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quarta-feira, 9 de março de 2016

Histórias do Chai VIII (1972/1974), por Livre Pensador

 
A companhia de cavalaria 3508 assegurou a defesa da ponte do Messalo desde Fevereiro a Agosto de 1972, com um pelotão lá colocado permanentemente.


A partir desse mês, essa missão passou a ser desempenhada por um grupo de combate duma companhia moçambicana estacionada em Bilibiza.
Objetivo da alteração: permitir que a 3508 ficasse disponível para desempenhar ainda mais operações no mato.
Uma dessas muitas operações foi realizada em Novembro de 1972 e tinha como objetivo a zona compreendida entre o Chai e o Mucojo, pois sabia-se da implantação de bases da Frelimo nessa área.
Seria uma missão a desempenhar em 3 dias.
Era já época das chuvas e as ditas não se faziam rogadas e, por isso, a progressão na mata era muito difícil.
Difícil foi também atravessar o rio Licualedo (afluente do Messalo na margem sul), pois as suas margens estavam de tal forma alagadas (e alargadas) que demorámos várias horas a ultrapassar aquele obstáculo e sempre com água pela cintura. No final do 2º. dia tornou-se evidente que seria impossível atingir o objetivo da missão nos 3 dias para os quais tínhamos ração de combate, pois como é costume dizer-se "a procissão ainda ía no adro".
 
Por essa razão, na manhã do 3º. dia informámos o oficial de operações do batalhão 3878 (major "Alvega") que precisávamos de reabastecimento de rações de combate para mais dois dias, a fim de conseguirmos terminar a operação.
A resposta, via rádio, do "distinto" oficial foi clara e rápida: "A RAÇÃO QUE DÁ PARA 3 DIAS TAMBÉM DÁ PARA 5"!!!
Era vulgar dizer-se que um militar não virava a cara á luta.
Foi o que fizemos.
Por essa razão insistimos no pedido ao oficial de operações.
A sua (dele) segunda resposta foi ainda mais rápida: "COMAM CAPIM"!!!
 
Palavras para quê?
Apenas soltámos aquele grito de revolta que se resume a 3 letras "FDP"!!!
 
Em resumo: mais uma missão cumprida e comprida (5 dias), mas sem qualquer contacto com o inimigo porque ... também não fizemos por isso!

Duarte Pereira Livre Pensador. Em Novembro de 1972 já estávamos na nossa última base.
Falta de comunicação.
Só teriam de chegar ao Mucojo, o que não seria fácil.
Depois era telefonarem para a 3509.
O Major Alvega, faria esses comentários.
Depois bebia mais um gole e era capaz de chorar.
Paulo Lopes Mas pergunto eu: porque raio estão estes textos escondido?
Hoje, tenho muita pena de não os ter encontrado antes de ter escrito, em definitivo, o "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis", pois tinha recolhido muito mais matéria e muito melhor e bem escrita que as minhas.

O livro seria outro.
Abraço a todos e um em especial para o Livre Pensador (Ribeiro).
José Lopes Vicente Mais uma ótima narrativa de uma operação iguais a tantas outra que efetuamos e que nos faz relembrar as dificuldades que os operacionais passaram.
Obrigado .
Armando Guterres Não tenho nada a ver com esta situação.
Nunca me molhei
Nunca tive contacto com o inimigo
(só com amigas - numa op. na Mataca e na op machamba no Quiterajo)
E quanto a ração de combate ... nada a assinalar ... numa em duas fui reabastecido de cerveja fresquinha.
E na op. machamba também fomos reabastecido de quatro garrafas de champanhe e não fora o heli canhão mais houvera.

Paulo Lopes Este nosso amigo Armando Guterres foi (e espero e desejo que ainda seja e para sempre) um grande sortudo na tropa (também teve a inteligência de o ser).
Eu recordo-me que, numa Op. que durou 23 dias (penso) estivemos 3 dias à espera de sermos reabastecidos num dos reabastecimentos calculados (ou não)!
Duarte Pereira Paulo Lopes. Parece que também tiveste o nosso "Mapé" de Abril/Maio de 1972.

sábado, 19 de setembro de 2015

Morteirada, por Paulo Lopes

Paulo Lopes
 
 
Como disse... cumpro, só para chatear quem não gosta! Lá vai a passagem em que fomos morteirados numa operação:
(...)
 
Era Domingo de Pascoa.
 
Ao longe já se ouvia o bater das hélices das moscas gigantes.
 
Apressamo-nos a colocar as telas de sinalização de cor berrante para que a nossa localização fosse detectada mais rapidamente.
Primeiro passou um bombardeiro T6 e já se avistavam os helicópteros.
Eram três e enquanto despejavam a carga que traziam (água e rações de combate), o T6 sobrevoava a zona.
Não foi longa a transacção de mantimentos e, um a um, os helicópteros deslocaram ficando o seu ruido característico a desvanecer-se pouco a pouco, devolvendo o silencio sagrado à floresta apenas, aqui e ali, desmantelado com o chilrear duma ave ou um grito de animal que detectava a nossa presença e se sentia ameaçado nos seus domínios.
 
Uma Feliz Pascoa para todos.
 
Rapidamente foram distribuídas as rações e água.
 
À mesma velocidade, abandonamos aquele local que, com o ruido que as máquinas voadoras espalharam a largos quilometros, era alvo fácil para uma tentativa de ataque com morteiros.
 
Na sequencia da nossa caminhada, rasgando a floresta, dilacerando a mata sabendo que, na companhia dos G.E., não haveria desvios de monta que atrasassem a nossa intenção, alcançamos o nosso segundo objectivo ao cabo do sexto dia: não se encontrava absolutamente ninguém e por isso não houve qualquer contacto.
 
Toda aquela zona estava sobejamente avisada da nossa presença e da enorme formação que actuava. Por isso todos se tinham retirado das machambas e abandonado todas as palhotas, refugiando-se numa das tantas bases muito bem simuladas e guardadas naquela difícil Serra de Mapé.
 
Limitámo-nos a rodear toda a zona de plantações e montar segurança para que os nativos destruíssem tudo: milho, mandioca, mapira, amendoim, feijão, tudo o que estivesse plantado e que já estava num processo adiantado de crescimento.
 
Tudo ficou destruído e queimado.
 
Saímos — como manda a lei da guerrilha — o mais rapidamente possível daquela zona e avançamos para outro local onde a floresta nos pudesse oferecer uma melhor protecção em relação ao nosso posicionamento.
 
Depois de andarmos mais uns quilometros, pernoitamos.
 
Nessa noite surgiu o que há muito esperávamos mas que estranhamente ainda não tinha acontecido: fomos atacados com granadas de morteiros!
Ouviu-se a primeira saída e logo a seguir, quase simultânea, a segunda.
Uns segundos depois —que para nós era uma eternidade— os rebentamentos. Aqueles rebentamentos assustadores que nos colocam numa posição de simples espera.
 
Os civis fugiam sem saber para onde.
Apenas corriam para o lado contrario ao dos rebentamentos.
Ideias falsas mas instintivas, pois, como sempre acontece nestes ataques, e imprevisível o local da queda dos projeteis.
Tanto caem aqui, ali ou acolá.
 
Fugir não adiantava absolutamente nada. Poderíamos mesmo estar a fugir para a morte.
Era incontrolável!
 
Caíram mais algumas granadas, mas felizmente e apesar de terem batido bem perto, não nos causaram quaisquer ferimentos.
 
Mas não deixaram de por toda a nossa ansiedade num sobressalto e por muitos ataques do gênero que possamos ter sofrido, cada um tem a sua historia e nada passa despercebido, quanto mais não seja, ao nosso subconsciente.
 
As morteiradas vão passando, mas as marcas, os sons e o próprio cheiro, vão ficando e a nossa memoria vai registando.
 
 
In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes