Mostrar mensagens com a etiqueta granadas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta granadas. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

DE RECRUTA A ESPECIALISTA, por Paulo Lopes





Foto de autor desconhecido (Google)



— Juro...

Ouvia-se em uníssono como um trovão que se espalhava na atmosfera, misturando-se com a multidão, entrando nos corações dos familiares fazendo com que estes sentissem um estremecer nos seus corpos emocionados, não sei, digo eu, porquê!...
 
Um Juramento de Bandeira duma imensidão de mancebos que já estava com o seu tempo de juventude encalhado numa forte incerteza no futuro que os separava dum presente eficazmente escolhido por homens dum passado mantido em segredo, cujo pensamento mesquinho e curto não alcançavam nada para além dos seus interesses pessoais.
 
Um falso juramento de mão no peito e de palavras no pensamento que só estão descritas nos dicionários de obscenidades.
 
Um juramento de vontade apressada porque a família, embasbacada de orgulho nos seus filhos, estavam a espera, desejosos de nos levar até casa, para uns míseros dias de descanso, onde nos esperava uma dose reforçada de carinho e de acepipes que só as mães de cada um sabiam fazer.
E ainda só tinham passado três meses...

— Juro...

Por minha parte não jurei absolutamente nada, apenas terminei o primeiro ciclo de uma vida que não queria mas a que a isso estava obrigado.
Obrigado a cumprir.
Obrigado a obedecer. (Obrigado Srs. generais, Srs. marchais, muito obrigado. Estou imensamente grato a V. Exas.
Curvo-me a vossa sabedoria).
Próximo destino: Tavira.
O tal pensamento ou sonho que me acompanhava e me assolava de vez em quando o espírito, segredando-me que iria passar a minha missão militar numa secretaria, já tinha ficado para trás.
 
O Exército não ia formar sargentos milicianos para ficarem dentro duma repartição... a não ser que surja aquela repentina doença: a cunha!...
 
Se alguma réstia de esperança ainda teimasse em sobreviver no meu intimo, Tavira, dava-lhe o golpe de misericórdia.
Acabava com ela.
 
Já conhecia esta cidade algarvia de outros tempos.
Tempos de praia e lazer.
Tempo de criança onde tive a oportunidade de ir passar algumas férias aproveitando aquele sol algarvio e o refrescar nas águas tépidas da Ilha de Tavira.
 
Só não sabia, que já nesse tempo, existia um quartel dentro da cidade a formar futuros sargentos milicianos atiradores e de outras especialidades todas elas com o cunho bélico.
Significava então, que a esferográfica ou a máquina de escrever que pairavam nas minhas esperanças seriam substituídas, no meu caso, por uma espingarda.

Na chegada a Tavira deparei com um quartel muito inferior ao das Caldas da Rainha: de aspeto velho e a precisar dum urgente restauro.
Uma parada que se ficava por uma milésima parte da parada do RI 5.
Após os já conhecidos requisitos do costume, fiquei a saber que por via da falta de alojamento para tanto instruendo, estava instalada uma pratica comum de, com a apresentação dum qualquer documento médico de pouca convicção, poderia pernoitar fora do quartel.
Aproveitei essa benesse com unhas e dentes e tudo o mais que conseguisse para agarrar essa bendita prática do quartel de Tavira apesar de estar sujeito a ver sugado o meu pecúlio mensal oferecido e cumprido pelo meu ex-patrão e mais o que vinha dos meus familiares.
Quarto para alugar era produto que abundava.
Bastava ir a Porta de Armas que logo alguém apareceria para nos ajudar a tal procura.
Tavira era movimentada por essa industria.
Não havia rua onde não houvesse quartos alugados por militares com pouca vontade de pernoitar no quartel. Esta prática dava-nos também acesso a sermos desarranjados ao jantar: — A não ser que fossemos previamente avisados que não nos poderíamos ausentar do quartel.
 
Alguém logo nos foi alertando com um tom de voz que fazia subentender a prática de um crime militar gravíssimo.
Uma mais-valia para as tascas de Tavira que tinham de alimentar todas aquelas bocas de jovens militares famintos. E não foram poucos os que aproveitavam essa soberba forma de falsa liberdade militar... Para nos era uma golfada de ar fantasiosamente fresco.
 
Para os comerciantes era um abono de família suplementar.
Para os assalariados do exército que tinham obrigatoriamente de nos alojar e alimentar era, sem dúvida, uma forma rápida de fazer pequena fortuna, à custa do que entrava para o orçamento militar daquele quartel, cujas contas já tinham incluída a nossa alimentação, que depois viria a sair sabe-se lá como e para onde!...

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes (20130801)

domingo, 11 de agosto de 2013

A EXPLOSÃO NO PAIOL, por Paulo Lopes

 
 
 

 
Terminado o estranho mas bastante apreciado "descanso" voltaram as operações: desta vez o meu grupo não participou ficando no estacionamento acompanhados pelo grupo de apoio.

Dentro do nosso "quartel" nunca havia obrigações diferentes para fazer, chegando mesmo a dar origem a um certo desmazelo em relação à nossa própria segurança de tão consequente e repetitiva ser a vida dentro dele.

Assolava-nos a solidão do isolamento que nos apertava o peito mas o silêncio de uma clareira plantada no meio de uma interminável selva com todos os perigos espreitando a cada ramo de árvore, a cada passo que poisávamos nos trilhos fora do arame farpado que nos separava, contrastava com esse espírito de solidão e transmitia-nos uma paz que nos ia aliviando a pressão da guerra.

Enganadora paz que nos alterava a forma de estar no alerta constante como se, estando para cá desse arame farpado, nos livrasse dos perigos que, ocultos na mata, espreitavam qual leão esfomeado preparando o assalto à sua presa.

Mas a regra à excepção existe e, numa bela tarde, à mesma hora, com as mesmas pessoas, no mesmo campo, com a mesma bola e eu defendendo as mesmas balizas, fomos interrompidos pela gritaria de expressão aflitiva que nos fez deixar a nossa fuga à realidade e voltarmos a entrar no tempo e espaço em que vivíamos:

- O paiol está a arder. O paiol está a arder! Venham ajudar. O paiol está a arder!

Para dar razão à lei dos supersticiosos, era dia treze de Outubro, sexta-feira.

Aquilo a que chamávamos de paiol só poderia ter esse nome pelo facto de lá estarem guardados todos os tipos de materiais bélicos, desde armamento a munições para diversos tipos de armas. Inclusive tínhamos também lá guardados dois bidões de duzentos litros cheios de combustível de helicópteros para eventuais abastecimentos de urgência que ocasionalmente pudessem surgir.

Uma casota com pouco mais de quinze, ou menos, metros quadrados, revestida de tijolo.
Uma porta simples de madeira com uma fechadura normalíssima.
Tecto de chapas de zinco ondulado cobriam a casa da penetração do sol, chuva ou do que a meteorologia nos oferecesse.
De pouca, se não nenhuma, ventilação.
Era o paiol!...

A tal improvisação e o desenrasca da nossa característica presença, forma de ser e pensar, menosprezando quase sempre a nossa própria segurança em benefício do "amanhã logo se vê"!...

Aqueles alertantes e expressivos gritos acompanhados de desespero, aflição e manifesto gestual terminaram com a nossa tarde desportiva obrigando-nos a desviar o nosso olhar, focando-o para o local ao mesmo tempo que corríamos para lá.

Num segundo todos estávamos em redor do paiol que deitava fumo pelas frestas da porta e pelas folgas do telhado que uniam ao tijolo, sem sabermos exactamente o que fazer naquele preciso momento.
Sem raciocinar, arrombei a porta e com um camarada que já empunhava um extintor vinda da enfermaria, entrámos na esperança de apagar o presumível incêndio.

Não se viam chamas. Não se via absolutamente nada, pois o fumo era negro e muito denso não permitindo qualquer visão dentro daquela casa.
Voltámos a sair para aliviar os olhos que fraquejavam perante tanto fumo e dar um pouco de ar à garganta que ficara seca num segundo.
Outro soldado foi para o interior do paiol.
Voltei a entrar em auxilio desse camarada e os dois, com o extintor em punho, tentávamos espalhar espuma não sabendo tão pouco para cima de quê.
Mas, tal como em muitas outras coisas do nosso exército, não funcionou.
Há quanto tempo estaria aquele pretenso extintor sem ser carregado? O mais provável é que nunca tivesse sido levado dali para ser inspeccionado e acredito que ninguém se tenha, no mínimo, preocupado com isso.
Pelo meu lado, não sendo, de forma alguma, diferente dos outros no desenrasca (andámos todos na mesma escola) nem tinha conhecimento da existência de tal aparelho!...

Nada mais havia a fazer ali dentro.
A abertura da porta originou que o fumo se dissipasse um pouco mais o que nos deu uma outra visão do que estava a acontecer.

Levantámos uma caixa de granadas de morteiro de onde saía bastante fumo e o que conseguimos fazer com essa operação foi piorar a situação pois, se o fumo já era denso, apesar de mais aliviado, ficou ainda pior!...

Só um acto inconsciente levaria alguém ir dentro de uma arrecadação repleta de fumo quando o seu conteúdo se compunha de quantidades apreciáveis de explosivos de várias espécies: granadas de mão ofensivas e defensivas; granadas de morteiro; TNT; munições das metralhadoras "G3" e "HK21" e sei lá o que mais se encontrava dentro daquela pretensão a paiol!
Para completar e talvez o pior de todo aquele arsenal para "animar" um mais que provável fogo, lá estavam os tais bidões de combustível.

Mas a guerra é uma inconsciência e nós, jovens guerrilheiros improvisados, abandonados à nossa sorte que, apesar de contrariados, quando metidos no centro dos acontecimentos, fossem eles quais fossem, dávamos sempre o nosso melhor e nestes momentos de pressão, éramos arrastados por essa inconsciência esquecendo-nos, por vezes, que a nossa própria vida estava a correr riscos!

Naquele momento não estava em causa o matar para não morrer onde, se virássemos as costas à luta, estaríamos a oferecer a nossa vida ao inimigo.
O defendermos-nos primeiro e pensar na soberania do nosso país depois.
A sobrevivência.
Não! Naquela situação que estávamos a viver poderíamos simplesmente sair dali, esquecer o paiol, deixar arder e fugir para o mais longe possível.
Esperar pelos acontecimentos. Ver o que dava! Mas não foi o que fizemos.

Ninguém saiu daquele local e todos, de uma forma ou de outra, tentámos resolver a questão como se fosse a ultima acção das nossas vidas. Alguém já havia transportado para junto do paiol a viatura que rebocava o tanque que nós utilizávamos para ir buscar água ao poço para os banhos e com o auxilio do motor de água, projectá-la para cima daquela fumarada...

Uma fila de munições da HK21 que se encontrava por cima de uma das caixas de onde saía o grosso fumo, começou a estoirar como se alguém as estivesse a disparar.
Tal som, sobejamente conhecido e gravado no nosso subconsciente, provocou-nos uma reacção instantânea mostrando-nos a realidade dos factos.
A inconsciência tomada nos momentos anteriores foi aniquilada e o regresso à terra puxou pelos meus pulmões que soltaram amarras e gritaram o mais alto que puderam:
Fujam! Fujam! Corram para as valas!...

Não sei em que espaço de tempo todos desapareceram daquele local, mas que foi rápido, isso foi!...

Pelo meu lado nunca corri com tamanha velocidade e tanta vontade!
As munições continuavam a assobiar ao saírem do seu invólucro.
Já deitado dentro de uma vala e com o coração aos pulos, esperei o inevitável: a explosão!...
 
"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Paulo Lopes 20 de Julho de 2013