Mostrar mensagens com a etiqueta Alto do Delepa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Alto do Delepa. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

...E o carnaval são 3 dias, por Luís Leote

PARA MEMÓRIA FUTURA.
HÁ TEXTOS QUE DEVEM SER PRESERVADOS.
 
Luís Leote
 
Tudo indicava que ia ser mais uma normal operação de reabastecimento de víveres....



Saímos de Macomia, com os carros bem atestados de mantimentos, chegámos ao Alto do Delepa para começar a descer a Serra do Mapé.

Eu vinha sensivelmente a meio da coluna, a pensar nas palavras do tenente da CCS.
“ Ordenou-me que cortasse o bigode, porque na fotografia do bilhete de identidade, não o tinha”.
Já não era a primeira vez que me tinha avisado.

De repente, fez-se um alto à coluna.
As viaturas, que começavam a descer a serra, uma berliet, voltou-se sobre o lado esquerdo da picada, ficando de rodas para cima, e a carga toda espalhada.
Felizmente, ninguém ficou ferido.
 


Lembro-me que, após a comunicação do sucedido via radio, ao comando da CCS, a primeira pergunta foi se a viatura tinha ficado muito danificada.
Nem uma alusão a possíveis feridos!!!
 
Percebemos que tão depressa, não iríamos sair dali.
Montámos a segurança à volta da viatura, para de seguida preparar o seu resgate.
Da Mataca veio o furriel mecânico que ao chegar, tratou logo de fazer o registo fotográfico.

 

Preparámo-nos par passar lá a noite.
Se a memória não me falha, alguém montou umas latas de ração com pedras lá dentro, à volta do perímetro.
Acho que ninguém conseguiu dormir, especialmente depois de alguém ter dado dois ou três tiros na direção das latas que faziam barulho.
 
Trazer a berlirt cá para cima, tornou-se uma tarefa complicada, pelo que estava à vista uma segunda noite na picada.
Com duas noites e três dias na picada, estacionados e referenciados, prometi que se me safasse da terceira noite, faria a vontade ao tenente e cortaria o bigode, o que aconteceu.

Foi em Fevereiro de 1971, em pleno Carnaval.
Dizem que o Carnaval, são três dias.
FOI UM GRANDE CARNAVAL!!!!!
 
Luís Leote

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Memórias da Mataca, por Manuel Correia, apresentado por Luís Leote

Luís Leote
 
 “Terra de minas, entre os cafres.”
Verdade, verdadinha, é mesmo este, o significado que o dicionário online de Português atribui à palavra Mataca.
 
Sem dúvidas…terra de minas.
Entre os negros…as minas da Mataca!
 
 
 
Foi há muito tempo!
Sei que eras das transmissões de Infantaria da C.Caç.2555, sei que eras um bom rapaz, sei que éramos amigos, sei que éramos todos uma família.
Não me lembro do teu nome, porque deve estar enrodilhado nalguma cicatriz da minha memó...ria, mas lembro-me, isso sim, que espalhavas um pouco da tua alegria por aqueles que te rodeavam.

O sol já espreitava na crista da serra Mapé, quando saímos da Mataca para Macomia!
Era necessário ir buscar qualquer coisa para enganar o estômago, nem que fosse um pouco de feijão-frade recheado com gorgulho.
 
Trinta kilómetros não são muito para os nossos dias, mas, naquele tempo e naquelas circunstâncias, demorava-se quase um dia a percorrer o trajeto.
É que palmilhar a serra Mapé era dobrar o nosso cabo das Tormentas.
 
Kilómetro quarto… nem sei descrever com precisão o que se passou: Um estrondo sem medida, a grande aventura de voar sem asas, alguns feridos, uma berliet com a frontaria toda estragada, o Lameira a berrar pelo mato fora… que grande confusão!
 
Depois disto tudo e enquanto ouvia as lamúrias do Cap. Alcides, por a berliet estar danificada, vi o nosso entendido em Transmissões, com a cara toda enfarruscada e um sorriso sem convicção, a sair penosamente da cavidade que o rebentamento da mina lhe tinha provocado.

Até me esqueci que a minha perna direita estava a sangrar e ri-me, ri-me com vontade, depois de ouvir o seu desabafo:
-Meu Alferes, estava-se ali tão quentinho!
 
Era assim na Mataca:
Palco de coisas simples, terra de minas e local de sinais contraditórios onde amizade; alegria e juventude conviviam com guerra; fome e sede… morte.
 
Hoje, bamboleando entre o pesadelo e a saudade, atrevo-me a afirmar que a Mataca, além de ter sido o degredo de muita gente, também foi uma grande escola, onde jovens mais ou menos ingénuos se tornaram em adultos experientes que aprenderam a superar as dificuldades da vida.
 
Hoje, a muitos anos de distância, continua a ser grande, o simbolismo da Mataca:
É muito bonito, sempre que uns poucos sexagenários da C.Caç.2555, comandados pelo nosso “Escrita,” continuam a transformar-se em adolescentes, quando, num alegre convívio, teimam em reavivar, por um dia, as recordações do tempo em que riram, trabalharam e sofreram juntos na “Terra de minas, entre os cafres”!

Manuel Correia

 
 
 ·

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

"AS BRANCAS", por Duarte Pereira


Duarte Pereira para BATALHÃO DE CAVALARIA 3878


"AS BRANCAS"

Tenho uma vaga ideia de ter chegado a Porto Amélia.



Acho que mudámos de roupa para ir fazer uns exercícios.

Não sei se já tinha ou deram-me uma camisa" brasileira" às cores que me arranhava a pele.
As calças eram também "floridas". .

As botas, para mim não eram novidade.

Uma recordação de Santarém.

Chegados a Macomia, não faço ideia para onde nos mandaram.
Decerto não seria ali o nosso quartel, mas o da C.C.S.


 

Penso que andei por lá uns tempos e a 3509 tinha lá a sua mecânica e a base da secretaria e o refeitório dos que não andavam a "passear".

Durante o ano de 1972 tive um comandante Americo Coelho e um "parceiro", Fernando Lourenço.

Aquele 4º pelotão não deveria estar a resultar para as "aspirações" do major.
Deve ter havido contra - informação.


Sempre ouvimos as "ordens" que nos eram dadas, "mas tínhamos os cabelos das orelhas, muito crescidos".

Em Dezembro e 1973, fui "saneado" para o 3º pelotão e o Fernando Lourenço, uns tempo depois "foi corrido", para organizar uma "base" de milícias no Mucojo.


Houve graduações a furriel, no 2º e 4º pelotões e a alferes no 1º pelotão e um furriel em rendição individual, para "mudar fraldas", para o 3º pelotão.

Se não tivessem mexido no 4º pelotão, a História da "Guerra" naquela zona, poderia não ser a mesma .

Ao meu "curriculum" teria acrescentado mais um ano de "amizade" com o Americo Coelho e Fernando Lourenço.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA, por Paulo Lopes


Paulo Lopes
 
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficamos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante mas não nos preocupou absolutamente nada.
 
Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.
 
Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
 
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estavam, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!
 
Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
 
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
 
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
 
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
 
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
…………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
.
— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos!
Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.
 
E com estas palavras, poucas e simples, saímos!
Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
 
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples quanto a reunião que acabávamos de ter:
— Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
 
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior. Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!
 
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
 
E lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
 
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
 
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas.
A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!.
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados.
Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
 
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
 
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.
 
Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
 
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
 
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do exercito e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distancia prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
 
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
 
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca.
Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico.
 
Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.
 
Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus.
 
Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.
 
Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
 
Sim! Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
 
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
 
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada.
Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita!
Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.
 
Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!
 
As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
 
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração.
Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
 
Pela forma do ataque, ficamos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distancia, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
 
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memoria como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: — quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
 
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”.
Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
 
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares.
Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 

domingo, 18 de setembro de 2016

Partiste...E levaste-me para a memória de há 44, 43 e 42 anos atrás, por Rui Brandão

Partiste...
E levaste-me para a memória de há 44, 43 e 42 anos atrás.
 
Só tu (e mais alguns...) me conseguiram fazer viver momentos de alegria e felicidade no ambiente de angústia e incerteza no futuro, do quotidiano de Macomia.
 
Após o telefonema de ontem do sempre atento e disponível Silva (1º cabo escriturário da C.C.S.) deixei-me transportar para os dias em que me escondias os meus ovos de pata.
Chamava-te de tudo; cão São Bernado em estilo de cão rafeiro!!!
 
As partidas cons...tantes que me pregavas.
 
Eras fantático na comunicação brincalhona sempre pura e saudável.
 
Recordas-te meu carinhoso "cão"?
Quando me foste buscar - a mim e à minha mulher e à Chana com 17 meses - após aquele terrível, estúpido e demasiadamente prolongado ataque a Macomia à morteirada?
 
Estávamos indefesos, talvez serenos, mas isso mesmo: Indefesos.
Foste-nos buscar e levás-te-nos para o quartel.
 
Nos dias seguntes, tu e os teus homens montaram proteção à minha casa durante alguns dias. Protegeste a minha família!!!
 
Como é que eu não poderia ir contigo nessa viagem de ontem à noite?
 
Como é que eu te poderei agradecer?
 
Já sei meu querido "cão"...
Tu não queres que te agradeça.
Tu és mesmo assim.
 
Como eu te pude conhecer...
Como tu te deste a conhecer.
Só pode acontecer a quem é puro, intelectualmente honesto, solidário e acima de tudo, amigo de verdade do seu amigo.
 
Desta vez pregaste-me mais uma partida.
Esta foi a última.
 
Deixa lá, vou tentar reagir da mesma maneira.
Vou-te chamar cão rafeiro novamente, mas desta vez não consigo conter as lágrimas.
Nunca me irei separar daquilo que retive de ti.
Até já meu querido "cão".
 
 
Duarte Pereira Rui Brandão.
Tinha um pressentimento que irias aparecer.
Gostei que o fizesses ao teu estilo.
 
Americo Coelho Só agora li.
Só agora soube.
Mas fiquei parado durante algum tempo.
A conversa que tive com ele há dias deixou de ter sentido.
Será que ele já sabia?
Tenho saudades de ter nova conversa.
Até um dia destes.
 
Fernando Silva Antonio Lindas palavras !
Querido Rui Brandão, esta dito!
Paz à sua ALMA .

 
João Novo Brandão, um abraço.
 
Horácio Cunha Certamente, que o Brandão testemunhou aqui os sentimentos que todos nós nutrimos pelo desaparecimento deste bom amigo Bernardo.
Aquele abraço, Rui Brandão

José Guedes Amigo Rui Brandão, quase nem consegui ler até ao fim, pois fiquei emocionado e com as lágrimas nos olhos,.. estes momentos são difíceis de se poder superar, mas temos que estar preparados para tudo isto, este mundo é uma passagem,,, amanha se Deus quiser lá estarei para me despedir dele para a sua última morada,......
 
 
Armando Guterres Um abraço para todos.
 
Filomena Maria Paiva Que descanse em paz, os nossos sentidos pesamos para toda a família, da família Paiva, José Paiva
Jaime Santos Caro Rui, isto é a lei da vida, temos que encarar estas partidas da melhor maneira possível, os meus sinceros pêsames à família direta a à outra, que somos todos nós.
 

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A Emboscada e as Formigas, por Luís Leote

 
 
Uma vez ao percorrer este troço de picada, fomos saudados por disparos feitos ao longe, na altura vinha montado numa viatura à retaguarda, num destes altos.
 
Mandámos umas morteiradas e seguimos caminho até Macomia.

Ao chegarmos ao Alto do Delepa, passe
i para a frente, logo atrás dos três picadores e atrás de mim, o cabo da metrelhadora HK.

Fazíamos fogo alternadamente e no preciso momento em que um de nós se preparava para o fazer, ouvimos o restolhar do capim, mesmo à nossa frente.
 
Ficámos com excesso de adrenalina e os nossos dedos não paravam de premir os gatilhos.
 
Em frações de segundo, reparei pelo canto do olho, que toda a malta se tinha deitado.
 
Todos menos eu e o meu cabo Rocha.

A resposta lá atrás foi imediata com três saídas de morteiro.
 
Antes da primeira explodir, já estavam outras duas no ar, disparadas pelo cabo Navega.
Resumindo e concluindo: tentaram passar a barreira de fogo, para a emboscada ser a meio da coluna, onde se encontravam as viaturas.
 
Passado o sufoco, a malta começou a despir as calças, para se livrar das formigas.
 
 

Eu e o cabo, streepteese não era connosco.
 
Hoje rio-me.


domingo, 22 de maio de 2016

Senhor Padre, gostou do "Macaco à Caçadora"?..., por Paulo Lopes

 
 
Como dizes, António Encarnação, as conversas são como as cerejas e então, apesar de saber que a maioria já leu, penso que tu ainda não tinhas lido esta passagem caricata na Mataca:
.......................................................................
.................................................................................

 
O presente é o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a partida que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!

Chegados ao aquartelamento, o F......, com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projecto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco.
Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na parodia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas — notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura — fizesse um belo coelho à caçadora.
 
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão Capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exactamente a mesma protecção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguirá terminar o conflito entre as partes terrestres?...
Pelo menos, até agora, não conseguiu pôr termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para início da festa:
— O petisco esta pronto!
Todos os graduados, sem excepção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!
 
O certo é que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:

— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!...


O F....., como era hábito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua partida mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de "macaco à caçadora"!...
 
Não sobrou nada!...
Se mais houvesse, mais iria!
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica construção, o F...... saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma qualquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
E para colocar um pouco mais de pimenta no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espectáculo que se seguiria.




In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes