sexta-feira, 29 de maio de 2020

Vida de cigano em Moçambique, por Duarte Pereira


VIDA DE CIGANO

Aquela picada apertada onde poderia ir dar ?
Disseram-nos que a nossa missão seria de protecção, para a alargar.

Nos primeiros tempos no quartel de Macomia (onde por acaso nunca fui nomeado para estar de serviço), a vida corria sem sobressaltos....

Uma camarata para dormir, uma cama, um colchão, lençóis e até um armário para arrumar a tralha. 
A casa de banho com duche e tudo.

A messe de sargentos, não devia ser má, mas a minha memória tudo apagou. 
Do bar, a mesma coisa .
Não me lembro em que edifício ficava e muito menos de lá ter posto os pés.

E o tempo foi passando, a estrada ia avançando. 



Sai um "acampamento" e antes ou depois, um aldeamento e finalmente uma base ( mais a sério). 
Muito frio à noite no tempo seco, muito calor de dia e de noite no tempo quente.
Mesmo assim, acho que dormia vestido e com as botas, não fosse algum "bichinho" querer brincar. 

As chuvadas chegavam a assustar.

O barulho de corujas ou mochos, que os trovões faziam calar.

A vigilância à noite, sem guarita, abrigo ou qualquer protecção.

Talvez só a capa impermeável camuflada e o encostar a alguma árvore.

Dores de barriga à noite eram proibidas. 
Quem se arriscaria a sair do perímetro ?
As necessidades, deviam ser fora do acampamento. 
Mais tempo a escolher o sítio do que a fazer o "serviço".

A companhia 3509 devia ser a mais bronzeada.
Parte da cara, dos braços e mãos .
Os mais morenos, não vou dar exemplos, já pareciam ciganos.

Pegas Albino - Pegas - Concordas?

Ontem não comentei, porque estava com o tableto..., por Armando Guterres

Armando Guterres
27/04/2019

Ontem não comentei, porque estava com o tableto. 
Agora com o computador ... dá para ler num lado a publicação do Paulo Lopes e comentar noutro.
Suponho que foi uma secção que voltou à Mataca, com a berliet.
Se ficámos em Macomia para irmos para a ponte Muagamula, nunca poderia ser do 1.º pelotão.
Só a ponte maior, de duas, é que foi deitada abaixo.
O problema foi resolvido - passando no leito do rio, do lado mais baixo do terreno. 
Ali o terreno era mais arenoso. 
Na outra ponte era mais pedra, portanto mais difícil de escavar.


Se tu foste para para a apanha do caju, eu fui, com a outra metade do pelotão, para a ponte Muagamula.


Confirmo com:
Uma vez, em que se falava que iriam colocar uma balança industrial, no Metoro (cruzamento da Viúva), perguntei ao Subtil: "Quem é que pagas a mina, para eles deitarem aquilo abaixo?"
- Citando o mesmo: Comprava uma viatura de carga (3500 KG). Ia carregada de caju [ele é que pesava e fazia o preço] para Nampula. 
Regressava carregada de produtos para vender no bar e na cantina, sem esquecer o quartel. 
A meio do terceiro regresso a viatura estava paga. 
A partir daí era só lucro.

Naturalmente, poderei estar enganado ... basta uma justificação.

- Foto da pequena, não encontro a foto da grande, dos Sapadores da CCS.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

A tintura de iodo fazia "milagres", por José D'Abranches Leitão

Memórias
A tintura de iodo fazia "milagres"
Missão : instrução militar para autodefesa da população. distribuicão de Mausers à população!
Molumbo 1972.

Diariamente nos deslocamos a uma aldeia entre o Molumbo e Milange. 
Comigo no Jeep ia sempre a "mala de enfermeiro" com tudo o que eram primeiros socorros...ligaduras, comprimidos LM, quinino e uns verdes para desinfecção da agua dos cantis, adesivos, "mercurocromo", álcool, talas, seringas, tintura de iodo, etc.

Manhã cedo, depois de uma viagem numa picada em muito mau estado, chegávamos a uma clareira no meio das palhotas. 

Éramos recebidos pelo chefe da aldeia, um cocuana já com alguma dificuldade em andar! 
Invejava a sua bengala em pau preto, e a meu lado o João Paulino, o nosso tradutor. 

A instrução começava com uma marcha em círculo...depois uns exercícios de ginástica de pernas e braços. 

Apareciam para as "aulas" muitos jovens e alguns cocuanas. 
Estes tinham muita dificuldade, mas a vontade férrea de também lhe ser atribuída uma Mauser, era enorme. 
Diziam que só queriam a arma para se defenderem do macaco-cão que, em bandos de várias dezenas, lhe destruíam as machambas de mandioca, principal alimento da sua "cadeia alimentar"!!!

Durante varias semanas a instrução matinal era motivo para também se fazerem curativos às maleitas de que se queixavam. 
Dores de cabeça, pequenas feridas, dores de barriga, etc.
Tudo era motivo para rapidamente se esgotaram os medicamentos. 
Os LM davam para tudo.
Mas um belo dia e depois de esgotados todos os medicamentos, aparece uma cocuana que se queixava de dores fortes na garganta. 
Mal falava tal a rouquidão. 
Olhei para a mala de enfermeiro e so restava um frasco de tintura de iodo e algodão!
Bem aqui pensei...se bem não fizer mal também não faz e com delicadeza pincelei, as peles que pendiam (eram as mamas) o pescoço ate à barriga com a tintura de iodo.
Disse ao João Paulino para lhe explicar que a rouquidão iria passar e no dia seguinte já estaria curada!


Não foi no dia seguinte, mas passados uns dias, eis que aparece a cocuana e o velho marido, ela com uma capulana tipo sacola,com muitos ovos e ele com uma galinha. 
Num ritual com vénia e tudo, eis que me oferecem aquele presente. 
Em dialecto que o João Paulino traduziu a meu pedido ... o agradecimento/oferta porque eu "Homem bom" a tinha curado!!!

Claro que nesse dia...senti-me mesmo "um homem bom"!!!! 
E tudo por causa da tintura...da milagrosa tintura de iodo!

José Leitão
C.Cav 2752

Momentos Antagónicos, na Ponte sobre o Rio Messalo, Livre Pensador

Livre Pensador
27/05/2020

Aqui está uma foto que retrata o dia a dia passado na ponte do Messalo. 

Foi um lugar quase mítico para os militares da Ccav. 3508 que a defenderam 24 horas por dia. 
Ali foram vividos momentos completamente antagónicos. 
Que bom poder tomar um banho refrescante nas águas do rio a qualquer hora do dia. 
Que mau ter "ratossauros" a fazerem turismo nos nossos corpos durante a noite. 
Que bom poder descansar todo o dia, durante sete dias seguidos, sem ter de fazer patrulhamentos ou operações. 
Que mau pensar nas poucas hipóteses que teríamos de sobrevivência, se a Frelimo decidisse fazer um ataque em massa. 
Que bom passar noites a observar o belo luar cravejado de milhares de estrelas, algumas cadentes.
Que mau ouvir à noite os batuques de fim de semana na base da Frelimo do lago N´guri, ali tão perto, deixando-nos a sensação de estarmos junto da boca do lobo. 

RECORDAÇÕES: saudades pelas boas, tristezas pelas más.


terça-feira, 26 de maio de 2020

24 de Maio de 1972, por Livre Pensador

Livre Pensador
24/05/2020
24 de Maio de 1972 foi o primeiro dia triste para os militares da Ccav. 3508 estacionada no Chai desde 21 de Fevereiro desse ano, e eu jamais o esquecerei. 
Foi o dia de mais uma coluna até ao famigerado monte dos Oliveiras. 
Como habitualmente, as viaturas partiram do Chai em marcha muito lenta, durante 5 ou 6 km até à ponte Mapuedi. 
Até esse local as possibilidades de emboscadas ou minas eram, por nós, consideradas remotas. 


Ao chegar ao local apeou-se a secção de picagem, e o restante percurso até ao monte dos Oliveiras (cerca de 15 km) será feito apeado. 
Dou orientações sobre os procedimentos a tomar e inicia-se a picagem. 
Instantaneamente ocorre uma explosão. 
Todos no chão e reacção imediata com tiroteio. 
Apercebo-me de só haver tiros das nossas tropas e mando parar o fogo. 
Assim que me levanto, fico petrificado ao verificar o que restava do corpo humano do militar que seguia atrás de mim, a montar segurança, enquanto eu picava. 
Os dilagramas que ele transportava à cintura tinham acabado de explodir. 
Assim faleceu ingloriamente, há 48 anos, o primeiro militar da Ccav. 3508, o 1º. cabo Manuel Delgado. 

Paz à sua alma. 

Na primeira foto pode ver-se o dispositivo adoptado para a picagem até ao monte dos Oliveiras, constituído por uma equipa de cada lado da picada e em posição desfasada.

Comentários
  • Duarte Pereira Os dilagramas não eram de fiar. Transportei dois durante quase toda a comissão entre as cartucheiras dos carregadores da G-3. Levava umas quatro ou cinco balas especiais para o seu impulso num dos bolsos da camisa do camuflado. Por vezes levava o sistema montado , já com a bala própria na câmara . Era preciso ter muito cuidado com as cavilhas das granadas , penso que até poderiam enferrujar e partir.

  • Livre Pensador Sem ter a certeza, mas quase posso garantir, que naquele caso terá sido uma cavilha que saiu dum dos dilagramas quando o malogrado Delgado saltou do unimog para o chão.

    • Fernando Bernardes O Delgado foi sentado ao meu lado,e o alferes ia nas nossas costas.Como ele não levantou logo,constou que teria estado toda noite a jogar,o alferes perguntou se ele não ia picar.Saltou do unimog e minutos depois estava morto.Quanto aos dilagramas,eu próprio vi e tive me minhas mãos alguns em que o braço que une o dispositivo onde se encontra a granada e a alavanca da própria granada,estava partida.Eu vi o movimento que o Delgado fez quando começou a andar e a picar.Ele procurou "apoiar" a G3 entre o corpo e as cartucheiras,prática que muitos utilizavam.Segundos depois estava morto.Quando cheguei junto do corpo dele,percebi logo que cheirava a leite com café,havia pedacinhos de notas em volta do corpo misturados com sangue dele,e toda a parte lateral esquerda não existia mais.

  • Armando Guterres Não passei da G3 e de uns petardos de TNT para mina anticarro (deles ou nossa? - estava por tapar). Mais três ou quatro para destroçar o que restou da arrecadação de material de guerra - éramos tão eficientes que dispensámos trabalhos externos [o que nestes tempos chamam de "exteriorização"].

  • José Coelho Muito meu amigo e conterrâneo,está sepultado no cemitério de Faro. Que descanse em Paz.

  • Rui Briote Foi um choque tremendo e nunca mais me esqueci, pois estava presente....;(. Estas datas são horríveis e a minha está a aproximar-se e estou a ficar já alterado... não é fácil

  • Jose Capitao Pardal O primeiro de muitos... Era da minha seção...
    O ex-alferes Jose Ribeiro fez uma ginástica enorme para o conseguir no nosso pelotão, pois era o cabo que na especialidade mais se tinha destinguido... Rui Briote é que não gostou nada da brincadeira... não foi?

  • José Coelho Na primeira mina que tivemos o Pinto encostou a G3 com dilagrama a uma árvore,correu para socorrer os feridos,no meio daquela confusão toda alguém sem querer tocou na arma,a mesma ao cair a granada saiu fazendo -se explodir,"uma desgraça numca vem só" (ditado antigo) um furriel em estado muito grave,penso que ficou cego...outro nosso Militar (O Nelinho) também gravemente ferido,sendo evacuado para Nampula e depois para a África do Sul terminando tanto o Furriel como o Nelinho, a sua triste carreira Militar no Hospital da Estrela.

    • Paulo Lopes Esse episódio foi o despoletar para a minha mobilização que, em princípio, estava já fora de questão!!

  • Armando Guterres O dilagrama tinha sido descavilhado. Mas, com a ordem de cessar-fogo, nem a atirou nem voltou a recolocar a cavilha.

  • Armando Guterres A sua ausência fez-nos falta.

    • Paulo Lopes Já a mim, a sua presença por aí também me fazia falta mas...

  • José Lopes Vicente Fiz quase toda a comissão com o diagrama. Por precaução a cavilha do diagrama retorcia para para dificultar a sua saída do diagrama. No carregador apenas a do bala do dilagrama. Apenas o utilizei uma vez no ataque à ponte do Messalo. Quando bem disparado dava muito jeito.

    • Manuel Fernandes Acabou de falar o jovem mais sereno da 08.Companhia Descarararar

  • Armando Guterres Para mim, o dilagrama e o morteiro 60, na terceira emboscada, deram-nos uma boa ajuda.
    Quem falou em sacas?

  • Joaquim Afonso eu recordo bem esse dia porque me tocou um carregamento de bidons de combustível e não gostava porque tinha medo.na minha lembrança estava a chover e com neblina

  • Alberto Cardoso Estava lá foi coisa feia o que aconteceu pois ele era quase meu vizinho

  • Fernando Silva Antonio Paz a sua Alma.