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quarta-feira, 16 de julho de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capitulo VI, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO VI
A chegada ao interior do quartel foi um pouco estranha.
Na periferia estavam soldados deitados no chão com as G3; na messe de Sargentos havia uma euforia nervosa e próxima da estupidez.
A malta ria descontroladamente.
A descarga dos nervos era uma evidência.
Exultava-se por que não tínhamos feridos embora fosse a última coisa que estivéssemos à espera. "Aquilo" tinha sido um massacre.
De imediato fui acolhido pelo Fur. Rosa (mecânico) que me cedeu o seu quarto para mim e restante família.
Uma vez instalados, fomos convidados para a patuscada que o Fur. Pacheco estava a fazer.
Ele mesmo tinha chegado de férias havia 3 ou 4 dias.
Trouxe um pitéu para o pessoal - línguas de bacalhau.
 
 
Ficou destinado para esse dia 7 de Julho o jantar com uma caldeirada de línguas de bacalhau.
Quando começou o ataque, o Tacho já estava ao lume (na fogueira que servia a messe de Sargentos). A meio da morteirada, já dentro do abrigo o Pacheco grita.
Filhos da puta que ainda fazem queimar a caldeirada!!!
Ato contínuo, sai do abrigo debaixo de fogo e vai arrastar o tacho para fora do lume; de seguida voltou para o abrigo.
Ficará ao critério de cada um, mas este gesto de heroísmo poderia ser louvado com a cruz de guerra "língua de bacalhau de 1ª classe".
Comemos as línguas de bacalhau completamente às escuras uma vez que por medidas de segurança, toda a iluminação do quartel foi desligada.
Recolhi ao quarto do Rosa com a minha mulher e a Chana que se estava a portar como uma heroína.
Fomos dormir.
Claro que não... Não conseguimos "pregar olho" nessa noite.
Foi duro...
De manhã levantei-me e tive a sensação de uma manhã de Domingo diferente.
O falatório centrava-se na experiência de cada um.
Eu estava ali quando rebentou a primeira!!!
Então e eu?
Comecei a correr para ir buscar a G3... .... .... ...
Comecei por ir dar uma volta para ir ver como estava a instalação elétrica do quartel, por que fazia parte de uma das minhas responsabilidades.
O meu pessoal já estava no terreno a fazer essa mesma inspeção.
Feliz e inacreditavelmente não havia grandes estragos.
Quando regressava da vistoria à instalação da luz do reforço (linha vital daquele quartel), encaminhei-me para o centro do quartel e passei pelo sítio junto à grande mangueira (árvore) onde tinha rebentado uma morteirada.
 
 
No local estavam vários militares comentando o evento e ainda o Comandante.
Cheguei, disse bom dia e a continência da praxe.
O Comandante, vira-se para mim e à frente daquela malta toda, manda a bujarda!!!
Brandão, tive conhecimento que metes-te cá dentro do quartel a tua mulher sem o meu consentimento!!!
Aquilo para mim foi mais que uma morteirada que me caiu em cima.
Sinceramente já não me lembro como saí daquilo.
Fiquei sem palavras.
Nem sei se terei dito alguma coisa naquele momento.
Depois de uma situação de guerra com aquela envergadura, aquele filho da puta queria que eu o procurasse para lhe pedir autorização para proteção de mim (claro) e ainda da minha mulher e essencialmente de uma criança com 17 meses.
Oficiais de Salão.
Exatamente!!!
Eram esses que ficavam nos gabinetes a enviar os soldados e os milicianos para a frente de combate. Passavam tardes e tardes a jogar dados (7 fulen e vira, 7 fulen e vira, 7 fulen e vira).
 
 
Tantas vezes que os vi nessa figura...
Os meus companheiros que o digam, que o confirmem.
Principalmente os Oficiais e os Furriéis que tinham mais motivos para se deslocar àquele edifício onde estava instalado o Comando e a Messe de Oficiais.
Poderei falar (denunciar) ainda as matinés de conversa com o Sr. Administrador (o tal panasca de calçõeszinhos brancos e camisa branca com pichebeques dourados nos ombros).
Não posso esquecer os matacões da PIDE que por lá passaram e que tinham mais preocupação em seguir a vida dos militares que os chamados "turras".
Foi uma "guerra" de merda.
Macomia era uma feira de vaidades para aqueles Oficiais do quadro.
As companhias operacionais não tinham DE FATO qualidade de vida.
Mas os militares que as compunham, tinham a sua dignidade respeitada e inviolável.
Cada um traga a sua escala de valores e compare.
Quase que me apetecia deixar aqui um pedido de respeito pelos "aramistas".
Claro que não... As coisas não se colocam assim.
Todos, mas mesmo todos seja de que forma, tiveram o seu sofrimento numa guerra que nenhum de nós queria.
Termino esta descrição do ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA com a publicação de uma foto que ilustra bem o que quero transmitir àquela corja de parasitas que se passearam em Macomia.
 


sábado, 24 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo III, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO III
O quê?
Outra vez aquela chachada toda?
Nem penses...

As mulheres por vezes têm o tal feeling:
- Não te esqueças da nossa situação.
A casa, o meu emprego e é melhor não haver chatices no quartel.

Eu era (como todos nós) maçarico ou checa se preferirem, naquele ambiente de África dita portuguesa.
O medo ou receio - já não sei - lixa-nos o raciocínio e as ideias...
Para abreviar, lá levei mais uma xaropada, que sem tirar nem por, foi a mesma lengalenga da anterior.

Vim a saber mais tarde que o(s) convite(s) que me eram endereçados, tinham apenas o suporte de o Sr. Administrador gostar de acrescentar mulheres brancas aos seu jantares institucionais.
Porra!!! 

Para além do fascismo e o colonialismo (que é uma vertente do primeiro) descobri também o racismo. 
Tudo completo...
A memória já não me deixa ter a certeza se "mamei" mais um jantar daqueles.
Mas sei que um dia (tinha que se dar...) disse NÃO de vez.
Acabou!!!
Perante as insistências da minha mulher, pedi-lhe que inventasse uma desculpa qualquer (que eu estaria de Sargento de dia ou coisa assim), já que seria tipo radical dizer-lhe que não era "simpatizante" do regime político em vigor.
De fato não se passou nada de registo a seguir, sei que os convites acabaram.
Até que um dia...
Houve a festa de despedida do Sr. Adjunto.
Coisa fresca...Foram convidados todos os Oficiais e eu como único Furriel (lá estava novamente a mulher branca...) para o jantar de despedida.

Foi qualquer coisa de hilariante.
Recordo-me que estava uma das noites mais quentes que encontrei em Moçambique. 
A malta desatou a beber em roda livre. 
Começaram a ouvir-se vivas ao proletariado! 
Canções revolucionárias de Coimbra (...e o chapéu aos quadradinhos e o chapéu aos quadradinhos), estrofes dispersas de Zeca Afonso. 

Na despedida já altas horas da noite, os Oficiais deram a entender que se iam embora e o Sr. Administrador (sempre com aquele seu ar apaneleirado) vinha para a porta despedir-se.
A malta despedia-se e voltava a entrar. 
Isto foi repetido por diversas vezes. 
O escape coletivo estava a funcionar...
Recordo-me que nesse mesmo dia, o Alf. Branco (do Esquadrão) tinha mandado a mulher embora (senão também lá estaria...); apanhou um "buba" daquelas das antigas. 
Dançava com movimentos ondulantes do corpo com os braços à volta do pescoço dando a entender que estaria a dançar com uma parceira. 
O pessoal anfitrião estava escandalizado!!!
O Alf. Marques Pinto do Esquadrão (grande malha) gritava-me: Brandão, morreu um homónimo teu na Guiné, recebi hoje uma carta da namorada dele. 
Filhos da Puta!!! Eu sou um comunista extraviado!!!
Nota talvez interessante... 
O PIDE estava mesmo atrás dele e ouviu tudo. 
Tudo o que o Marques Pinto falava comigo e aquilo que eu respondia em sintonia com ele.
Não vale a pena adiantar muito mais. 
O jantar foi num Sábado. 
No Domingo de manhã, todos os Alferes foram chamados ao gabinete do Comandante. 

O PIDE foi-lhe dizer que comandava um Batalhão subversivo e que tivesse muito cuidado.
O Comandante (os Alferes poderão contar melhor por que eu não estive nessa reunião) pediu mais contenção e cuidado com os comportamentos (mais ou menos isto).
Quanto a mim, bem quanto mim a rampa tinha acabado de subir o que poderia subir. 
A partir daquela noite foi sempre a descer...
Passados mais ou menos 2 meses (eles sabiam como fazer as coisas...) recebi uma carta dizendo que teria que passar a pagar renda (já publiquei nesta página uma imagem de um desse Recibos).

Comecei a ser seguido por um PIDE, que naquela altura estava em comissão (presumo que sabem, que os PIDES rodavam mais ou menos de 3 em 3 ou de 4 em 4 meses). 
Apanhava-me quase sempre quando eu ia sozinho ao Bar de Sargentos durante a tarde ou de manhã. 
A puta da conversa era sempre a mesma:
- Olá Sr. Furriel. Tudo bem? a família tem mandado notícias? como é que tem andado? Animado? etc, etc, etc,.
Torneava sempre as questões e demonstrava que estava com pressa. 
Pirava-me logo do Bar de Sargentos.
Passado um mês a minha mulher foi despedida da Administração. 
Boa!!! 
Aquilo estava mesmo a aquecer.

Poucos dias depois fui chamado ao gabinete do Comandante. 
Tinha recebido uma queixa da mulher do Sr. Adjunto (o tal que se tinha ido embora) que a minha mulher tinha uma dívida de 3 mil e tal escudos para com ela e nunca a tinha pago. 
O Comandante apontou-me o dedo e disse-me que não queria vergonhas com nenhum homem dele. 
Fiquei parvo e sem capacidade de resposta. 
Não sabia o que dizer. 
Disse apenas que não sabia e ia tentar resolver o problema. 

Descobri que era tudo mentira e que a tal "queixa" foi forjada na Administração.
Passados dois dias entreguei a quantia exata ao Comandante (inicialmente ele não queria) para que ele ficasse com a certeza que sempre tinha as minhas contas em dia.
Poucos dias depois fui chamado ao gabinete do Sr. Administrador. 
Bonito!!! pensei eu; o que é que este me quer agora?
Apresentei-me às 3 horas (hora combinada).
 Foi um espetáculo de fúria Fascista/Colonialista.
Chamava-me (dizia ele) para me dizer que não aceitava comportamentos indignos dos Oficiais do Batalhão!!! (queres ver que o gajo agora droga-se...). 

Estava furioso porque o Alf. Andrade tinha ido embora de férias e tinha levado a mulher com ele (ela também regressou de vez) e nem sequer tinha ido despedir-se dele!!! (dele, Administrador, entenda-se). 
Tinha-lhe arranjado uma casa (ficava um pouco abaixo da porta de armas ao lado da casa do Sarg. Ventura - mecânico).
E continuava com uma lição de moral à moda dele, sem eu perceber quando é que eu ia "entrar em campo". 
Começou a tornar-se repetitivo e até mesmo cansativo. 

Decidi provocar...
Recostei-me na cadeira, cruzei as pernas e entrelacei os dedos.
Foi o caraças!!! 
=O Finório levantou-se (mas ficou atrás da secretária) espumava/babava-se (verdadeiramente) e apontava-me o dedo. 
Não admitia a militar nenhum faltas de respeito e comportamentos como o do (Ah, aí apanhei-o!!! não foi capaz de se referir a mim) Sr. Alferes Andrade.
Como bom fascista/colonialista, não teve tomates de enfrentar um Furriel miliciano (eu era o Furriel miliciano mais graduado do Batalhão) em comissão em zona de 100%).

Claro que tudo aquilo era exatamente para mim.
Passados uns dias recebo uma carta a dar-me 30 dias para abandonar a casa, uma vez que a Administração ia precisar de alojar um novo funcionário que estaria a chegar. 
Claro que nunca chegou nenhum funcionário. 
Dali a 30 dias estava na rua (leia-se no meio do mato) com a minha mulher e uma bebé de um ano e mais alguns meses.
*** Continua no próximo Capítulo
Gosto · 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo II, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO II
Quando a minha mulher me diz que tínhamos que ir jantar a casa do Administrador, fiquei sem saber o que dizer. 
Aquilo não estava previsto. 
Eu não estava preparado para uma coisa daquelas. 
Mas a propósito de quê, é que eu mais a minha mulher era convidado para ir jantar a casa do senhor mais poderoso lá do sítio? 
A minha mulher percebeu e atalhou de imediato; não tens alternativa...

Ok, farda nº 2, sapatos engraxados e ela só não foi ao cabeleireiro por que não havia esse tipo de loja lá naquela terra do norte de Moçambique.

Na sala enorme e com decoração mais do que colonialista, fomos recebidos em casa do Sr. Administrador por um criado mais ou menos bem vestido (presumo que era um dos milícias que costumava montar segurança à casa do Senhor...).

Comeu-se do bom e do melhor (marisco à brava e carne no forno e mais não sei o quê...). 
A mesa estava composta por 10 a 12 pessoas. 
O Administrador e o seu Adjunto e as respetivas esposas. 
Um senhor ainda jovem (se a memória não me falha, era um dos PIDES que estava lá em comissão nessa altura), penso que o funcionário dos correios também, e mais 4 ou 5 pessoas que já não me recordo quem eram.
A conversa à mesa abordava temas correntes da Administração dos quais eu estava completamente a leste. 
Aliás nessa noite estive sempre com aquele ar de parvo sem saber o que dizer ou puxar qualquer tipo de conversa.

Chegou o momento da sobremesa...
E eis que o Sr. Administrador se levanta!!! 
Ele, com aqueles calções brancos e uma camisa igualmente branca com umas "merdelices" douradas nos ombros que lhe conferia um ar de "paneleiro mal comido". 
Eu estava atónito!!! 
Ele começou a discursar!!!
Iniciou com um "apelativo" - Neste difícil Concelho de Macomia!!! - Rebebéu, Rebebéu, Rebebéu, onde no meio daquele destilar de conceitos fascistas e colonialistas, tais como "a presença de Portugal em África" e ainda "Portugal do Minho a Timor" terminou com um viva a Portugal Uno e Indivisível!!! 
Claro que as palmas se soltaram. 
Eu estava estarrecido. 
Já não me lembro o que se terá passado a seguir, mas a noite terminou com o Sr. Administrador a cumprimentar a minha mulher com um "beija mão" já à saída, junto à porta.
Cheguei a casa e disse à minha mulher:
- Nunca mais!!! Ouviste? Nunca mais!!!

Passadas mais ou menos 4 a 5 semanas, a minha mulher chega a casa vinda do emprego e diz-me:
- Fomos novamente convidados para ir jantar a casa do Sr. Administrador...

***Continuação no próximo capítulo

quarta-feira, 14 de maio de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA - Capítulo I, por Rui Brandão


Pois bem. 

Começa-se a perceber que o stock de material fotográfico lá das bandas da Guerra está a ficar a zero.
Os temas (naturalmente) começam a ter desvios daquilo a que nos propusemos nesta página e ainda bem. 
Significa que não parámos no tempo.

Permitam-me então que volte a um tema prometido por mim quando apareci nesta página. 
Exatamente contar-vos a "Guerra" em Macomia. 


Significará contar-vos aquilo que os operacionais não tiveram. 
Repressão, perseguição, controlo da PIDE e ódio colonialista destilado para cima de quem não "alinhava" na palhaçada e ainda, imaginem, uma situação terrível de guerra, debaixo de fogo que ninguém do nosso Batalhão viveu.. 

Isso mesmo companheiros!!! 

Tive a oportunidade de estar uns tempos na Mataca e verifiquei o ambiente de camaradagem, liberdade e respeito pelos superiores hierárquicos.

 

Alguém já disse nesta página que cada vez que ia a Macomia, "aquilo" era só amarelos. 
Se fosse só amarelos...
Já não era mau. 
A guerra comandada por "Oficiais de Salão" é no mínimo obscena.

Começarei pela minha História a que darei o Título
ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO I
Deveria estar a decorrer o terceiro mês de comissão quando veio para junto de mim a minha mulher (do 1º casamento) e a minha filha com 5 meses (a Carla Alexandra que carinhosamente chamávamos Chana). 

Macomia afigurava-se um pequeno paraíso. 
De fato não havia Guerra por ali (isso era coisa para as Companhias operacionais e para quem fazia colunas). 
Comia-se bem, camaradagem muita e da boa, petiscadas dia sim dia sim. 
Aquilo era qualquer coisa como que umas férias com tudo incluído (mas...à borla). 

Inicialmente aluguei uma casa junto à cantina do LAKU (ainda se lembram?).


Só lá fiquei duas noites porque a esposa de um administrativo que trabalhava na Administração conseguiu que nos disponibilizassem gratuitamente uma casa que estava desabitada mesmo junto ao quartel. 
Foi fantástico. 
A casa tinha qualidade e sentia-me mais protegido (assim como assim...). 
Mas... 
A casa pertencia à Administração. 
O ambiente continuava favorável, a minha mulher conseguiu emprego na Administração e ganhava 3.000$00 por mês. 
Tínhamos dinheiro, estávamos bem instalados e ninguém nos chateava. 
Eram farras praticamente todas as noites!!! 

Um dia a minha mulher ao chegar a casa vinda do emprego diz-me:
- Fomos convidados para ir jantar a casa do Sr. Administrador.

*** continua no próximo Capítulo