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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Confissão..., por Paulo Lopes

 
 
Dora Paulo!... O respeito mutuo é a base de uma discussão controversa, de opiniões diferentes e análises contrastantes!
Talvez seja também os alicerces de uma democracia (ou será utopia?).
Quando assim o não for, deixa de uma discussão passando a ser uma amostra individual da prepotência, gerando mais prepotência em cada frase, em cada parágrafo.
 
A força (violência) é a palavra dos incompetentes, dos mal formados, dos arruaceiros e desses, não existe a hipótese de diálogo.
Também existem os que, não recorrendo à violência física, abastecem-se na violência verbal, também ela demolidora do bom senso.
Apostam nessa formula para fazer prevalecer as suas ideias contrárias aos demais, não deixando, tão pouco, espaço e tempo para que sejam analisadas e posteriormente discutidas as diversas opiniões.
Na discussão construtiva das imensas formas de pensar, misturadas, reconhecidas e calmamente amassadas, está a luz da verdade!...
Porque a verdade nasce na consciência limpa de poeiras, que nos vão baralhando o cérebro!...


Ninguém é dono da verdade!
Ninguém se julgue superior ao seu semelhante!
Li com muita atenção o teu texto e agradou-me de sobremaneira o que escreves.
Reparaste, decerto, que apenas respondi quase exclusivamente a um ponto do que expuseste e apesar de ter feito uma análise aos restantes, não me vou alongar no texto porque se tornaria demasiadamente extenso e, ficas desde já avisada que o pessoal não aprecia muito esta forma de escrita ao que, diga-se, dou-lhes razão porque esta página não foi criada para este tipo de considerandos!
Eu é que sou um viciado na escrita e então perco-me nesta cocaína!


Não vou falar-te do que já escrevi ou do que gostaria de escrever, enfim, de mim.
Apenas te quero demonstrar de outra forma o quanto gostei da tua tese porque tudo nela vai de encontro à minha forma de estar, tirando um ou outro ponto que será, ainda, uma conduta de jovem que ainda tem muito que andar e retirar desse caminho ilações que, parecendo de real aproveitamento, acabam por ser apenas puras ilusões!
Mas há que lutar!
 
Dizia eu pois que, o meu ideal de vida coaduna-se com a tua tese e ainda mais, uma de que não falas: o saber ouvir, o saber compreender, o aceitar outras opiniões, o colorir a vida e, tudo isso e à volta disso, fazendo um anel de proteção, tendo como orla, a música, o ler muito, sendo o muito sempre pouco, o escrever, a poesia e também o desporto na sua vertente de praticante e não de mero espectador.
 
Na escrita já deves ter percebido pelos comentários que é um assunto que me move constantemente, pois escrevo desde muito novo apesar de, no tempo em que comecei a colocar no papel o que me ia na alma, felizmente não conheceste, me tapavam a boca, os olhos, a verdade!
Mas escrevia!
Principalmente poesia onde os temas eram diversificados, indo desde o amor à vida e a tudo e à contestação política!
 
Também escrevi um livro sobre o que passámos em terras distantes numa guerra injusta do qual, ainda hoje, o Jose Capitao Pardal, colocou um pequeno texto no seu blog e onde muitos outros já lá os colocou (talvez por ele ser masoquista ou por gostar de castigar os outros com as minhas palermices).
No entanto nunca editei absolutamente nada!
 
Em relação à política, apenas te digo que, desde os governos, aos opositores, às esquerdas, direitas e centros e o que mais houver, incluindo sindicalistas, delegados destes, comissões de trabalhadores e outros tantos oportunistas, vou ali e já volto!...
Apelido-me de anarco-individualista, sem saber bem o que isso quer dizer!
Faço-me perceber?
 
Por agora chega e podes estar ciente que vou levar nas orelhas (já estão a arder e ainda não cliquei no enter).
 
Não sei se irá ficar na página, porque ela tem como principio de não aceitar elementos que não tenham algo que se "misture" com o batalhão mas, seja como for, gostei deste bocadinho.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Se eu fosse poeta, por Paulo Lopes


Se eu fosse poeta
e viesse a compor
um poema perfeito
seria para ti.

Se esse poema fixasse minhas horas
mostraria que em tudo te encontro:
nas palavras o teu nome
nos meus olhos fechados a tua imagem
nas pessoas a tua presença
nas crianças o teu sorriso.

E nesse poema perfeito
se o desfiasses palavra por palavra
verias nele luz vida e cor
porque o poema eras tu.

paulo lopes (1975)




 

sábado, 14 de dezembro de 2013

O dia vinte e cinco de Dezembro chegou..., por Paulo Lopes

Da direita para a esquerda: Paulo Lopes, José Capitão Pardal e João Novo
Paulo Lopes

O dia vinte e cinco de Dezembro chegou trazendo consigo o Natal que foi passado sem árvore (das de Natal porque das outras, havia muitas!!!...), sem prendas, sem o calor da família, sem o prazer de dar e receber, sem a presença dum sorriso de criança, sem o bacalhau com couves ou as filhós amassadas e fritas, na véspera até altas horas da madrugada, para que estivessem "fresquinhas" e postas nas mesas para uma noite de consoada passada em família.

Nada.

Enfim, sem Natal.

Nem tão pouco o habitual frio existia neste dia de Natal, que caracteriza de forma inconfundível esta época do ano para os lados do Continente!...

Mas como diz o povo: Natal é quando o homem quiser.
Bonitas palavras!!!...

Foi uma noite e um dia, que se passou e era esse o meu (continuo a pensar que nosso) grande objetivo: passar os dias e as noites, um de cada vez, sem que os minutos parassem, nem a luz do radiante sol do próximo dia, nos deixasse de iluminar os olhos, o corpo e a alma.

A única novidade desse dia, pelo raro que era, resumia-se ao facto de nenhum grupo de combate estar fora do estacionamento.



 paulo lopes
in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mais uma missão cumprida!..., por Paulo Lopes

Mais uma missão cumprida!...
Seguimos então em busca dum local mais apropriado para descansarmos. Talvez um hotel de cinco estrelas com piscina à saída dos quartos!
Já andávamos há mais de cinco horas e ainda não tínhamos parado, nem para comer!
Íamos na nossa marcha cautelosa quando o primeiro homem, num gesto instintivo de defesa e automatizado, rapidamente se mandou para o chão que, em cadeia, obrigou todos a fazer o mesmo. Era a minha secção que seguia na frente e então, rastejando, aproximei-me dele que de imediato levou o dedo ao nariz em sinal de silencio. Apontou-me para um morro dizendo em voz de surdina:
— Dois homens ali!
— Onde? Respondi no mesmo tom de voz tentando visualizar o local para onde ele apontava.
— Naquele morro!
Deslizamos ligeiramente, tal animal rastejante, um pouco mais a frente tentando uma melhor posição sem sermos vistos, mas os tais homens que colocaram em alerta todo o grupo de combate não os consegui ver nem nunca mais os distinguimos no meio daquele mato. Afinal não estávamos tão sozinhos como pensávamos ou gostaríamos de estar!
 
E se já nos tínhamos convencido que poderíamos abrandar a nossa atenção e aliviar um pouco mais a nossa tensão, seria melhor esquecermos esse pressuposto e não descurar-mos um possível ataque ou emboscada!
 
Continuamos o nosso caminho.
O cansaço era demasiado evidente.
A vontade de parar e comer começava a ser imperiosa mas toda aquela agitação tinha colocado em nós uma expectativa que nos deixava inseguros para uma refeição calma.
Mas tínhamos de o fazer.
Então, por ordem do alferes, sem uma escolha muito estudada do restaurante, puxamos da nossa varinha magica e eis que surgiu, vinda de dentro das nossas mochilas a nossa apetitosa refeição bem guardadinha dentro das famigeradíssimas latas de conserva das nossas não menos fabulosas rações de combate!
E que nos faça bom proveito!...
Mais vale isso que nada!
Pensarão os nossos patrões de enormes riscos e estrelas douradas nas divisas vermelhas, enquanto limpam as suas beiças untadas de molho de camarão grelhado com um guardanapo debruado a renda fina!
 
Enquanto comíamos com o máximo de silencio possível, ouviu-se um som ecoante de alguém que cortava lenha e, quase em simultâneo, um pouco mais ao longe, um cantar que não nos deixava outra ideia nem qualquer duvida que não a de ser a voz extraída dum papo de um galo!
 
Não haveria muito que pensar nem esforçarmos os nossos neurónios para descortinarmos que estávamos perto de uma aldeia mas, se porventura alguém ainda duvidasse de tal concreta conclusão, depressa acordariam para a realidade com um grito, que surgido do nada, nos despertou ainda mais a nossa já alertada expectativa:
— Tropaeue ! Tropaeue!
Dois tiros foram dados do mesmo lado donde provinha o grito e novamente o alarme com a mesma frase a ser gritada:
- Tropaeue! Tropaeue!
Acabou-se a refeição meus meninos.
Toca a pagar o almoço!
Não há sobremesa nem café para ninguém!
Num abrir e fechar de olhos ficou a mesa levantada e a cozinha arrumada! Imediatamente iniciamos a escalada do resto da serra, pois era de lá que tinha surgido todo o alarido.
 
Não sabíamos se o homem que gritou nos tinha visto ou se apenas detetou, como eles tão bem sabem fazer, as nossas recentes pegadas ou simplesmente ouviu qualquer ruído que tivéssemos produzido, por pequeno que fosse, mas suficientemente auditivo para aquelas orelhas atentas e de largo alcance detetarem.
 
O certo e que sabiam que estávamos muito próximos e por isso, a solução mais viável, era seguir o mais rápido possível para o local de onde tinham surgido os gritos antes que começasse a chover morteirada!
Não tardou que detestássemos palhotas no meio de árvores altas e densas, de mato cerradíssimo a volta de toda a pequena aldeia.
Rapidamente formamos a posição de assalto e aproximámos nos das palhotas.
Já perto delas paramos na tentativa de ver algum movimento, mas com os gritos e os dois tiros dados exatamente para fazer o efeito de aviso, era mais que provável que tudo tivesse desandado dali rapidamente.
Por isso, sabendo que na certa, se houvesse base ou posto avançado por perto, depressa cairiam ali granadas de morteiro.
Tínhamos que destruir rapidamente o que havia para destruir e zarparmos antes que se fizesse tarde!.
 
O que detetámos foram galinhas, ovos, panelas de barro e outros utensílios, mas alegrias para o major "Alvega" ou seja, armas e homens capturados, isso é que não!!!.
 
Lá voltamos nós a não contribuir para mais um bocadinho de medalha ou acrescentar mais um degrau na carreira auspiciosa do nosso tão heróico e muito querido major comandante de operações.
Pois.
Que pena!!!
Lá teve o alferes de o informar e o desiludir, mais uma vez!
Fica para a próxima!!!
No entanto, penso que ele já teria ficado contente só com a nossa deteção e destruição de mais umas quantas palhotas, o que aliviava um pouco a frustração da operação onde tinha envolvido a aviação. P
 
Poderia dizer que afinal sempre havia naquela zona movimentação IN e que os homens que ele comandava, obedecendo às suas ordens e seguindo as suas orientações, tinham descoberto, atacado e destruído.
 
Para mim e para os que quiserem contar a verdadeira historia destes ataques e destruição de meia-dúzia de palhotas que rapidamente seriam reconstruidas por aqueles que íamos afugentando, apenas se poderá dizer que não passavam de meros acasos como tantos que aconteciam.
 
A maior parte das situações que davam origem a entradas em bases ou postos avançados, nada tinham a ver com heroísmo, preparação ou experiência de guerra.
 
Não quero, não devo, porque não posso vulgarizar nem generalizar tudo e todos porque não estive em todos os lugares, porque não presenciei muitos ataques nem vivi com todos os que, como eu, perdemos estes longos meses de vida.
Mas posso falar e contar do que presenciei e que deles fiz integralmente parte.
E destes eu sei que a nossa determinação em encontrar inimigos, matá-los, destruir tudo o que encontrávamos, não era feita com qualquer intuito de enaltecermos o nosso heroísmos ou de agradar aos nossos superiores hierárquicos.
Para estes, apenas sentíamos o nosso rancor e desprezo e apenas por receio de represálias que estávamos sujeitos a sua, deles, prepotência é que fingíamos respeita-los.
Muitas vezes esses objetivos que nos obrigavam a procurar, surgiam-nos como por encanto.
 
Outras tantas aconteciam quando já pensávamos que nos tínhamos livrado de mais uma enorme chatice de termos que destruir ou disparar rajadas de ódio e quiçá, livrarmos a nossa pele de ser beliscada por uma bala disparada e encontrarmos aí o final de uma curta vida ou dela não mais termos vontade de a ter.
Não existiam aqueles heróis dos filmes de guerra.
Rambos ou similares, só de encomenda e nem mesmo aqueles que da guerra faziam profissão, lutavam só pelo prazer de lutar.
Poderá ser que tivessem existido, poderá havê-los, não afirmo que não mas eu, por onde andei, por onde rastejei, por onde escondi os meus medos e receios, por onde senti o meu corpo tremer de ansiedade, por onde senti a solidão abraçar a frágil juventude, por aí, eu não os vi nem nunca se deram a conhecer.
O que eu vi, o que eu senti ou o que eu fiz, foi sempre com o instinto de sobrevivência e nunca a pensar que um dia me chamariam herói porque esse espécime, pura e simplesmente não existe. Acreditem que o nosso, pelo menos meu, heroísmo, poderá apenas ser decifrado e justamente aplicado pela perda dos nossos anos dourados que os poderosos, governantes e desprezíveis homens do nosso país nos obrigaram a passar.
 
Por outro lado, digo-lhes com toda a sinceridade e sem falsa modéstia: não acreditem nas historias daqueles que dizem ter sido heróis porque sozinhos desbastaram exércitos de inimigos e viraram bases IN em cinzas defrontando a peito aberto e sem qualquer tipo de medos todos os que lhes fizeram frente.
Isso são guerras passadas apenas nas esplanadas de alguma cidade das colónias africanas e contadas por alguns que nunca estiveram no mato nem sequer, no mínimo, provaram uma única lata da ração de combate, quanto mais pegar numa G3 ou em qualquer outra arma para defender, quanto muito, a sua própria vida!

Os verdadeiros heróis já morreram e nem souberam porque!
E creiam que jamais serão lembrados nem imortalizados.
Apenas a dor ficará nos peitos de quem os gerou porque para os governos, apenas éramos e somos uns meros números mecanográficos que serão apagados dos livros históricos militares assim que a nossa juventude deixar de lhes fazer falta.
Pernoitamos já no sopé da serra e no dia seguinte estávamos na Mataca sem o pedido habitual de retirada visto que a nossa missão estava cumprida.
Não sei qual o conteúdo do relatório que foi elaborado em relação à operação agora terminada mas o major deve ter ficado furioso.
Tão furioso que "desceu" à Mataca.
Desconheço a razão nem tão pouco a conversa que ele manteve com o capitão mas, deve ter ameaçado com conselho de guerra e que nos enfiava no pior buraco de Moçambique!
Pergunto:
Haveria pior buraco que Mataca?
Pois coitados dos que lá estavam!
Mas, infelizmente, havia mesmo ainda pior que Mataca!
Não em instalações ou isolamento, disso tenho certas duvidas, mas sim, decerto, em questões de ataques traiçoeiros, guerra constante a distancia e de minas.
 
Locais onde cada dia era uma surpresa que colocava os nossos militares em constante aperto de peito. Cada saída para o mato, fosse em operação ou picada, era mais um jogo de “roleta russa”.
Corto os meus tomates se lhes estiver a mentir ao dizer que, majores; generais; tenentes-coronéis ou parecidos, não estavam lá nem um. E será que deveriam estar? Provavelmente sou eu que estou com exigências aparvalhadas!
Coitado do nosso herói! Fez-lhe bem a vesícula e veio justificar o seu abastado salário que o contribuinte lhe paga.
Nós ouvimos e... caluda, que isto é uma passagem (má passagem) para o outro lado da vida. E retorquir a vontade expressa deste ou de outro qualquer proprietário das nossas vidas de militar seria um passaporte para mais uns meses de presença às ordens deles.
Por isso, fiquemos nos pela nossa indignação contida no intimo com a esperança de um dia nos encontrarmos na vida civil!
Aí, provavelmente continuarei a não lhes poder fazer mais para alem do que aqui fiz, mas posso, pelo menos, ignora-los, virar-lhes as costas e mandá-los apanhar gambozinos!
Paulo Lopes
in “Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis”


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Esta é para os operacionais..., por Rui Brandão


 
 
 
30 de Julho de 2013 23:09
 
Caros Combatentes.
Regressei de uma semana de férias.
Mas ainda há mais... Calma.
Como devem calcular estive com grande sofreguidão a ver as "entradas" do pessoal aqui na nossa página, sempre fantásticas e surpreendentes.
Boa!!!
No entanto, parece (poderei estar enganado) haver por aqui algum ESTATUTO assumido não sei como, por aqueles que eram tidos como operacionais em desfavor daqueles que lhes foram incutidas outras especialidades, como se estivessem menos sujeitos a perigos.
 
Pois bem.
Vou partilhar convosco uma história verdadeira que se passou comigo, quando eu ainda tinha alguma esperança de não ser convocado para os treinos na dita Guerra do Ultramar.
 
É verdade, passou-se mesmo na Recruta em Santarém (quem lá passou, sabe como aquilo era...).
 
Durante a chamada "semana de campo", eu fazia parte de uma patrulha que andava atrás dos "turras".
Como não era possível apanhá-los (andavam sempre de pincha de um lado para o outro), o aspirante que era um tretas e ainda um valente f.d.p... mandou-nos assaltar o nosso próprio acampamento.
Nada estava combinado ou planeado.
Resultado, uma confusão do caraças, tiros para todos os lados e eu naquela balbúrdia toda, sou atingido com uma bala com o cano da Mauser a menos de 10cm da perna esquerda quase junto ao osso ilíaco.
Ato contínuo levantei as patas pelo ar e fiquei estendido completamente sem forças.
Enfermeiros, 4 agulhas espetadas na perna (nem as sentia) e toca de injetar Buscopan.
Fui evacuado de ambulância para o Hospital da Estrela onde cheguei quase 3 horas depois.
 
Durante a viagem comecei a bater mal porque não sentia a perna esquerda - Como eu te compreendo meu caro amigo Rui Briote!!! - .
Operado de urgência, com muitos pontos e ainda um dreno, fiquei condenado a ir, passados 7 dias, a Santarém para jurar bandeira para não perder a Recruta.
Fi-lo completamente sozinho em plena Biblioteca da Escola Prática de Cavalaria perante o Comandante (só me lembro que se chamava Banazol).
As dores eram insuportáveis e cada vez ia descaindo mais para o lado esquerdo, mas jurei aqueles mandamentos todos que me lixei.
Sim!!!
Eu posso afirmar que jurei mesmo Bandeira.
 
Ai não... Esta é para os operacionais.
Fala-vos um ex-militar que sabe o que é ser ferido por um tiro e viver a incerteza do que lhe poderá acontecer para o resto da vida.
Tenho ainda mais para vos contar no próprio teatro de guerra.
Ficará para mais adiante...
 
 
 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

AÍ VAI UM RELATO SOB A MINHA ESTADIA EM BEJA - 1971, por Rui Briote

 
Rui Briote
 
Mafra ficou para trás e de troca recebi o diploma honoris, causa de amanuense de G3...
 
Deram-me um papel para as mãos afim de escolher o quartel para onde queria ir e eu feito esperto pus logo Braga..
Como resposta enfiaram-me em Beja...seria por começar por B? Não sei, nem nunca saberei...

Em meados de Julho saí de comboio, já não me recordo do dia, à meia noite de Coimbra e cheguei a Beja ao meio dia.
Foi uma curta e pouca demorada viagem como se vê!...
Atravessar o Alentejo em pleno verão e à hora do calor num comboio "pára aqui, pára acolá" ...foi uma rica sauna...
 
Chegado à minha nova morada, tive que me ir apresentar a um militar com muitos amarelos nos ombros. Fiz a continência da praxe, apresentei-me e mandou-me " visitar" os meus novos aposentos.
 
Ótimos, pois o tempo da caserna foi-se.
No dia seguinte deram-me de mão beijada 10 cabo-verdianos para lhes ensinar os primeiros passos de dança .
O trabalho que me deram!
 
Uns dias depois, caíram, vindos de todos os lados, uma " fornada" de novos candidatos para brincar às guerras...provenientes de todo o país, mas principalmente do Alentejo.
Eram distribuídos por diferentes salas, despiam-se, víamos o peso, a altura e por aí adiante.
Foi uma tarefa cansativa e morosa, mas fez-se.
 
Fiquei com um pelotão com quase 80 homens.
Comecei logo a matutar como ia descalçar aquela bota, pois eram mais que muitos.. Juntamente com dois cabos milicianos lá procurei levar a água ao moinho.
Todos os dias de manhã fazíamos um cross ligeiro na estrada em direção a Mértola, uma fila do lado esquerdo, outra do lado contrário.
 
Ao fim de alguns dias começamos a ter a feliz ideia de no regresso ao quartel trazermos uns melões escondidos na camisa...sabiam tão bem!...
 
Já no quartel passávamos à instrução debaixo da torreira alentejana...o pior era no intervalo, pois como havia falta de água e como só havia um repuxo tinha que pôr a malta em " pirilau" e de vez em quando era obrigado a dizer ..." Despacha-te, porque todos têm direito ...
"Muitas vezes acontecia que, chegado a meio da fila já não havia nem gota...
Os dias passaram e o pessoal começou a dar cartas, tanto a marchar como no manuseamento da menina G3.
 
Até que chegou o dia de ir à carreira de tiro que ficava a uma distância razoável.
A sessão decorreu normalmente e por fim regressámos à casa materna.
Aí chegados fui chamado ao major Ferro que me comunicou que tinha falecido a minha avó paterna. Isto numa terça feira. Fui à secretaria buscar o impresso para preencher o passaporte, aproveitei e perguntei se estava de serviço no fim de semana a que me responderam " não".
Preenchi logo dois.
Fui a esse major pedir para mos assinar e o fulano quando se deparou com o impresso para o fim de semana ficou histérico e pura e simplesmente negou-mo.
Apeteceu-me apertar-lhe os colarinhos, mas travei os meus ímpetos.
Fiz uma longa viagem até ao Minho e regressei a Beja na sexta, onde me apresentei.
 
O tal major estava a falar com um amigo meu e, segundo ele, depois de eu sair questionou-o se eu era o Briote...mais palavras para quê...era um " chicalhão"...
    
Vou passar agora relatar-vos um episódio que meteu cabeça de borrego regado com tinto alentejano e guarda republicana...
Certo dia, dirigimo-nos em alguns carros até Moura para comer cabeça de borrego regado com boa pinga.
No regresso passámos por Serpa onde havia uma festa que metia bailarico.
Aí houve um sarilho que envolveu saias, pois um colega estava a dançar com uma garota e eis senão quando aparece o namorado, o que provocou troca de mimos que culminaram numa " visita" ao posto da GNR.
Felizmente o problema foi sanado, mas para susto bastou.
   
Já com os diplomas de bom aproveitamento, estavam prontos a seguir para outras paragens os recrutas passados a " prontos".
 
Entretanto surge a " boa nova"...mobilizado para Moçambique.
Fico de rastos, pois nunca esperava que isso acontecesse, pois tinha ficado bem classificado.
Reagi o melhor que pude e procurei preparar-me psicologicamente para a nova tribulação.
 
Conjuntamente comigo iriam uns "malandros" a quem dei instrução. Fui incumbido de levar 60 a Santa Margarida. Não imaginam a dor de cabeça que tive a fazer essa " viagem". Com muito custo e dor de cabeça lá os entreguei ao Teixeira Lopes.
 
Depois de um ligeiro descanso, regresso de novo a Beja para " dar conta do recado" o mesmo será dizer " missão cumprida".
 
Esta tropa tinha cada uma, pois no mesmo dia obrigaram-me a andar de Aná para Caifás...Fiquei com os bofes de fora!!!
     
Aos fins de semana ia de vez em quando passá-lo ao Algarve molhar os pés...
Armadilhados com uma tenda cinco estrelas lá íamos saborear um pouco as águas tépidas e as estrangeiras que por lá nos esperavam.
 
Foram os melhores dias dessa recruta dada na muito sossegada cidade de Beja...
 
Rui Briote (2013-10-01)

 

sábado, 7 de setembro de 2013

Nesse dia de 12 de Maio de 1972..., por João Novo

Alguns dos participantes na Operação OMO (Maio de 1972) - Serra Mapé
 
Vou hoje dar voz ao João Novo que nos retrata uma situação que eu também vivi e que com frequência me vem à memória, e como também eu estava nesse local, a essa hora e vivi esse momento... não posso ficar indiferente... Quantas vezes (dezenas, centenas, milhares?) na minha já longa vida não terei eu pensado, no que poderia ter sucedido, se algum dos nossos se lembra de reagir?!...

 
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Nesse dia de 12 de Maio de 1972

Hoje vou intervir, porque não consegui resisti a esta data, não por ser de Fátima, pois eu não acredito nessas coisas, mas porque podia ter sido a nossa ultima noite de vida.
 
Estou convencido que a grande maioria dos nossos colegas, não se apercebeu do que ali poderia ter acontecido, nesse dia de 12 de Maio de 1972.
Nesse dia houve um reabastecimento por helicópteros, em que algo correu mal, pois caiu um deles na Serra do Mapé, o que veio atrasar esse reabastecimento, implicando que a pernoita, tivesse que ser efetuada, ainda perto do local, onde baixaram os hélios.

O T. Alves, (mais tarde o machambas) que ia a comandar em terra a operação, deu ordem para pararmos, fazer um circulo com a tropa (300 e muitos homens) e os cerca de 400 civis, que nos acompanhavam com catanas, (que serviriam para destruir as machambas, pois era essa a finalidade da operação) ficariam dentro do circulo.

O comandante escolheu o local, do posto de comando (dizer isto a gaguejar, como o T. Alves dizia, é que era de rir) onde ficou o caldeirão da sopa, junto da nossa cabeceira e dos seus carregadores, não fosse o caldeirão fugir, eu, o Cunha enfermeiro, lembram-se dele?, alguns enfermeiros e as transmissões.
 
Foi o tratar de encher os colchões de ar, um luxo, naquele local, para tratar de fazer a caminha.
Tinha do meu lado direito, o Cunha e do lado esquerdo, o Comandante, isto, deitado de barriga para o ar.
Nunca dormi tão bem acompanhado. O tempo foi passando, já nem me lembro, em que pensava, ou no que sonhava, não se podia falar, nem fumar, nem cagar tão pouco (FELIZMENTE HOJE JÁ NÃO FUMO), se calhar pensava na família, no “Puto”, na namorada, se calhar a sonhar que estava a fazer amor com ela, ou que ela estava com o outro, quem sabe, já não me lembro, quando vim de férias ao “Puto”, acabou o namoro, mas não foi por causa do sonho.

Estávamos todos felizes, quando cerca das 22,35H, uma rajada de metralhadora, se ouviu que passou a centímetros do P.C. (Posto de Comando), duas ou três munições acertaram no caldeirão da sopa, fiquei todo "cagadinho".
A reação que tive foi despejar o ar do colchão, para ficar mais baixo, atrás do caldeirão.
Dos cerca de 800 cagarolas, todos "borradinhos", ninguém abriu o bico, não houve reação á rajada, pode ter sido a nossa sorte, passados não sei quantos minutos, ouvimos o “assobio” das granadas de morteiro a sair, que começaram a cair a cerca de 15 a 20 metros do caldeirão da sopa, eu via o clarão dos rebentamentos, estava todo "cagadinho", entretanto, começo a sentir algo a mexer entre mim e o Capitão, pensei ser alguma cobra, eu sei lá o que pensei, era o sacana do Cunha a meter-se entre mim e o T. Alves, deveria querer que eu lhe cobrisse a espinha, não me lembro o que lhe fiz, se fosse hoje metia o gaijo no caldeirão da sopa.
 
Os rebentamentos começaram em frente de onde estava o P.C., depois foi para a direita e depois para a esquerda, e passados não sei quantos minutos, acabou.
Da nossa parte, nada se passou, tudo caladinho e todos "cagadinhos", era um pivete naquele local, que nem calculam.

Vamos morrer e nunca saberemos o que se passou, muitas coisas podem ter sucedido.
Ou não acreditaram que estávamos ali, os morteiros podiam não alcançar mais ou não tinham mais munições ou também teriam um certo receio, pois sabiam a quantidade de tropa que lá estava e era muita.

Tivemos muita sorte, porque se as morteiradas caíssem 30 ou 40 metros mais á frente era a matança de muitos e depois o que se seguiria?...
Seria a desorientação total, felizmente nunca se saberá...

Estamos vivos, por enquanto e o nosso dia chegará, mas que seja o mais tarde possível e com saúde.

Desculpem os erros, mas foi escrito diretamente e como não foi á censura, pode ter alguns erros.

Quem lá esteve, espero que nunca esqueçam este dia ou melhor essa noite...
Podia ter sido a última para muitos...
Mas mesmo muitos.
Esta foi a minha pior noite da guerra e ainda “vista” agora, faz-me pele de galinha...

Um abração para todos
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MINHA PRIMEIRA COLUNA DE REABASTECIMENTO A MACOMIA, por Paulo Lopes



"Picada" Mataca - Macomia (foto Paulo Lopes)
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficámos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante, mas não nos preocupou absolutamente nada.

Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.

Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
 
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estava, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!...

Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
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— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá, como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos! Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.

E com estas palavras, poucas e simples, saímos! Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples, quanto a reunião que acabávamos de ter: — Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia, apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior.
Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!...
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
Lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas. A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!...
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados. Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.

Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do Exército e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distância prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca, o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca. Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
 
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico. Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.

Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus. Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.

Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
Sim!
Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
 
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada. Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita! Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.

Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!...

As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração. Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
Pela forma do ataque, ficámos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local e aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distância, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memória como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: —quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”. Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares. Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 
Paulo Lopes (20130822)