendo, de forma alguma, diferente dos outros no desenrasca (andámos todos na mesma escola) nem tinha conhecimento da existência de tal aparelho!...

Nada mais havia a fazer ali dentro.
A abertura da porta originou que o fumo se dissipasse um pouco mais o que nos deu uma outra visão do que estava a acontecer.

Levantámos uma caixa de granadas de morteiro de onde saía bastante fumo e o que conseguimos fazer com essa operação foi piorar a situação pois, se o fumo já era denso, apesar de mais aliviado, ficou ainda pior!...

Só um acto inconsciente levaria alguém ir dentro de uma arrecadação repleta de fumo quando o seu conteúdo se compunha de quantidades apreciáveis de explosivos de várias espécies: granadas de mão ofensivas e defensivas; granadas de morteiro; TNT; munições das metralhadoras "G3" e "HK21" e sei lá o que mais se encontrava dentro daquela pretensão a paiol!
Para completar e talvez o pior de todo aquele arsenal para "animar" um mais que provável fogo, lá estavam os tais bidões de combustível.

Mas a guerra é uma inconsciência e nós, jovens guerrilheiros improvisados, abandonados à nossa sorte que, apesar de contrariados, quando metidos no centro dos acontecimentos, fossem eles quais fossem, dávamos sempre o nosso melhor e nestes momentos de pressão, éramos arrastados por essa inconsciência esquecendo-nos, por vezes, que a nossa própria vida estava a correr riscos!

Naquele momento não estava em causa o matar para não morrer onde, se virássemos as costas à luta, estaríamos a oferecer a nossa vida ao inimigo.
O defendermos-nos primeiro e pensar na soberania do nosso país depois.
A sobrevivência.
Não! Naquela situação que estávamos a viver poderíamos simplesmente sair dali, esquecer o paiol, deixar arder e fugir para o mais longe possível.
Esperar pelos acontecimentos. Ver o que dava! Mas não foi o que fizemos.

Ninguém saiu daquele local e todos, de uma forma ou de outra, tentámos resolver a questão como se fosse a ultima acção das nossas vidas. Alguém já havia transportado para junto do paiol a viatura que rebocava o tanque que nós utilizávamos para ir buscar água ao poço para os banhos e com o auxilio do motor de água, projectá-la para cima daquela fumarada...

Uma fila de munições da HK21 que se encontrava por cima de uma das caixas de onde saía o grosso fumo, começou a estoirar como se alguém as estivesse a disparar.
Tal som, sobejamente conhecido e gravado no nosso subconsciente, provocou-nos uma reacção instantânea mostrando-nos a realidade dos factos.
A inconsciência tomada nos momentos anteriores foi aniquilada e o regresso à terra puxou pelos meus pulmões que soltaram amarras e gritaram o mais alto que puderam:
Fujam! Fujam! Corram para as valas!...

Não sei em que espaço de tempo todos desapareceram daquele local, mas que foi rápido, isso foi!...

Pelo meu lado nunca corri com tamanha velocidade e tanta vontade!
As munições continuavam a assobiar ao saírem do seu invólucro.
Já deitado dentro de uma vala e com o coração aos pulos, esperei o inevitável: a explosão!...
 
"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Paulo Lopes 20 de Julho de 2013