quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Compreensão da Guerra, por José Nobre



O José Nobre escreveu este texto de uma qualidade impressionante sobre a realidade que viveu...

Ele esteve em Muidumbe (Cabo Delgado - Moçambique), que distava não mais de 40 quilómetros de onde eu estive (Chai), possivelmente em épocas diferentes, dado que o aquartelamento de Muidumbe foi abandonado, creio que antes de Fevº de 1972.
40 quilómetros de picada com uma paisagem deslumbrante, mas de perigos escondidos em cada metro que pisávamos.
Mas o texto posso subscrevê-lo, senão na totalidade, pelo menos em muitos dos sentimentos que a maioria de nós trouxe daquela terra (Moçambique) que nos fez sofrer, mas que aprendemos a amar com todas as nossas forças.
Bem hajas José Nobre...

Jose Capitao Pardal



José Nobre

A Compreensão da Guerra.
Paris – 25 de Abril de 1970.
Pela primeira vez o meu pai questionou-me sobre a guerra, a minha guerra em terras moçambicanas.
Era o dia do seu aniversário. 
Até esse dia, raramente falei da guerra, a interior e a outra, a das armas. 
Estávamos os dois sentados à mesa, enquanto a minha mãe preparava o bacalhau cozido com batatas.
- Nunca falas da guerra em Moçambique.
- Não tenho nada para contar, pai. Voltei e isso é o mais importante.
Calei-me,não sabia o que dizer, o que responder. 

Seis meses depois da minha chegada a Lisboa, depois de ter deixado o navio Niassa, ancorado no caís de Alcântara, vazio, de todos os gajos que corriam para abraçar aqueles que os esperavam. 
Não sabia por onde começar. 
Dizer-lhe que fiz uma coluna militar de Lourenço Marques até Mueda, quase três mil quilómetros de picadas. 
Não te vou contar, guardo essa história só para mim.

Sabes pai, é como ir de Lisboa a Berlim, por estradas de terra batida. 
É veres a riqueza dos colonos portugueses, as grandes plantações de algodão, de café, de ananás, de laranjeiras e de milho. 
É veres a miséria daquele povo negro, que trabalhava desde o dia nascer, até o sol se esconder. 
Não quero chorar, pai, não quero falar das crianças, sim das crianças que nós vimos morrer, e dos comentários que ouvi, “é menos um turra,” diziam. 
Queres que eu te descreva as paisagens moçambicanas? 
Não consigo. 
As trovoadas eram como fogos de artifício, e o cheiro a terra molhada, vermelha, aquela terra que nada tinha a ver com a nossa, mas que me ficou agarrada à pele, ainda hoje. 

Os pesadelos são menos frequentes, mas por estranho que pareça, tenho saudades da minha caserna de Muidumbe, saudades do cheiro da minha espingarda automática, a minha amiga G3, sempre oleada, sempre pronta a disparar. 
Não, não matei ninguém, ou então não sei. 
Numa emboscada, os tiros são tantos, que no final não sabíamos, quem matou quem. 
Não, eu não, só desfiz algumas árvores, estendido na picada, entre Mueda e Muidumbe, naquela tarde chuvosa, naquela emboscada que durou minutos. 
Horas? Não pensei em ti, nem na mãe, não pensei em ninguém. 
Estava ali, deitado na picada tentando sobreviver. 

Por vezes, acordo sobressaltado. 
Volto a Muidumbe, adormeci no abrigo, estou de vigia no posto número cinco, aquele, a norte do aldeamento, alguém cortou o arame farpado e rasteja na minha direção, agarro uma granada, tiro a cavilha, acordo.

Não te conto, pai, não irias compreender, mas não serias o único. 
No início tivemos medo, até da nossa sombra, cada negro era um “turra,” um inimigo, um gajo que nos queria tramar, mas, pouco a pouco compreendemos que os invasores éramos nós e que aquela terra não era nossa, a nossa terra. 
A população branca, os colonos,viviam a anos luz da realidade, nunca se aperceberam que aquela guerra não tinha solução, viviam embriagados pela vida que tinham nas grandes cidades, nas grandes fazendas, na vida mundana, nos bons restaurantes, nas grandes caçadas, conduzindo bons carros, gozando a vida. 
Vida de colono, como dizia o meu amigo, Augusto, condutor, como eu, e que fez comigo a travessia de Moçambique de sul para norte. “Estes gajos é que gozam a vida, têm as negras que querem, fazem filhos mulatos a torto e a direito, compram virgens em troca de um litro de azeite, ou de um garrafão de vinho, e nós é que morremos.”

Pai, não quero que conheças a desumanidade, a nossa e a da guerra, esquece a minha ausência. 
Não tenho palavras para te dizer o que senti o que sentia, o medo, a saudade e a angustia de mais uma noite que se adivinhava, igual a muitas outras. 

Posso contar-te uma história bem diferente daquela que vivi, mas não quero. 
Se soubesses a verdade, dirias que não, que não foi o teu filho que viveu aquela guerra. 
Nunca te contei, nunca te contarei.
Parabéns, PAI.
Apontamentos – Moçambique – 1967/1969 – França – 1970/1980.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Vou partilhar alguns comentários, publicados algures em parte incerta..., por Duarte Pereira



Gosto de ler...mas pouco.
Mas se são amigos costumo ler tudo até ao fim.
Não ando só por este grupo, há sempre mensagens privadas e outros meios.
Sem autorização, vou partilhar alguns comentários, publicados algures em parte incerta.
Não irei revelar quem usou a " pena ".


Os comentadores estiverem em Macomia 1972/74...
e em Sandim há poucos dias. .
???????? Respondendo às "nossas" Velhas, direi que ouvi atentamente peripécias e episódios que, embora andando por lá, não me apercebi.
Alguns dos amigos que compunham aquela mesa, foram gente que navegava noutros horizontes muito diferentes dos meus e em áreas que não dominava.
Por isso, gostei muito de os ouvir e cada vez estou mais convicto que, de facto, aquela situação era muito complexa e um manancial de emoções.
Paralelamente àquela guerra, muitas vezes dura e trágica, havia também outra dentro e fora do arame farpado.
Com muitos amores e paixões nos aldeamentos, solidariedade, segredos, ordens e planos de guerra quase diabólicos.
Pelo meio, a influência do poder civil implantado e polícia política - interpostos no seio dos militares e seus controladores- transformavam todo aquele cenário numa enorme complexidade, de conteúdos pouco perceptíveis ao comum dos mortais e que, ao fim e ao cabo, acabaram por ser as maiores vítimas de todo aquele sistema.
Abraço.
???????? Bom dia, amigo ?????, respondeste às Velhas mas eu apreciei, (como é habitual) a tua opinião, é sempre enriquecedora e dá-nos um certo conforto sentir que apesar da distância temporal ainda há muitos que conservam os episódios bem latentes e mais que isso conseguem "pensar". Também serve certamente para prevenir a alzhaimer...
Eu, no que me diz respeito andei uns bons anos que nem comentava nem queria ouvir comentar nada acerca daquela nossa experiência, mas a partir do primeiro encontro em que participei, (Marvão) senti que precisava de "soltar" determinados "pesos" que me atrofiavam em relação aquele período da minha vida.
E sinto-me bem assim.
Mas também sei ver que nem todos têm a mesma vivência da situação, mas aí é um assunto para psicólogos, sociólogos e até psiquiatras e como eu não sou nada disso, termino.
Um bom Domingo, um grande abraço e quando tiveres um tempinho "abota" mais umas coisas.
?????? Obrigado amigo ????.
Aprecio também muito as tuas sempre sinceras e sábias palavras.
Concordo plenamente que é mais do que hora de fazer passar alguma mensagem daquela época e daquilo que por lá aconteceu.
Suponho, que o nosso silêncio ao longo de tantos anos, evitando falar -até por motivos traumáticos- daquela guerra, terá levado a que, lentamente, se fossem esquecendo de nós.
Felizmente, já muita literatura vai aparecendo com a publicação de muitos livros, artigos, documentários, redes sociais, etc.
Contudo, parece-me que essa informação não passará muito ou não interessará já demasiado à sociedade civil e muito menos aos políticos.
Já somos demasiado idosos e de débil saúde e sem poder de exigir.
Não devemos esquecer que fomos a última geração de combatentes do Império.
Muitos já nos levam 10 anos.Essa informação circulará mais entre nós e não irá muito para além disso.
Tudo isto para dizer, que nada temos a perder.
E, pelo menos, vamos desabafando uns com os outros.
Grande abraço.

Duarte Pereira São "escritos" de dois ex-combatentes, em que a sua especialidade não era destruir.... não eram atiradores , mas " conservadores " , cada um à sua maneira ... e parece que eram bons .

Livre Pensador Duarte, os atiradores podiam eventualmente destruir, mas por outro lado, eram "construtores" da segurança de todos aqueles que apenas ouviam falar de guerra.

Duarte Pereira Livre Pensador - Ribeiro . Ainda não tinha analisado por esse prisma . Nós tentávamos afastar as " moscas " , para não caírem na " sopa " de Macomia.


Leonel Pereira Silva Bom dia amigo Duarte Pereira, então se queres bonecos, cá vai... com votos de boa quinta-feira...

Leonel Pereira Silva Mais...bonecos...

Leonel Pereira Silva E mais números...

os parabéns vai a "adoro".

Duarte Pereira Armando Guterres - Tenho utilizado o " boneco surpresa "para dizer que li. Continua a ser para mim " uma surpresa" quando alguém, publica, comenta ou clica em alguma coisa.

Duarte Pereira Manuel Martins Fonseca - Já leste o texto com comentários de dois ilustres ex-combatentes ?

Manuel Martins Fonseca Sim já li, muito interessante e muita realidade com tudo o que se passou na nossa guerra. Abraço

Duarte Pereira Manuel Martins Fonseca - São estes pequenos " grandes" relatos que eu gostaria de ler de vez em quando. Como diria ( em especial) o Fernando Silva e Horácio Cunha, aqueles dois anos em Moçambique, teriam mais histórias para contar e episódios para recordar. Enfim.... se tiver oportunidade de " captar" alguns, com a vossa autorização, transcreverei para a página deste Batalhão.

Luís Leote Não foi o meu caso, mas quem foi para África de avião, não se adaptou progressivamente. Devia ter sido um choque num curto espaço de tempo.
Quando cheguei, estava balofo, em baixo de forma física. Na primeira coluna de Mataca a Macomia a subir a Serra, com a cintura carregada com todos os artefatos, se tapasse a boca morria.

Duarte Pereira Nem um mini comentário do Paulo Lopes. Muito estranho mesmo.
Paulo Lopes Minis, só sagres!
Se não "abotasses" o meu nome, decerto que não leria o comentário anterior!
Passava sem o ver.
Eu fui um dos que viajou de avião e sozinho, sem camaradas que tivessem o mesmo destino que eu!
Aliás, um avião cheio de militares "gordos", acompanhados dos seus familiares, com destino a Luanda e Beira que deveriam regressar das suas "constantes" férias.
Depois, em Porto Amélia, tive a sorte de conhecer um dos pilotos que fazia os trajetos Porto Amélia/Quiterajo/Macomia/Chai/Mataca e que me transportou no seu Azteca até Mataca!
O que significa que também não fiz nem a picada Porto Amélia/Macomia nem a famigerada Macomia/Mataca.

Mas não ia balofo (também nunca fui, o meu peso normal e quase constante no andebol andava sempre pelos 64 kilos) porque a minha preparação física nunca parou nem mesmo nas duas recrutas que dei em Beja já que, a minha "missão" era dar ginástica, fazer os crosses e, principalmente, treinar futebol de 5 na equipa de sargentos que disputava o campeonato militar.
Depois, em Porto Amélia, ainda andei pelos treinos da equipa lá da terra (na tentativa de ficar por lá) e também por treinos de basket já que o treinador da equipa de Porto Amélia era meu familiar. Portanto a minha preparação não era problema!
Problema seria a preparação psicológica!!
A minha primeira saída foi para uma operação de 4 dias e aconteceu muito poucos dias de entrar na Mataca.
Tudo normal e nada de especial apesar do nervosismo de "checa"!
Escrevi no meu livro: ...
"Estavam decorridos poucos dias após a minha chegada a tão desesperante local quando fui chamado à primeira ação como guerrilheiro: chegara a minha primeira saída para o verdadeiro mato.
Apesar de estarmos estacionados bem dentro dele, tínhamos a sensação duma falsa proteção dada pelo arame farpado, valas e arsenal bélico, que sustentava uma segurança meramente psicológica. Levava comigo um punhado de conselhos dados por aqueles que já tinham feito umas quantas operações e que, pelo menos, conheciam muito melhor que eu todas as movimentações necessárias e cautelas que a ocasião exigia.
Não me sentia, de forma alguma e como seria natural, muito à vontade com esta nova, mais uma, experiência militar.
Na minha mente transbordava o pensamento:
— Faz o que os outros fizerem; observa as atitudes dos que te acompanham e tudo será mais simplificado'
Até a chegada da minha primeira picada, toma lá mais um pouco do livro:
"Ficámos alguns dias sossegados da azáfama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante mas não nos preocupou absolutamente nada.
Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele estádio fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.
Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem dúvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa atividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro jogo, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!...
Nessa primeira picada, como é lógico, tinha na minha mente que e pelo que me contaram já na Mataca, que foi numa dessas picadas que bateu à porta o infortúnio do furriel que eu fui substituir! Nada de agradável para o começo!!
Mas e em relação à adaptação, como sempre me aconteceu em quase tudo, foi-me fácil e sem problemas de substancial gravidade!
Fisicamente, nula!
Psicologicamente, mais fácil do que esperava!
Satisfeito Sr, Duarte Pereira! Como te estou farto de alertar, não me puxes pela caneta que ela tem corda para dias seguidos!!

Julio Santos Se o Leote se refere à coluna em que fomos levar a Macomia a comp. que fomos render na Matáca, para cima foi difícil tudo bem, mas para baixo tivemos o nosso baptismo de guerra e com grande fogo de artifício por cima e por baixo, era o nosso falecido Fortes o comand. da coluna a qual pernoitou na picada depois dos fiat's terem lá ido bombardear a mata e se irem embora devido à hora tardia para eles andarem por lá, sei que foi anoite toda a dar soro a um condutor já sem uma perna, testículos e mais qualquer coisa , acabou ali a guerra para esse condutor na manhã seguinte, não me recordo o seu nome, talvez devido ao pouco tempo que nos conhecemos e não me recordo se também acabou para mais algum camarada. sei que o nosso Cap. Marvão foi levado, segundo me informaram dentro de uma camisa de força para dentro de um helicóptero.
Luís Leote Não Julio Santos. Essa coluna que referes, foi a minha última.
Vim desde a Mataca até às machambas de Macomia a fazer fogo atrás dos picas.
A que me refiro foi a primeira, em janeiro de 71.
O meu camuflado ainda cheirava a naftalina.
Luís Leote Sei que vos avisámos para terem muito cuidado no regresso à Mataca, porque os frelos experimentavam sempre os checas logo na primeira coluna. Vim a saber a vossa má sorte, já em Quelimane.
Julio Santos Áh, ok. pois essa para nós foi a primeira coluna.. Um abraço.
Luís Leote Um abraço.
Julio Santos Igualmente

quarta-feira, 4 de abril de 2018

2014/08/29 - Despedida de meu pai, por Duarte Pereira


2014/08/29

O TEXTO QUE IRÃO VER MAIS ABAIXO, FOI ESCRITO PELO MEU FILHO A 27 DE AGOSTO.

O MEU PAI ESPEROU PELAS 12.05 H DO DIA 28, NA ALTURA DA MINHA VISITA E IA ACOMPANHADO PELA MINHA FILHA PARA SE DESPEDIR DE MIM.


DOIS DIAS ANTES ESTEVE NUMA AMENA CAVAQUEIRA NA HORA DE VISITA COM A MINHA MULHER E FILHA. ...


NESSA NOITE TEVE UM A.V.C. FORTE E PASSOU A ESTADO DE COMA.

NO MOMENTO QUE ESTOU A ESCREVER ACABARAM TODAS AS CERIMÓNIAS FÚNEBRES. 
AS MÉDICAS DISSERAM QUE ELE NUNCA MAIS TERIA UMA VIDA MINIMAMENTE NORMAL. 
SOU CATÓLICO E AGRADECI A DEUS POR O TER POUPADO A MAIS SOFRIMENTO. 
PENSEI TAMBÉM DE FORMA EGOÍSTA NA FAMÍLIA. 
A VIDA CONTINUA. 

O MEU PAI, PARA MIM CONTINUARÁ SEMPRE VIVO PELOS ENSINAMENTOS QUE ME DEU. 
A SUA CALMA, TUDO SE RESOLVE. 

SE EU SOU COMO SOU AGRADEÇO À MINHA MÃE QUE É MUITO NERVOSA E NÃO SE CALA A NADA.

PUBLICO ESTE PEQUENO TEXTO PORQUE ACHO QUE O DEVERIA FAZER.
JUNTOU-SE O FALECIMENTO DA MÃE DA CIDÁLIA PIRES E ACHO QUE FOI NO MESMO DIA. 
ESTAMOS AMBOS SENTIDOS. 
QUE OS QUE NOS DEIXARAM, FIQUEM BEM ONDE QUER QUE ESTEJAM.



Rui Pedro Pereira
O avô Armando está a lutar pela vida no hospital. 
A luta é dura. 
Como foi a vida dele. 
E dos meus avós. 
E dos nossos avós. 
O avô Armando e o "outro" avô, no sentido em que fui criado com o avô Heitor, capitão orgulhoso do Exército português, combatente nas antigas províncias ultramarinas. 
O avô Heitor ou melhor, capitão Heitor ensinou-me a ler, alguns princípios das Forcas Armadas, levou-me a conhecer quartéis, messes de oficiais, enfim a minha tropa até aos 14 anos foi com ele. 

O avô Armando e o "outro" avô no sentido em que, com ele, aprendi a ser mais terra a terra eu que, influenciado pelo avô Heitor, já sonhava com o brilho reluzente das medalhas por bravura (deixou-me duas e uma espada de Toledo). 
Com o avô Armando fui à pesca, na Baía de Cascais, ainda os meets eram de pescadores e a calçada estava cheia de redes e não de putos que merecem levar um par de estalos.
Com o avô Armando conheci a Cascais dos pescadores, da gente humilde, a Cascais longe dos tios e das tias, a Cascais do Pai do Vento, do jardim da Gandarinha, da barbearia em frente a Igreja, a Cascais onde me casei. 

O avô Armando, que trabalhava o vidro, também tomou conta do antigo cinema de Cascais. 
Abria e fechava as portas. 
Abria e fechava o bar. 
Deixava-me entrar pelo lado dos cisnes. 
De brincar junto ao Óscar gigante. 
No espaço que hoje e ocupado por uma Igreja de Culto, vi Os Salteadores da Arca Perdida, O Livro da Selva e Dick Tracy. 

E estranho escrever isto no Facebook, mas escrever faz-me bem. 
Faz me estar mais perto dele. 
Tenho saudades do meu avô Heitor e já tenho saudades do meu avô Armando. 
Porque, com eles, pude ver a Baía de Cascais de duas maneiras possíveis: da varanda da sumptuosa messe da Marinha e em cima do casco de um barco ao largo da Praia dos Pescadores.


Cidália Pires
Perdi uma das pessoas que muita falta me fica a fazer, a minha mãe.
Acabou o sofrimento esta noite ...

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Querem peixe? Vão ao mercado..., por Paulo Lopes


Boa tarde!

Claro que nada do que vou contar terá interesse comum a não ser para os pescadores como o amigo João Novo (ou pecadores) mas, quer queiram quer não, vou contar o meu dia de ontem:
Agarrei nas minhas canas de pesca; mochila devidamente preparada com todos os apetrechos necessários e convenientes para o que tinha idealizado (incluindo o farnel) e tudo para dentro da minha velha carripana que serve exactamente para estas funções (e outras)! 
Desloquei-me ao local indicado para "apanhar" o comparsa que arquitectou esta saída (não fosse ele arquitecto) e prego a fundo que se faz tarde!

Estrada para Alfarim, desvio para os Fornos, direitos à Praia das Bicas!
- Não, o mar está muito luso, não dá! 
Dizia-me o arquitecto que também sabe pescar sem réguas nem espaldar!

Estrada com o "bicho"! 
Caminhamos para norte, direitos ao Cabo Espichel por caminhos sinuosos que o velho Tempra não se fez rogado (mas eu desconfiado que não tarda ficamos aqui num buraco).
Chegados ao local previsto, vai de mirar o mar lá em baixo no seu ondear constante fabricando uma branca espuma num vai e vem que só o mar sabe fazer!

Vamos experimentar - disse o meu comparsa (porque ele é que entende destas coisas de mar e mar há ir e voltar, com ou sem peixe)!
E descemos, ziguezagueando os trilhos já batidos (tal serra de Mapé), em direcção aos peixes!

O tempo que demorámos não contabilizei! 
Sei que nem pousámos as canas nem tirámos as mochilas que já começavam a fustigar as costas: 
É pá!!! 
Isto está muito bravo!!! 
Não dá para pescar! 

Eu sempre disse que o homem percebe da poda e realmente, pescar ali, era passaporte para ficarmos sem material, bem molhados e quiçá, coisa pior!

Volta a subir em direcção a Norte do cabo e direitos a outro pesqueiro!
Mais um sobe e desce, desce e sobe! 
Caminha, caminha pescador que o peixe está mesmo ali ao virar da rocha! (Caminha era onde eu estava bem há umas horas a trás).

E lá chegámos a outro pesqueiro: um abismo a não sei quantos metros do mar (e o peixe lá em baixo à espera dos nossos anzóis carregadinhos de camarão que ainda não tinham saído da mochila)!
Finalmente as costas aliviaram do peso e, antes de mais nada, ataque ao farnel que já eram horas!

A maré é só à 15:30! 
Se começarmos a pescar duas horas antes já é bom! 
Claro que isto dizia-me o comparsa porque, para mim, a altura de pescar é quando chego ao local!
Farnel meio desgastado e sorvido; canas a postos com boias pesadas para se conseguir atingir o mar, lá em baixo, muito em baixo!

Primeiros lançamentos, menos mal: atingiu o objectivo: água!
- Estão a picar! Falou o arquitecto! ( a mim não, pensei eu). 
Mas se picavam, não ficavam!
Segundo lançamento de minha parte: boia nas rochas! 
Boia perdida agarradinha ao anzol cheio de camarão!

O vento levantou-se do seu adormecer e soprava!
Soprava cada vez mais forte e nós em cima do precipício a olhar o mar cheio de peixe que não apanhávamos!
Canas arrumadas! 
Mais umas trincadelas em qualquer coisa comestível! 
Uma boa dose de água porque o caminho era longo e sinuoso num sobe e desce, desce e sobe pelos trilhos já recalcados (já disse que são idênticos aos da serra de Mapé, não disse??).

Ao fim de "muito" tempo de longo caminho (tão longo como este texto), lá estava, sossegadinho, o "burro" para transportar dois burros que tiveram a esperteza de não apanhar peixe só para não terem ainda mais peso nas costas já cansadas.
Querem peixe??? 
Vão ao mercado!

domingo, 28 de janeiro de 2018

O ex-furriel..., por Duarte Pereira


O ex-furriel.
Fui para onde fui com a preparação "condensada".
Lá cheguei, analisei e pensei que seria uma "guerra" defensiva.


Só me deram um ano como "defensivo".
Em 1973 graduaram-me em "ofensivo".
O "macaco" já tinha um ano de experiência.



Em 1973 deixei de frequentar a "messe respetiva". (Macomia). 
Deixei de conviver no quartel (Macomia).
Quem da minha patente, ex-furriéis, se poderia lembrar de mim?
A "malta" da C.C.S. se eu estava ausente?




Tinha um quarto fora do quartel que chegou a ser só meu depois da fatalidade do Alferes Fortes.
Se soubesse o que sei hoje, estaria mais presente no quartel e acompanhar mais com a "malta" que lá dormia. 

Pelas fotos que tenho visto, houve farras, confraternizações e não há nenhuma foto minha.



Neste momento o Paulo Lopes estará mais orgulhoso por me conhecer.
Não convivia com o Encarnação, que hoje entrou no grupo. 
Pelo pouco contacto sabia que não era burro, pelo menos muito burro.

As viaturas não tinham problemas. 
Um condutor do "Pincha" ensinou-me a andar com aquilo. 
Depois passei para o unimog e ia-me espetando. 
Cheguei a andar uns 50 m de Berliet. 

Em Macomia guiei o Jeep do Capitão que era mais do Encarnação, porque andava sempre em "afinação".
Aquele Jeep se falasse e ainda se lembrasse, gostaria de ouvir algumas histórias.

Resumindo. 
Passei despercebido naquela "guerra". 
Haverá poucos graduados nesta página. 
Para mim, os poucos soldados que procurei comandar ou que me ajudaram a comandar é que contam. Infelizmente há poucos ou nenhuns.

Retirado das memórias não escritas do nosso "menino" Sr. Duarte Pereira. 
Desconhecido em Macomia.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Hoje é o dia do Sr. Marcelino, por Duarte Pereira



Hoje é o dia do Sr. Marcelino.
Vamos escrever qualquer coisa.
Só o seu nome é um hino...
Nosso amado Marcelino.
Devia tocar violino.
É um cordas interino.

Quando escreve, atenção.
Quase sempre com razão.
Ai de nós que diga não.
Uma faísca, explosão.
Tudo em "ino" tudo em "ão"
A vida é uma brincadeira
Os que por aqui estão
Têm o cu na cadeira.
Que recorde este dia
por uns dias.
Um aperto de mão das comadres.

Este poema do nosso amigo Duarte Pereira estava guardado há uns anos e vê agora a luz do dia...