domingo, 6 de novembro de 2016

Moura - Onde se fazia azeite, mulher não entrava, por Sara Pelicano, com comentários de Horácio Cunha


A casa grande de um só compartimento.

Um longo corredor.

Ao fundo duas enormes alavancas, criadas com traves de madeira.

Correndo todo o corredor, as tulhas, pequenos compartimentos de alvenaria, para armazenar a azeitona.

O Lagar de Varas do Fojo, em Moura, hoje museu, conta uma história antiga.


No decurso de um século ganhou vida a cada Outono, na época da apanha da azeitona.

Sara Pelicano | quarta-feira, 26 de Agosto de 2009
In Café Portugal
As oliveiras salpicam a extensa planície do baixo Alentejo.
A árvore de pequeno porte oferece sombra sob o quente verão; um repouso entre uma tarefa e outra na manutenção do campo.
As oliveiras resistem a mais um estio.
Nas ramadas o seu fruto, a azeitona, amadurece lentamente.

Por agora os lagares estão vazios.
O dia-a-dia no campo faz-se, entre outras actividades, com a apanha do melão.
Quando o Outono começar a despertar, então os campos de oliveiras enchem-se de gente na apanha da azeitona.


Então, com a lua ainda reinante, ruma-se ao olival.
O dia vai ser longo e duro.
Estendem-se as redes sob as oliveiras.
Bate-se com varas nos ramos para o fruto, que dá origem ao azeite, ir ao chão.
Pausas só mesmo para saciar a fome com o farnel preparado no serão anterior.
Quando a noite voltar a cair, faz-se o regresso a casa.
O processo repete-se dia após dia.
Embora a mecanização seja já uma presença significativa nas produções olivícolas, há muitos produtores que continuam a recorrer à mão humana.
O cenário descrito continua, pois, a ser uma realidade em terras do Alentejo, permitindo a subsistência de muitas famílias.

Ao labor no campo seguir-se-á a actividade no lagar, etapa que concretiza a azeitona no fio de ouro que é o azeite.
Um processo que, em Moura, é explicado no Lagar de Varas de Fojo, convertido em museu desde 2001.

A vida no lagar
Entre 1810 e 1941 cada Outono trazia um sopro de agitação ao Lagar de Varas de Fojo.
Atualmente, o imóvel considerado de Interesse Público, guarda intactos os artefactos que contam histórias antigas.
Estes falam-nos de trabalho árduo; um lugar onde as mulheres não tinham entrada.

A aldeia de outrora cresceu e o Lagar de Varas do Fojo, antes em meio rural, localiza-se hoje numa avenida movimentada, dando acesso ao centro da cidade de Moura.


Recuemos no tempo até ao lagar do século XIX, início do século XX.
Com os primeiros carregamentos de azeitona desde os campos, a actividade passa a fazer-se entre paredes, no lagar.
Cada produtor de azeitona tinha uma tulha, identificada com o seu nome e um número, para armazenar a azeitona.

O Lagar era espaço comunitário, tendo o dono, direito a uma percentagem da produção como meio de pagamento pela utilização da estrutura.
Das tulhas onde eram depositadas, as azeitonas passavam para a moenda.
Esta fase servia para pisar a azeitona até se transformar numa pasta.
O fruto da oliveira era depositado numa estrutura redonda, fazendo lembrar um poço, mas com fundo à vista.
Três grandes pedras cilíndricas, como as rodas de um veículo, giravam, moendo a azeitona, puxadas pela força no burro.
Este era o único processo onde o esforço não saía de braço humano.


Da moenda, a pasta de azeitona passava para a enseirada, onde se encontram as varas que dão nome ao lagar.
As imponentes varas funcionam como alavancas, quando os homens fazem girar os parafusos que se encontram numa das extremidades.
«Após o enchimento das seiras, ou enseiramento, com a massa de azeitona, o lagareiro sobrepunha um conjunto de seiras sobre o estrado da prensa a que se dá o nome de algués.
Sobre as seiras ainda se colocava a porta e os malhais, sobre os quais iria assentar a extremidade mais pesada da vara», explica Isabel Costa, guia do museu.

Conta-nos a mesma responsável: «quando a extremidade oposta ao fuso baixa, exerce pressão sobre as seiras, fazendo-as libertar azeite e água-ruça.
Depois de escorridas as seiras, a vara subia novamente para que se pudesse proceder à caldeação». Deitava sobre as seiras água aquecida na caldeira.
O azeite e a água-ruça tinham caído para as tarefas.
Aqui, ao entrar a água, ia permitir que o azeite se separasse da água-ruça.


O processo era de extrema importância, pois era nesta fase que se definia grande parte da qualidade do produto.
«À tarefa para onde vai só o azeite dá-se o nome de tesoiro, ou pilão.
O azeite era retirado daí para outros recipientes, pelo lagareiro, com o auxílio de uma concha», comenta Isabel Costa.

No Lagar de Varas do Fojo a viagem no tempo em torno do azeite faz-se não só pela presença dos instrumentos de transformação da azeitona, mas também pela mostra dos utensílios utilizados no campo, como as cestas de transporte do fruto.
O núcleo museulógico expõe fotografias antigas que revelam expressões inseridas em momentos de trabalho de uma vida rural que, em certa medida, ainda podemos encontrar nos dias de hoje.




Por cá os lagares de azeite de varas eram idênticos e os passos de transformação da azeitona eram similares.
A diferença é que eram movidos a água e aí pelo Alentejo eram movidos por burros, segundo deduzo do texto.

Estou a relembrar tudo isso a funcionar.
Vários anos fizemos o azeite num lagar desse tipo.
Que trabalheira, mas muito salutar.

A lenha que previamente se levava, a fornalha sempre a arder, a água na caldeira sempre a ferver, as galgas a moer, as ceiras, as tarefas e o sangrar das mesmas, as varas e os fusos, o azeite a ser transportado em barris de madeira.

O suspender da laboração pela subida inesperada das águas do rio que passava paredes meias, o cozinhar a tiborna (batatas cebolas e bacalhau) tudo assado na fornalha - isto para os agricultores com algumas posses ou couves com batatas çhouriça e carne de porco para os outros.
Não havia travessas nem pratos.
Todos picavam da mesma gamela - a mesma em que se transportava manualmente a massa da azeitona já moída para as seiras.

O texto refere em titulo que "Mulher não entrava", mas não explica a razão.
Pois, dizia-se que, se uma mulher entrasse no lagar na altura do período menstrual, o azeite apesar de bem caldeirado, não clarificava.
Ficava sempre turvo.
A chamada borra, não se separava devidamente do azeite.
E pelo sim e pelo não, jogava-se pelo seguro - mulheres não entravam naquele local.
Enfim...era assim que se pensava naquele tempo....

Pronto, mais uma história doutro tipo de guerra, também com os seus sacrifícios.

Desculpem a seca, mas a culpa também é do nosso amigo Capitão Pardal, que nos leva a estes confins das nossas vivências...
Um abraço para todos vós.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O GAJO SÓ PENSA EM NETOS, por Duarte Pereira

Duarte Pereira
 
Resolvi voltar à folha.
 
O Gilberto Pereira, comentou algures, " O GAJO SÓ PENSA EM NETOS".
Não são os avós que fazem os netos.

 
 
Tenho experiência.
Gerámos um casal.
Do filho temos dois netos.
Da filha "ainda solteira" ainda não sabemos.
 
O filho mais velho e com melhor "emprego" organizou a sua vida e arranjou "trabalho" ou "emprego" para os seus pais,(já reformados). ...
A filha mais nova trabalha para si e vai-se divertindo.
 
Só sei uma coisa.
Os homens agora não têm condições para "assumir".
A maior parte ainda vive em casa dos pais e parte deles, gozarão a vida.
Poderão ser esforçados, ter ou procurar emprego.

 
 
Casamento??
Filhos? 
Responsabilidades?
Está fora da agenda.
Solteiro e ter uma mulher??? 
Pelo que sei, nos tempos que correm, não é difícil.
Já ninguém agarra numa guitarra e faz uma serenata.
 
Elas atiram-se da janela abaixo.
 
Gilberto Pereira, os tempos mudaram e eu tenho acompanhado.
Abraço.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

História do Chai XIII (1972/1974), por Livre Pensador


HISTÓRIAS DO CHAI (última)

Foi há 43 anos, no dia 14 de outubro de 1973, que o aquartelamento do Chai sofreu o maior ataque, cujos pormenores já aqui descrevi numa história anterior.
 





Esse ataque teve como reflexo imediato nos militares da Ccav. 3508, o despertar para o espírito de sobrevivência inerente a qualquer ser humano.
 
 
 
Todos nós tínhamos passado por imensos sacrifícios à custa de sangue, suor e lágrimas nos 20 meses de comissão cumpridos até essa altura.
 
 
Após tanto sof...rimento era nosso direito usar de todos os meios possíveis para sair vivo daquele inferno.
 
E foi com esse desejo que se enveredou por uma estratégia de defesa e segurança absolutas até ao dia em que fossemos rendidos.
 
 
Todos os dias, pelas 16,30h e até ser noite cerrada, eram ocupadas as posições de defesa do quartel.
O mesmo sucedia desde as 4,00h da manhã até ao nascer do sol.
E assim fomos vivendo em completo stress até ao dia 10 de março de 1974.
 
Foi esse o dia em que deixámos o Chai entregue à 2ª. Ccav. do Batalhão de Cavalaria 8422.
 
 
 
Os 40km que nos separavam de Macomia foram feitos passo a passo, com a observação atenta e minuciosa de todos os pontos ou locais que pudessem originar surpresas.
Felizmente chegámos ao destino sem qualquer contratempo.
 
Foi em Macomia que a Ccav. 3508 dormiu a noite de 10 para 11 de março de 1974, sendo por isso a última em zona de guerra.
 
Ao raiar do dia 11 partimos de Macomia com destino a Porto Amélia escoltados pelo Esquadrão de Cavalaria.
 
 
 
Chegados a Ancuabe (zona considerada sem guerra) as explosões de alegria não se fizeram esperar. 
 
Eu vi militares a gritar, a saltar, a chorar, a rezar, abraçados, etc, etc.
 
Por mim, apenas consegui pensar "PORRA DE GUERRA JÁ NÃO MORRO"!
 
 
 
Por isso mesmo ainda hoje considero o 11 de março de 1974 como sendo o dia mais feliz da minha vida!
 
Naquele momento todos passámos a ser heróis, apenas e tão só por termos saído vivos (mas não incólumes) dum inferno que nos arrasou durante cerca de 25 meses!
A FELICIDADE E A ESPERANÇA RENASCIAM PARA SEMPRE!


 
José Guedes Livre Pensador, ( Ribeiro ) é sempre bom recordar os bons e maus momentos que por lá se passaram, mas o mais importante deve ser o dia em que deixa-mos o local de guerra para trás e chegamos a locais mais confortáveis e sabermos que o dia do regresso estava para breve e como é bom que depois de tantos momentos difíceis que por lá se passaram ainda hoje podemos estar aqui a compartilhar isto uns com os outros,.. um abraço
 

 
Fernando José Alves Costa Livre Pensador ( Ribeiro) fizeste-me chorar de alegria, senti e vivi o grande alivio que todos vós sentiram o mesmo acontecendo com quase todos nós que por Ancuabe passaram. Abraço
 

 
Armando Guterres E a Mataca tão longe do Chai.
Depois de entrar numa viatura em Macomia - entrei em férias até umas boas horas em Porto Amélia ...
O caminho até lá !!!!
 

 
Rui Briote Esse sentimento de alegria infelizmente não o tive, mas imagino o estado de Alma de todos os que regressaram bem. Mais não digo, pois a minha vida foi e continua a ser um reflexo duma guerra inútil ...abraço a todos
 

 
Paulo Lopes Inútil (e não só) para nós meu amigo Rui Briote, porque alguém se governou bem com essa guerra, antes e até depois dela ter terminado.
Muitos andam por aí com grandes vidas à conta de outras perdidas!
 
 
Paulo Lopes Finalmente chegou! Finalmente a ansiosa mensagem que estava em nosso poder.
As datas confirmavam-se: chegada à Mataca da nova companhia a 2 de Março.
Saída da nossa companhia para Macomia e desta para Porto Amélia, a 12 de Março.
Viagem de Porto Amélia para a Beira a 16 de Março.
Partida da Beira para Lisboa, a 20 de Março.
Difícil descrever a alegria derramada quando a notícia, inevitável e trasbordantemente foi espalhada por aquele tão pequeno espaço que nos oprimia.
Nem mesmo, para nós tão preciosa como a vida, a chegada do correio nas quartas-feiras se sobrepunha a tamanho contentamento.
Nada que tivesse acontecido nestes meses infinitamente longos que, ocasionalmente, nos trouxesse um pouco de alegria, se aproximava de tanto mar de regozijo.
Estava perto o dia de voltar a abraçar os pais, filhos, esposas, amigos e eu sei lá o quê...
 
Estava perto o fim do pesadelo !
Sabia de antemão que eu, o capitão S....... e um dos primeiros-sargentos não embarcaríamos para a Metrópole na data que agora estava prevista, mas a nossa alegria, pelo menos naquele inesquecível momento, tinha o mesmo sentir e sabor da restante companhia.


Não seguiria na mesma data porque cheguei a este inferno de almas perdidas um pouco mais tarde que os restantes e havia que fazer todo um processo liquidatário e como tal, como seria lógico, caberia a mim, como sargento mais novo, auxiliar a essa tarefa burocrática.
Processo esse em que nem eu nem o capitão sabíamos bem qual a nossa missão, mas para nos dizer o que era preciso fazer estava lá o tal primeiro-sargento.


Pois que venha lá essa coisa de processo liquidatário!
O importante, para já, é que estávamos de partida.
Havia o alferes e os dois furriéis que tinham chegado ainda mais tarde, muito mais tarde, mas esses ainda não tinham cumprido nem metade da comissão e por isso iriam ficar integrados na companhia que nos viria render.
 
Uma triste e má notícia para eles mas, sem dúvida, uma mais-valia para os próximos e infelizes guerrilheiros que, tal como nós, chegariam de olhos completamente tapados e desprovidos de qualquer conhecimento do que os esperava, das aflições com que esta selvagem floresta de terrenos sinuosos os iria atormentar e que decerto lhes iria provocar um sentimento de revolta e ódio a quem os mandou para ali!
 
Os que iriam ficar poderiam proporcionar-lhes, sem dúvida, uma melhor condição do saber estar e de como agir mas, de forma alguma, lhes garantiriam uma fácil estadia nem poderiam transformar Mataca na cidade ou vila de onde foram arrancados e muito menos devolver-lhes os intermináveis meses de vida de que estavam a ser espoliados!


Ainda faltava tempo.
Tempo esse que apesar de ser mais animoso, continuava a ser imensamente difícil de passar se não talvez, ainda mais complicado: cada minuto era uma eternidade, mas havia no ar um calor diferente.
 
As situações difíceis tornavam-se mais fáceis.
A tolerância e compreensão eram mais notórias.
Assistia-se a uma transformação, a uma fuga à saturação!
Todos os rios de conversas desaguavam no mesmo mar: a chegada dos checas e a nossa partida.
 
Todos nós inventávamos o já anteriormente inventado pelos antecessores dos antecessores, as patranhas para pregar aos coitados, qual praxes estudantis.
 
As nossas mentes, os nossos olhos cerrados, já os viam caminhar pela picada que os faria entrar pelo velho portão de arame farpado!

in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes.
 

 
Livre Pensador Amigo Paulo, uma vez mais obrigado por este belo excerto das tuas memórias. Abraço.
 

 
Paulo Lopes Abraço amigo mas não se comparam com as tuas que são bem melhores! Bom fim de semana amigo!
 
 
Manuel Cabral Paulo Lopes a propósito desta parte do texto "Havia o alferes e os dois furriéis que tinham chegado ainda mais tarde, muito mais tarde, mas esses ainda não tinham cumprido nem metade da comissão e por isso iriam ficar integrados na companhia que nos viria render.
Uma triste e má notícia para eles mas, sem dúvida, uma mais-valia para os próximos e infelizes guerrilheiros que, tal como nós, chegariam de olhos completamente tapados "
 

 
Manuel Cabral Eu fui um dos que ficaram na nova companhia, e juro que nunca sofri tanto como nesses primeiros dias da companhia checa...
 

 
Manuel Cabral A primeira coluna que fiz com eles foi de Macomia para o Alto da Pedreira.
Pois toda a coluna saiu do cruzamento de Macomia aos tiros, e quando chegámos a um pequeno povoado, logo ali à saída, só eu e os dois soldados que iam ao meu lado (porque eu não os deixei ir na onda!) tínhamos balas no carregador... todos os outros tiveram que proceder a sua substituição...
 

 
Manuel Cabral foram uns meses muito complicados, até conseguir ir de férias... mas já contei essas aventuras noutro lado...
 

 
Paulo Lopes Compreendo-te perfeitamente amigo Manuel Cabral.
 
 
Duarte Pereira Mais um bom texto do Ribeiro.  
Pena eu não ter tomado umas notas.
Deve ter sido matéria dos aerogramas, para a Isabel, mas queimei-os todos.
 

 
Duarte Pereira O artigo do dia .
 

 
Jose Capitao Pardal Livre Pensador, já na cidade da Beira ouvi uma história de que eventualmente não iriamos partir para a Metrópole na data marcada, porque tínhamos de ir ainda para qualquer lado, mas só o Jose Ribeiro (alferes que nesse local estava à frente da companhia) e o Fernando Carvalho (o outro graduado do meu pelotão) é que poderão esclarecer o que se passou realmente, fruto da lamentação do primeiro para nós os dois...