quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mais uma missão cumprida!..., por Paulo Lopes

Mais uma missão cumprida!...
Seguimos então em busca dum local mais apropriado para descansarmos. Talvez um hotel de cinco estrelas com piscina à saída dos quartos!
Já andávamos há mais de cinco horas e ainda não tínhamos parado, nem para comer!
Íamos na nossa marcha cautelosa quando o primeiro homem, num gesto instintivo de defesa e automatizado, rapidamente se mandou para o chão que, em cadeia, obrigou todos a fazer o mesmo. Era a minha secção que seguia na frente e então, rastejando, aproximei-me dele que de imediato levou o dedo ao nariz em sinal de silencio. Apontou-me para um morro dizendo em voz de surdina:
— Dois homens ali!
— Onde? Respondi no mesmo tom de voz tentando visualizar o local para onde ele apontava.
— Naquele morro!
Deslizamos ligeiramente, tal animal rastejante, um pouco mais a frente tentando uma melhor posição sem sermos vistos, mas os tais homens que colocaram em alerta todo o grupo de combate não os consegui ver nem nunca mais os distinguimos no meio daquele mato. Afinal não estávamos tão sozinhos como pensávamos ou gostaríamos de estar!
 
E se já nos tínhamos convencido que poderíamos abrandar a nossa atenção e aliviar um pouco mais a nossa tensão, seria melhor esquecermos esse pressuposto e não descurar-mos um possível ataque ou emboscada!
 
Continuamos o nosso caminho.
O cansaço era demasiado evidente.
A vontade de parar e comer começava a ser imperiosa mas toda aquela agitação tinha colocado em nós uma expectativa que nos deixava inseguros para uma refeição calma.
Mas tínhamos de o fazer.
Então, por ordem do alferes, sem uma escolha muito estudada do restaurante, puxamos da nossa varinha magica e eis que surgiu, vinda de dentro das nossas mochilas a nossa apetitosa refeição bem guardadinha dentro das famigeradíssimas latas de conserva das nossas não menos fabulosas rações de combate!
E que nos faça bom proveito!...
Mais vale isso que nada!
Pensarão os nossos patrões de enormes riscos e estrelas douradas nas divisas vermelhas, enquanto limpam as suas beiças untadas de molho de camarão grelhado com um guardanapo debruado a renda fina!
 
Enquanto comíamos com o máximo de silencio possível, ouviu-se um som ecoante de alguém que cortava lenha e, quase em simultâneo, um pouco mais ao longe, um cantar que não nos deixava outra ideia nem qualquer duvida que não a de ser a voz extraída dum papo de um galo!
 
Não haveria muito que pensar nem esforçarmos os nossos neurónios para descortinarmos que estávamos perto de uma aldeia mas, se porventura alguém ainda duvidasse de tal concreta conclusão, depressa acordariam para a realidade com um grito, que surgido do nada, nos despertou ainda mais a nossa já alertada expectativa:
— Tropaeue ! Tropaeue!
Dois tiros foram dados do mesmo lado donde provinha o grito e novamente o alarme com a mesma frase a ser gritada:
- Tropaeue! Tropaeue!
Acabou-se a refeição meus meninos.
Toca a pagar o almoço!
Não há sobremesa nem café para ninguém!
Num abrir e fechar de olhos ficou a mesa levantada e a cozinha arrumada! Imediatamente iniciamos a escalada do resto da serra, pois era de lá que tinha surgido todo o alarido.
 
Não sabíamos se o homem que gritou nos tinha visto ou se apenas detetou, como eles tão bem sabem fazer, as nossas recentes pegadas ou simplesmente ouviu qualquer ruído que tivéssemos produzido, por pequeno que fosse, mas suficientemente auditivo para aquelas orelhas atentas e de largo alcance detetarem.
 
O certo e que sabiam que estávamos muito próximos e por isso, a solução mais viável, era seguir o mais rápido possível para o local de onde tinham surgido os gritos antes que começasse a chover morteirada!
Não tardou que detestássemos palhotas no meio de árvores altas e densas, de mato cerradíssimo a volta de toda a pequena aldeia.
Rapidamente formamos a posição de assalto e aproximámos nos das palhotas.
Já perto delas paramos na tentativa de ver algum movimento, mas com os gritos e os dois tiros dados exatamente para fazer o efeito de aviso, era mais que provável que tudo tivesse desandado dali rapidamente.
Por isso, sabendo que na certa, se houvesse base ou posto avançado por perto, depressa cairiam ali granadas de morteiro.
Tínhamos que destruir rapidamente o que havia para destruir e zarparmos antes que se fizesse tarde!.
 
O que detetámos foram galinhas, ovos, panelas de barro e outros utensílios, mas alegrias para o major "Alvega" ou seja, armas e homens capturados, isso é que não!!!.
 
Lá voltamos nós a não contribuir para mais um bocadinho de medalha ou acrescentar mais um degrau na carreira auspiciosa do nosso tão heróico e muito querido major comandante de operações.
Pois.
Que pena!!!
Lá teve o alferes de o informar e o desiludir, mais uma vez!
Fica para a próxima!!!
No entanto, penso que ele já teria ficado contente só com a nossa deteção e destruição de mais umas quantas palhotas, o que aliviava um pouco a frustração da operação onde tinha envolvido a aviação. P
 
Poderia dizer que afinal sempre havia naquela zona movimentação IN e que os homens que ele comandava, obedecendo às suas ordens e seguindo as suas orientações, tinham descoberto, atacado e destruído.
 
Para mim e para os que quiserem contar a verdadeira historia destes ataques e destruição de meia-dúzia de palhotas que rapidamente seriam reconstruidas por aqueles que íamos afugentando, apenas se poderá dizer que não passavam de meros acasos como tantos que aconteciam.
 
A maior parte das situações que davam origem a entradas em bases ou postos avançados, nada tinham a ver com heroísmo, preparação ou experiência de guerra.
 
Não quero, não devo, porque não posso vulgarizar nem generalizar tudo e todos porque não estive em todos os lugares, porque não presenciei muitos ataques nem vivi com todos os que, como eu, perdemos estes longos meses de vida.
Mas posso falar e contar do que presenciei e que deles fiz integralmente parte.
E destes eu sei que a nossa determinação em encontrar inimigos, matá-los, destruir tudo o que encontrávamos, não era feita com qualquer intuito de enaltecermos o nosso heroísmos ou de agradar aos nossos superiores hierárquicos.
Para estes, apenas sentíamos o nosso rancor e desprezo e apenas por receio de represálias que estávamos sujeitos a sua, deles, prepotência é que fingíamos respeita-los.
Muitas vezes esses objetivos que nos obrigavam a procurar, surgiam-nos como por encanto.
 
Outras tantas aconteciam quando já pensávamos que nos tínhamos livrado de mais uma enorme chatice de termos que destruir ou disparar rajadas de ódio e quiçá, livrarmos a nossa pele de ser beliscada por uma bala disparada e encontrarmos aí o final de uma curta vida ou dela não mais termos vontade de a ter.
Não existiam aqueles heróis dos filmes de guerra.
Rambos ou similares, só de encomenda e nem mesmo aqueles que da guerra faziam profissão, lutavam só pelo prazer de lutar.
Poderá ser que tivessem existido, poderá havê-los, não afirmo que não mas eu, por onde andei, por onde rastejei, por onde escondi os meus medos e receios, por onde senti o meu corpo tremer de ansiedade, por onde senti a solidão abraçar a frágil juventude, por aí, eu não os vi nem nunca se deram a conhecer.
O que eu vi, o que eu senti ou o que eu fiz, foi sempre com o instinto de sobrevivência e nunca a pensar que um dia me chamariam herói porque esse espécime, pura e simplesmente não existe. Acreditem que o nosso, pelo menos meu, heroísmo, poderá apenas ser decifrado e justamente aplicado pela perda dos nossos anos dourados que os poderosos, governantes e desprezíveis homens do nosso país nos obrigaram a passar.
 
Por outro lado, digo-lhes com toda a sinceridade e sem falsa modéstia: não acreditem nas historias daqueles que dizem ter sido heróis porque sozinhos desbastaram exércitos de inimigos e viraram bases IN em cinzas defrontando a peito aberto e sem qualquer tipo de medos todos os que lhes fizeram frente.
Isso são guerras passadas apenas nas esplanadas de alguma cidade das colónias africanas e contadas por alguns que nunca estiveram no mato nem sequer, no mínimo, provaram uma única lata da ração de combate, quanto mais pegar numa G3 ou em qualquer outra arma para defender, quanto muito, a sua própria vida!

Os verdadeiros heróis já morreram e nem souberam porque!
E creiam que jamais serão lembrados nem imortalizados.
Apenas a dor ficará nos peitos de quem os gerou porque para os governos, apenas éramos e somos uns meros números mecanográficos que serão apagados dos livros históricos militares assim que a nossa juventude deixar de lhes fazer falta.
Pernoitamos já no sopé da serra e no dia seguinte estávamos na Mataca sem o pedido habitual de retirada visto que a nossa missão estava cumprida.
Não sei qual o conteúdo do relatório que foi elaborado em relação à operação agora terminada mas o major deve ter ficado furioso.
Tão furioso que "desceu" à Mataca.
Desconheço a razão nem tão pouco a conversa que ele manteve com o capitão mas, deve ter ameaçado com conselho de guerra e que nos enfiava no pior buraco de Moçambique!
Pergunto:
Haveria pior buraco que Mataca?
Pois coitados dos que lá estavam!
Mas, infelizmente, havia mesmo ainda pior que Mataca!
Não em instalações ou isolamento, disso tenho certas duvidas, mas sim, decerto, em questões de ataques traiçoeiros, guerra constante a distancia e de minas.
 
Locais onde cada dia era uma surpresa que colocava os nossos militares em constante aperto de peito. Cada saída para o mato, fosse em operação ou picada, era mais um jogo de “roleta russa”.
Corto os meus tomates se lhes estiver a mentir ao dizer que, majores; generais; tenentes-coronéis ou parecidos, não estavam lá nem um. E será que deveriam estar? Provavelmente sou eu que estou com exigências aparvalhadas!
Coitado do nosso herói! Fez-lhe bem a vesícula e veio justificar o seu abastado salário que o contribuinte lhe paga.
Nós ouvimos e... caluda, que isto é uma passagem (má passagem) para o outro lado da vida. E retorquir a vontade expressa deste ou de outro qualquer proprietário das nossas vidas de militar seria um passaporte para mais uns meses de presença às ordens deles.
Por isso, fiquemos nos pela nossa indignação contida no intimo com a esperança de um dia nos encontrarmos na vida civil!
Aí, provavelmente continuarei a não lhes poder fazer mais para alem do que aqui fiz, mas posso, pelo menos, ignora-los, virar-lhes as costas e mandá-los apanhar gambozinos!
Paulo Lopes
in “Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis”


sábado, 19 de outubro de 2013

Poema In "O Povo, Poesia em Movimento", do Paulo Lopes

 
Faço o meu comentário com extratos espaçados e aleatórios de um poema muito extenso que escrevi na minha tenra idade e que deu o nome a um livro de poesia, quando alguém me alertou, que existia a ditadura e censura (livro com poemas escolhidos entre 1967 / 70) capaz de me criar sérios problemas.

...........................................
Em passo de dança
em saltos de galgo
o povo dança não cansa
o povo corre não morre
........................................
E o povo chora calado
não grita
........................................
Nos lábios calados do povo
foge o sorriso
nasce a tristeza
passam as lágrimas
vindas do fundo
de ruas esfomeadas

Mas o povo vai à festa
e canta
e dança
e aplaude

Manda flores
em vez de pedras
beija as mão
em vez de morder
...................................................
E na festa
bebe o suor
come os minutos
sofre a dor
de mais uma guerra perdida
com palavras inativas
....................................................
E o bolor apodera-se do corpo
e a humilde carcaça do povo
encosta-se ao osso
enquanto crescem barrigas.
..................................................
E as águas as aves o vento
e o povo num choro calado
gritam poesia em movimento.

Claro que muitos críticos, uns de meia tigela, outros de tigela inteira dirão (e quiçá com muita razão) que isto não é poesia, é um amontoar de palavras sem sentido.
Mas são palavras minhas, que saíram de quem sempre andou ao sabor das suas próprias ideias sem nunca se ter deixado (nem por toda esta cambada que se aproveitou desde Abril 74 para brincarem aos democratas, socialistas e comunistas) manipular por politiquice.
Tenham paciência mas eu, quando escrevo, não finjo que escrevo e percebo muito bem todas as linhas escondidas nos textos e contextos (só que, por vezes, não ligo).


in "O Povo, Poesia em Movimento"
Paulo Lopes

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Esta é para os operacionais..., por Rui Brandão


 
 
 
30 de Julho de 2013 23:09
 
Caros Combatentes.
Regressei de uma semana de férias.
Mas ainda há mais... Calma.
Como devem calcular estive com grande sofreguidão a ver as "entradas" do pessoal aqui na nossa página, sempre fantásticas e surpreendentes.
Boa!!!
No entanto, parece (poderei estar enganado) haver por aqui algum ESTATUTO assumido não sei como, por aqueles que eram tidos como operacionais em desfavor daqueles que lhes foram incutidas outras especialidades, como se estivessem menos sujeitos a perigos.
 
Pois bem.
Vou partilhar convosco uma história verdadeira que se passou comigo, quando eu ainda tinha alguma esperança de não ser convocado para os treinos na dita Guerra do Ultramar.
 
É verdade, passou-se mesmo na Recruta em Santarém (quem lá passou, sabe como aquilo era...).
 
Durante a chamada "semana de campo", eu fazia parte de uma patrulha que andava atrás dos "turras".
Como não era possível apanhá-los (andavam sempre de pincha de um lado para o outro), o aspirante que era um tretas e ainda um valente f.d.p... mandou-nos assaltar o nosso próprio acampamento.
Nada estava combinado ou planeado.
Resultado, uma confusão do caraças, tiros para todos os lados e eu naquela balbúrdia toda, sou atingido com uma bala com o cano da Mauser a menos de 10cm da perna esquerda quase junto ao osso ilíaco.
Ato contínuo levantei as patas pelo ar e fiquei estendido completamente sem forças.
Enfermeiros, 4 agulhas espetadas na perna (nem as sentia) e toca de injetar Buscopan.
Fui evacuado de ambulância para o Hospital da Estrela onde cheguei quase 3 horas depois.
 
Durante a viagem comecei a bater mal porque não sentia a perna esquerda - Como eu te compreendo meu caro amigo Rui Briote!!! - .
Operado de urgência, com muitos pontos e ainda um dreno, fiquei condenado a ir, passados 7 dias, a Santarém para jurar bandeira para não perder a Recruta.
Fi-lo completamente sozinho em plena Biblioteca da Escola Prática de Cavalaria perante o Comandante (só me lembro que se chamava Banazol).
As dores eram insuportáveis e cada vez ia descaindo mais para o lado esquerdo, mas jurei aqueles mandamentos todos que me lixei.
Sim!!!
Eu posso afirmar que jurei mesmo Bandeira.
 
Ai não... Esta é para os operacionais.
Fala-vos um ex-militar que sabe o que é ser ferido por um tiro e viver a incerteza do que lhe poderá acontecer para o resto da vida.
Tenho ainda mais para vos contar no próprio teatro de guerra.
Ficará para mais adiante...
 
 
 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O PRIMEIRO DIA NA EPC - SANTARÉM..., por Livre Pensador

Escola Prática de Cavalaria - Santarém

Livre Pensador ... a diferença entre a instrução de Lamego e de Santarém não seria assim muita. A diferença mais notória estaria na forma como se interpretava essa instrução.
 
Mas já que falei de Santarém e uma vez que já alguns camaradas aqui contaram a sua experiência sobre o 1º. dia de tropa, eu aproveito a oportunidade para contar também a minha vivência desse mesmo dia que nos marca a todos.
 
Bem sei que não tenho dotes de escritor, mas é costume dizer-se que "quem dá o que tem a mais não é obrigado".
 
Aqui vai, então a minha aventura do famigerado 1º. dia.
Ele ocorreu a 11 de Janeiro de 1971.
Este mancebo dirigiu-se ao destacamento da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
 
Após as devidas apresentações fui encaminhado juntamente com outras 29 vítimas para um pequeno recinto retangular, ao ar livre, onde se procedeu à distribuição do respetivo fardamento.
 
Quem por lá passou decerto que se recordará desse pequeno espaço.
Mas dizia eu que fomos levados para esse recinto para que nos fosse atribuída a indumentária que nos iria acompanhar durante os 3 meses de recruta do curso de sargentos milicianos.
 
Dispostos em "U" ao redor desse recinto, fomos sendo presenteados com as várias peças que compunham esse mesmo fardamento.
Para os novos donos do nosso destino próximo, pouco importava se a nossa constituição era maior ou menor.
Todos recebíamos a indumentária que era distribuída aleatoriamente.
Para os novos mancebos ficaria, à posteriori, a tarefa de trocarem entre si as peças do fardamento grandes ou pequenas, de modo a que ficassem o melhor "ataviados" possível.
 
Embora estivéssemos atentos a todo aquele desfile em que as últimas criações da moda inverno 71 eram depositadas aos nossos pés, eis senão quando, surge numa das extremidades do referido recinto, alguém que nos pareceu fardado a rigor, calçando botas altas próprias da cavalaria, blusão de cabedal bem lustroso, e com algumas listas amarelas brilhantes e cintilantes em cima dos ombros.
Creio que cada um dos 30 mancebos (falo pela minha reação) ficou a olhar para o vizinho do lado na tentativa de receber uma ajuda sobre qual a patente daquele cavaleiro.
Porém, rapidamente ficámos concentrados na insólita personagem, pois de imediato se ouviu um berro que dizia : « Óh seu cabrão, desencoste-se daí que me suja a parede»!!!
Tornou-se evidente que algum de nós (pobre mancebo) estaria encostado à parede que seria pertença daquela magna pessoa.
Imediatamente e, sem mexer nem pestanejar, tentei perceber qual das outras 29 vítimas estaria a cometer semelhante "crime".
Concentrado que estava nesta prospeção, chega aos meus ouvidos e dos restantes companheiros de infortúnio, nova frase saída do mesmo bocal: « Não ouviu, seu cabrão ?
Já lhe disse que me suja a parede »!!!
É então que reparo em 58 olhos de mancebos que se encontram focados em mim e, instintivamente, através dum pulo ou dum salto (ainda hoje não sei bem) desencostei-me da referida parede e assim parei de contribuir (segundo a teoria da tal personalidade) para a degradação do património do estado.
 
De imediato concluí que o tal cabrão era apenas e só EU !!!
 
Passado que foi este "agradável" encontro, o nosso anfitrião teve a amabilidade de se apresentar, dizendo bem do alto da sua "superioridade": « sou o tenente Capão e serei o vosso comandante de esquadrão durante o tempo da recruta, tempo esse que será para vós de sangue, suor e lágrimas »!
E mais não disse.
Virando as costas, saiu tão depressa como chegou e deixou em todos nós a convicção de que estaríamos entregues à bicharada durante os tempos mais próximos.
 
Foi assim o meu primeiro dia de tropa.
Sim, digo bem, o dia.
É que a primeira noite foi bem pior para todos nós, mas essa história ficará para outra oportunidade se todos vós tiverem interesse em que eu a descreva aqui na nossa página.
 
Obrigado pelo tempo de antena que me disponibilizaram e um abraço para todos.
 
Ribeiro.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

A EMBOSCADA..., por Paulo Lopes

Hélios a descolar
Os patrulhamentos à volta do nosso estacionamento continuavam como continuava a nossa vegetação no tempo.

Com estratégia um pouco diferente mas com intenção exatamente igual: assim que o sol punha em questão a sua continuidade diária dando inicio ao seu desaparecimento por detrás do horizonte, saia um grupo para patrulhar em redor da zona circundante ao estacionamento, acampando e emboscando diversificados pontos da mata, só regressando pela manhã.
 
Quando chegou a vez de o meu grupo sair, em vez de ir patrulhar, calhou-nos em sorte, uma operação com a previsão para cinco dias:
— Encontrar e emboscar trilho muito batido por elementos IN, na direcção dos Montes Metecos.
Era a finalidade desta operação!
A festa continuava.
A luta prosseguia.
As horas seguiam pachorrentas. Pachorrentas em demasia para quem queria ver o tempo correr, pular a cerca do arame farpado, voar por cima da extensa floresta e aterrar num local de paz, se possível bem longe de armas e, principalmente, dos abutres desta incompreensível guerra.
Tudo nos parecia igual ao dia anterior... ou quase tudo: operações, picadas, emboscadas, cansaço, sofrimento, desilusão, esperança e de vez em quando, à mistura, muito disfarçado, aparecia um pouco de falsa contradição à regra para alegrar o ambiente.
Por isso também estas minhas memorias que vou transcrevendo para estas longas paginas são quase sempre iguais.

Procurámos o tal trilho, qual agulha no palheiro, mas a Av. da Liberdade nunca mais dava mostras de si!... No nosso pensamento pairava a incerteza de se estaríamos corretamente orientados.
Se não estaríamos em coordenadas erradas ou que julgaríamos estar ou, mais uma vez, o tal trilho era invenção ou má informação do nosso querido major. Andámos de um lado para o outro.
 
Dirigimo-nos a norte e a sul, percorrendo toda aquela zona indicada pela mensagem e nada, absolutamente nada! Já nos preparávamos para regressar à Mataca quando, ao comunicarmos dando informação das coordenadas onde nos encontrávamos, do insucesso da operação e pedindo autorização para o regresso, fomos informados para abrir uma clareira nas coordenadas “X” a fim de os helicópteros poderem reabastecer-nos para mais três dias.
Noticia muito mal recebida mas a qual não havia espaço nem forma para contestação e tinha de ser cumprida.
Fomos ainda pernoitar nas coordenadas indicadas e na manhã seguinte fizemos a preparação necessária para a aproximação e aterragem dos hélios.

Ao longe, já se ouviam os motores do bombardeiro T6, companhia habitual nestas andanças de reabastecimentos.
Para facilitar a tarefa dos pilotos das aeronaves que vinham ao nosso encontro e para uma mais rápida e eficaz deteção do local, tentámos comunicar com eles através do radio banana mas —espanto dos espantos— não funcionou!!
Entretanto os helicópteros já se avistavam mas um pouco distantes do objetivo e numa direção errada à que se pretendia.
As tentativas de comunicação com o T6 ou com os pilotos dos hélios continuavam a ser frustradas. Não conseguíamos obter qualquer sinal e quanto mais tempo eles andassem a mostrar-se no ar, maior era a hipótese de serem observados pelo IN dando-lhes indicação correta do nosso posicionamento e da nossa presença na zona.
Nada a fazer: radio avariado!
Conclusão brilhantemente encontrada!
Comunicámos com Mataca através do Racal:
— Alo XY9. Alo XY9. Aqui macacos. Informa se me ouves. Escuto.
— Diz lá ó macaco. Respondeu o radiotelegrafista de serviço no posto da Mataca com um certo ar de gozo devido ao cognome que foi dado à formação de combate para esta operação, coisa que se fazia muito nestas comunicações até talvez para nos dar um pouco de animo e aliviar tensões.
— Aqui o macaco está à rasca com os pássaros. Vê se consegues comunicar com eles que eu já estou farto de estar empoleirado nos galhos das árvores.
— OK., vou tentar. Continua atento.

Esperámos um pouco.
Entretanto lançámos duas granadas de fumo.
Quê do fumo? Lançámos mais duas. Uma amostra de fumo, ou tentativa disso, saiu vagarosamente e muito a custo duma delas que mais parecia o apagar de um cigarro que nem aos primeiros ramos das árvores chegaria. Mais uma brilhante conclusão: granadas de fumo deterioradas! Exatamente igual aos nossos altos comandantes: mentes deterioradas!
Voltámos a ligar:
— Alo XY9. Alo XY9. Aqui macaco. Diz se me ouves. Escuto.
— Sim macaco. Estou a ouvir.
— Conseguiste alguma coisa ?
— Já estou em contacto com os pássaros. Vai dizendo a tua posição..
— Eles que voem mais para sul. Estamos numa clareira perto de árvores secas e queimadas.
Apenas mais um pouco de espera e prosseguimos: — Assim esta bem. Venham sempre em frente. Se correto termino. Um Alfa Bravo.

Finalmente desceram. Um após outro depois do levantamento do anterior. Descarregaram as rações de combate e a água, voltando a afastar-se rapidamente.
Confusa mas ordenadamente fez-se a rápida distribuição dos mantimentos e de água destinados a cada um de nós.

Continuámos em busca do malfadado trilho mas agora possuidores de novas ordens de direção a seguir.
Palmilhámos horas fazendo paragem para almoço numa esplanada com vista para os Montes! Agradável visão mas o “serviço” era péssimo e o menu, lastimável, por isso, sem deixar gorjeta, fizemo-nos à “estrada” porque o tempo escasseava e o trilho não queria aparecer.
Conseguimos encontrá-lo ao fim da tarde!
Afinal existia!
Seguimos por ele durante algum tempo.
De repente surgiu uma sucessão de trilhos que se dividiam em forma de forquilha e avançavam em três frentes.
Escolhemos o mais batido!
Todos nós redobrámos a nossa atenção, convictos de que algo nos esperava no extremo do trilho!
Cautelosos e desconfiados, com uma lentidão de caracol, olhos de Lince e ouvidos afinados, íamos progredindo no trilho.
De repente, num relâmpago e numa sequência vinda da frente, todos nos deitámos no chão: o homem que seguia no ”olho” da formação tinha detetado uma palhota e deu o alerta através dum sinal gestual para o que seguia na sua retaguarda fazendo sucessivamente o elo de ligação aos outros que, como é óbvio, seguíamos em formação de progressão.
Do lado da palhota o silencio predominava!
Tudo levava a crer que não se encontrava la ninguém, mas nada de fiar, nada nos dava a garantia que não estivessem emboscados, prontos para disparar sobre nós.
Por isso todas as cautelas tinham de ser tomadas e qualquer movimento tinha de ser avaliado como suspeito.
Os primeiros homens do grupo que ia na frente adiantaram-se um pouco mais originando a falta de comunicação entre nós, desfazendo a necessária e indispensável ligação.
O meu grupo seguia na retaguarda e no meio do mato, uma a uma, iam surgindo mais palhotas.
De repente, um dos homens do grupo, deu a sinalética para nos baixarmos e deitou-se preparando-se para disparar:
Tinha detetado vultos em movimento no meio das palhotas !
Fazendo uso de toda a força dos pulmões, alguém gritou:
— ALTO. NÃO DISPARES SÃO OS NOSSOS.
Creio que este berro protetor, auditivo a longa distancia, evitou algo de muito mau!
Se aquele homem tem disparado a sua arma, originava um pandemónio geral que, depois, ninguém saberia quem era quem e ficaríamos ali a disparar contra nós mesmos, pois os vultos que vagueavam por entre as palhotas pertenciam ao grupo que seguia na frente e que, com a excitação do achado, se afastara demasiadamente ficando assim a comunicação visual e gestual perdida, esquecendo- se de que, com esta falha, os que seguiam na sua cauda ficavam sem conhecimento do que se estava a passar na frente da coluna desconhecendo a posição deles.
São falhas humanas que só sucedem a quem anda no meio desta guerra e desta mata agressiva de densidade extrema e de perigos constantes.
São também estas falhas que demonstram a nossa fragilidade, a nossa meninice para estas façanhas. Provas evidentes da quão relativa era a nossa experiência e capacidade de guerrilha.
Apesar de estarmos já com muitas e longas horas de “voo” nesta máquina que é a guerrilha de floresta, existem pormenores que nos escapam e são completamente varridos trazendo ao de cima toda a nossa estrutura de amadores da guerra.

Quando parte de um exército, aquela que combate no mato, só está em ação porque a isso é obrigada, sem ter em mente um objetivo comum e enraizado nas suas entranhas que luta por uma causa justa.
 
Quando apenas a intenção é simplesmente manter-se vivo, sobreviver ao tempo, defender a sua própria pele e a dos seus companheiros e ir-se embora o mais rápido possível, abandonar as vestes de militar, esquecer as armas, ignorar os que nos enviaram para esta vida, descomprimir o nosso espaço, nunca poderá existir uma coesão total de força comum, nunca será uma real fileira de guerra nem de máquinas mortíferas capazes de matar por matar e dar a vida pela tal causa justa que a todos beneficiaria.
Arrisco a dizer que nós, os amadores, os incompetentes, os inadaptados a esta vida, poderíamos não perceber nada do que estávamos involuntariamente a fazer mas tínhamos um conhecimento que nos generalizava a questão: esta guerra nada tinha de justa e muito menos iria beneficiar o povo português.
Beneficiaria sim, os tubarões nacionais e internacionais.
Esta guerra não era nossa, apenas tínhamos de a suportar e obrigatoriamente defender, com a nossa própria vida, os interesses bilaterais instalados no sistema minado de corruptos e corrompidos poderosos, mágicos da mentira, malabaristas das palavras.
Figuras escondidas por de trás de outras caras menos poderosas na politica mas tão ciosas do poder monetário e protagonismo quanto os seus mandantes.
Por isso e por razões de defesa própria, estando no meu pensamento que tal sentimento, não sendo generalizado era, no mínimo, em grande maioria, razão para que, podendo nós dizer não, seguindo os nossos instintos, desprezar por completo as ordens dadas pelos profissionais, o faríamos.
 
Profissionais da guerra que nunca estão presentes nestas nem em nenhumas ocasiões onde a presença do perigo nos aperta o peito e assola a calma.
Nenhuma destas peripécias e de outras tantas de desfecho trágico que acabaram com vidas de jovens inocentes na flor da vida acontecem numa daquelas maquetas feitas em cima de uma mesa, com a operação a ser comandada pelo ponteiro de um qualquer general ou de patente parecida.
Aí, com a destreza, valentia, coragem e amor à Pátria do ar condicionado, tudo é perfeito e não existem falhas, receios ou negações às ordens e até éramos capazes de terminar a guerra em meia-dúzia de dias.
Mas esses heróis dos mapas e ponteiros para alem de pensarem que sabem de táticas e esquemas desta guerrilha mas que não percebem patavina, também não tinham no seu horizonte de vida, terminar com a guerra.
Não era fator que estivesse nos seus reais interesses!.
Porquê terminar com a boa vida cheia de prazeres e tão lucrativa?... Não eram eles que corriam perigo eminente e os seus filhos, naturalmente, estariam no Colégio Militar!
Ou na Suiça!
Digo eu que, apesar das circunstâncias adversas, continuo a gostar de dizer coisas!

Felizmente alguém se apercebeu e teve olhos e frieza suficiente para ver que, quem estava do outro lado das palhotas, eram os nossos próprios companheiros!
Mas o forte grito não perturbou os homens que naquele momento já destruíam todas as palhotas que, sem duvida, era um posto avançado de uma base próxima, dada a forma de construção e de como era a continuação e estilo de trilhos.
Depois de tudo destruído, avançámos paralelamente e bastante cautelosos por um dos trilhos.
Decerto que os habitantes daquele posto avançado já se tinham apercebido há muito que andávamos por ali e, como tal, tudo era de esperar, desde minas colocadas no trilho, emboscadas previa e minuciosamente preparadas, a morteiradas enviadas da base.
Já o sol se começava a esconder no horizonte e a luz do dia ameaçava o colapso quando nos afastámos um pouco do trilho para pernoitar e montar uma emboscada.
Com todas as instruções dadas e tudo já “acomodado” nos seus locais de pernoita e emboscada, ligamos para Mataca:
- Alo XY9. Alo XY9. Aqui macaco. Diz se me ouves. Escuto.
— Diz lá meu macaco!
— Toma nota e chuta para DN6.
Detetadas e destruídas varias gaiolas vazias. Estou quieto. Espero ordens. Diz se correto. Escuto.
— OK. Macaco. Volta daqui a dez que eu vou informar DN6. Escuto.
— Correto XY9. Termino. Um alfa bravo.
Passado o tempo recomendado, voltamos a ligar:
— Alo XY9. Alo XY9. Aqui macaco. Diz se me ouves. Escuto.
— OK. Macaco. Estava a tua espera. Já tenho bananas para ti. Toma nota. Continua quieto e amanhã quando almoçares volta a este. Diz se correto. Escuto.
— Correto. Um alfa bravo. Termino.

Tal como o major ordenara, ficámos emboscados até cerca das onze horas da manhã seguinte sem que nada tenha acontecido. Quando ligámos a Mataca para informar que nada tínhamos visto nas horas anteriores, deram-nos ordem de regresso, o que fizemos de bom grado, numa caminhada, o mais direta possível e com a rapidez que as nossas pernas cansadas permitissem.

in "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
 Paulo Lopes