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quinta-feira, 14 de maio de 2020

Hora do Banho..., por Livre Pensador


Livre Pensador
13/05/2020
Quem é que ainda se lembra do " QUEM VEM LÁ FAÇA ALTO" ou do " SENTINELA ALERTA" ou também do "ALERTA ESTÁ"? 
Eram estas frases que se ouviam durante a noite nos quartéis deste País, protagonizadas por quem estava de sentinela e pelo sargento de dia que fazia a ronda pelos vários postos. 
E era "mascarado" da maneira que se vê na foto que eu fazia esse serviço de sargento de dia no RC4 em Santa Margarida. 
Foi precisamente lá que eu, pela primeira vez, me apercebi de como seria a vida no interior remoto de vida no interior remoto de Portugal. 
Nascido e criado em Lisboa, nunca me passou pela cabeça que pudessem existir aldeias sem luz, sem água, sem escolas, sem estradas e sem tantas outras necessidades básicas que deixavam as populações completamente isoladas e abandonadas. 
Tudo isto vem a propósito de lhes contar uma história passada comigo em Sta. Margarida. 
O pelotão ao qual eu dava instrução era constituído por militares de várias regiões do interior do País. 
Naquele tempo só não era aprovado para "TODO O SERVIÇO MILITAR" quem não tivesse braços ou pernas. 
Por isso, no meu pelotão todos tinham cabeça, tronco e membros, mas havia dois soldados em que, infelizmente, nada existia dentro das suas cabeças. 
Um deles, jamais esquecerei o seu nome, chamava-se Águeda. 
Certo dia uns quantos soldados vieram ter comigo a queixarem-se do mau cheiro que o Águeda tinha. 
Diziam que era impossível dormir perto dele. 
Prometi-lhes que, como no fim de semana a seguir ia ficar de sargento de dia, eu me encarregava de levar o Águeda ao banho. 
E assim fiz. 
Nesse fim de semana convidei o nosso homem a acompanhar-me ao chuveiro. 
Disse-lhe para se despir e tomar banho. 
Ele despiu-se e, para meu espanto, a sua pele tinha um tom bronzeado escuro, não provocado pelos raios solares, mas sim pelo acumular de tanto lixo! 
Das suas botas saíram umas meias bastante desfeitas que envolviam uns pés cobertos por autêntica lama! 
Acreditem que não estou a exagerar! 
O Águeda lá se pôs debaixo do chuveiro a ali ficou impávido e sereno. 
Tive de lhe dizer para pegar no sabão (macaco) e esfregar no corpo. 
Quando o sabão começou a fazer espuma na sua pele, ele desatou a rir, e disse-me que nunca tinha usado uma "coisa" daquelas!!! 
Concluí então que o sabão macaco deixa tudo mais branco! 
Aquele exemplo despertou-me para a realidade do nosso País antes do 25 de Abril de 1974 e para a qual eu, como "rato" de cidade, não estava minimamente consciencializado. 
Foi mais uma boa lição de vida!
A imagem pode conter: Livre Pensador, em pé, planta, árvore, ar livre e natureza

Comentários
  • Nessa época era assim o “modus vivendi “ por todo o País. 
  • Portugal era e o resto era paisagem. 
  • Também tive um caso idêntico a esse em Sta Margarida e quem conviveu comigo tem conhecimento dele. 
  • Felizmente que hoje a realidade é diferente, mas há tentativas de centralizar tudo em Lisboa e o resto que se amanhe, mas isso é mais de índole política e para aqui não é chamada. 
  • Parabéns Amigo e tem um ótimo dia.? Abraço
  •  Livre Pensador ( Ribeiro), ora aqui está uma foto à maneira, tudo muito aprumado e os arreios a ajudar a endireitar as costas e se fosse nestes dias, a segurar a barriga :) .
  • A história que contas realmente é de bradar aos céus, o instruendo não terá passado por uma inspecção? foi vacinado ?
  • Em toda a vida militar só apanhei dois ex-militares um pouco mais "encardidos", o soldado básico Alcino, ajudante de cozinheiro e o Marques, furriel do 3º pelotão que se transferiu para os GE;s do Chai.
  • A foto talvez ficasse melhor com uns tons de verde .
    Parabéns pelo aprumo.
  • Amigo Livre Pensador ( Ribeiro ) um texto bem imaginado e que infelizmente para muitos era uma realidade. 
  • Hoje em dia só é porco quem quer, mas antigamente muita gente era porca porque não tinham onde tomarem um banho, lembro-em que só tomava um banho uma vês por semana, tinha que ir buscar água ainda a uma distancia razoável e o banho era numa bacia daquelas de chapa, ainda tinha sorte porque por baixo da casa tinha-mos uma pequena loja e era nesse lugar que há vez tomávamos o nosso banho.
  • Felizmente que tudo foi mudando para melhor depois do 25 de Abril e custa-me ver e ouvir ainda muita gente com saudades do passado,
  • Claro que Lisboa era Portugal o resto eram paisagens, hoje um pouco menos mas ainda existe muito disso, há coisas que mudaram pouco mas as que mudaram foi para melhor,.. grande abraço mesmo sendo virtual,..
  • Amigo Livre Pensador (Ribeiro)! 
  • Belo texto e demonstrativo das realidades que, apesar de tudo mas não com a intensidade extrema de outrora, nem aproximadas, mas ainda existe gente sem luz eléctrica, sem escola por perto, sem transportes e sem água canalizada! 
  • Uns porque não querem, outros porque não têm como pagar esses "luxos" e ainda outros por falta de vontades políticas! 
  • No entanto há quem tenha tudo isso e mais um par de botas que não paga nada e ainda por cima recebe sem nada fazer nem nunca ter feito! 
  • Arestas que uma democracia séria e equitativa tem de limar porque a perfeição não existe!
  • Também nasci e fui criado na cidade capital mas não andava assim tão distraído e, apesar de pouco (ou nada) contactar com as gentes que passavam por coisas que a grande maioria dos citadinos nem sonhavam, sempre me tentei aproximar das realidades que uma feroz ditadura nos impunha e por vezes conseguia roçar a pura verdade!
  • A tropa foi, sem dúvida, uma abertura para a vida para muito boa gente que, pelas razões que conhecemos, não passavam da sua área restrita de movimentos e de conhecimentos apesar de terem outros conhecimentos de trabalho que nós, os citadinos, seriamos uns completos ignorantes na matéria, perto deles!
  • No que a mim diz respeito, o meu tempo de tropa, apenas atrasou em tudo a minha vida tanto profissional como académica o que, nesta ultima, dou a mão à palmatória, pelo meu pouco interesse e empenho!
  • Aprendi muita coisa sim, porque estamos sempre a aprender e, estando atentos, tiramos sempre algum sumo dessa fruta mas que possa dizer que me foi benéfico não o posso afirmar!
  • Quanto às frases tipicamente militares que apresentas, confesso que as conheço (pois então) mas não me lembro de as aplicar muitas vezes já que, em Tavira, por exemplo, não tinha vaga para dormir lá dentro e disso me aproveitei para pernoitar fora do quartel!
  • Em Beja, já como instrutor e não instruendo, nem me lembro de fazer serviço de sargento de dia mas sim, muitas vezes, de PU!
  • Abraço amigo Livre Pensador e obrigadinho pelo texto.

    • A primeira vez que fiz reforço foi ainda na recruta em Castelo Branco, na semana de campo, eu estava da sentinela a companhia tinha saído para instrução nocturna regressou passou ai uns 5 metros de mim não os vi nem eles me viram, como não respondia ao sentinela alerta, vieram em minha procura estava ferrado encostado a um pinheiro.
    • Duarte Pereira José Dias Nunes o teu futuro de combatente já estava com o destino para a secretaria.
      Gerir
    • José Dias Nunes Na secretaria fazia reforço de 4 em 4 dias,
      Gerir


segunda-feira, 20 de abril de 2020

A primeira refeição..., por Paulo Lopes


Paulo Lopes 


Como sempre digo, cada coisa que os meus amigos partilham das suas memórias e em relação à primeira refeição na tropa, vem-me logo à moleirinha um pouquinho do meu livro!

Sem querer massacrar ninguém, sai para a mesa do canto mais umas " letrinhas apenas" do livro:......

Falando nisso, vamos almoçar...



Um militar de divisas douradas em pano de fundo verde tropa (fiquei a saber que era 2º sargento) veio chamar-nos à caserna, agora um pouco mais calma e menos conflituosa com a confusão gerada pelo homem/roupa/apetrechos/cama de cima ou de baixo/cacifo esquerdo ou direito:
— Tudo lá fora, rápido. 
Vociferou com voz de comando num tom feroz a querer meter-nos medo, como se disso houvesse necessidade, a nós, pobres mancebos que ainda nos tremiam as pernas só de ver o lustroso fardamento que enfeitava a besta feita militar.

Após reunidos e perfilados na parada à saída da caserna e sem muitos rodeios, pôs-nos a caminhar mais ou menos ordenados em direcção ao refeitório.
Primeira refeição: Chicharro frito com arroz. 
Até que do chicharro gostei ou então seria a fome que já fustigava o estômago e resmungava por qualquer ementa, mas o arroz, coitado, parecia feito de um bago só, qual cimento quase seco! 
Enfim, do mal, o menos, e dava para afugentar a fome que se ia aproximando dos nossos esfomeados esqueletos! 

Decerto que me esperavam coisas bem piores que um simples arroz mal confeccionado! Digo eu!

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

HISTÓRIA DA MINHA IDA À GUERRA (pareço o Solnado), por Livre Pensador

HISTÓRIA DA MINHA IDA À GUERRA (pareço o Raul Solnado)

Haverá camaradas que não sabem que fui como voluntário para a tropa, assim como há outros que têm conhecimento desse facto. 

Mas decerto que uns e outros perguntarão porque razão me passou essa loucura pela cabeça. 
Pois bem, é precisamente isso que pretendo esclarecer nesta minha história. Naqueles tempos (décadas de 60 e 70) era habitual aparecerem em Lisboa cartazes afixados a solicitarem voluntários para o exército. 
Não sei se aconteceria o mesmo noutros locais do País, mas presumo que talvez. 
Esses cartazes diziam que, quem fosse voluntário aos 18 anos, tinha a possibilidade de escolher a arma (cavalaria, infantaria, engenharia, etc.) em que desejasse cumprir o serviço militar.

Acontece que eu tinha informações, por familiares meus já regressados da guerra colonial, que essa mesma guerra piorava à medida que o tempo ia passando. 
Logo pensei que quanto mais cedo fosse menos seriam os perigos a enfrentar e, portanto, há que me oferecer como voluntário. 

No requerimento que fiz em meados de 1970 (com 18 anos), pedi para ser integrado na arma de engenharia, por ser aquela que estava directamente relacionada com a minha profissão de Desenhador que já desempenhava desde os 15 anos, após a conclusão do Curso Industrial.

Em Setembro ou Outubro de 1970 recebi uma guia de marcha para me apresentar no quartel em Setúbal para ser sujeito à inspecção militar. 
Nunca percebi porque razão, havendo tantos quartéis em Lisboa, tive de ir fazê-la a Setúbal.

Quando cheguei à porta do quartel em Setúbal, já lá estavam mais 4 ou 5 "loucos" como eu. 
Ainda mais "loucos" ficámos quando nos disseram (um amarelado qualquer) que não tinham indicações para fazer inspecções militares e mandaram que fossemos às instalações do D.R.M. (Distrito de Recrutamento e Mobilização).

No D.R.M. também não sabiam de nada e "devolveram-nos" ao quartel. 
Aqui chegados, e depois de muito esperarmos, lá arranjaram um "veterinário" que nos fez a inspecção, nos aprovou e afirmou: "grande País este que até tem voluntários para a guerra"! 
Cada um de nós seguiu depois o seu destino ficando a aguardar pelo dia da incorporação.

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No meu caso esse dia chegou a 11 de Janeiro de 1971 com a entrada no destacamento da Escola Prática de Cavalaria em Santarém, para iniciar a recruta no C.S.M. (curso de sargentos milicianos) plenamente convencido de que, no final dessa mesma recruta, me seria atribuída uma qualquer especialidade relacionada com a arma de engenharia.

Quando nos últimos dias de Março de 1971 foram divulgadas as especialidades de cada militar e me foi indicada a de atirador de cavalaria, obviamente a minha reacção foi: "não pode ser, tem de haver engano"!

Rapidamente pedi para ir à presença do comandante de esquadrão (tenente Capão) a quem informei que tinha de haver erro na atribuição da minha especialidade, pelo facto de ser voluntário e de, nessa qualidade, ter escolhido a arma de engenharia e não cavalaria.

Com uma grande calma e um ar de gozo o tenente Capão diz-me: "o edital que leste dizia que podias escolher a arma, e tu escolheste, mas não dizia que te era dada. 
Fica sabendo que todos os voluntários terminam em atiradores"!
Nesse momento apenas me vieram à memória três palavras, F.D.P.!!!

Após regressar de Moçambique, durante muitos anos me penalizei por ter ido como voluntário, pois com o acontecimento do 25 de Abril, poderia ter ido ao ultramar (ou até não ter ido) apenas por pouco tempo e livre, pensava eu, de todos os perigos e sacrifícios que por lá passámos desde Fevereiro de 1972 até Março de 1974. 

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Porém, quando hoje em dia vou tomando conhecimento, pelo Facebook, das situações vividas no pós 25 de Abril pelos camaradas de Omar, do Chai, de Nangololo e alguns outros casos, chego à conclusão de que a minha loucura não foi tão louca quanto isso!