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sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Trilhos, por Duarte Pereira

Duarte Pereira
 
APANHÁMOS O TEMA "TRILHOS" NAS MEMÓRIA NÃO ESCRITAS PELO SR. DUARTE A QUEM O SR ANTÓNIO BRITO TRATA AGORA OS EX-FURRIEIS POR " FUGUICHEIROS".
 
 
EM 1973, O SR DUARTE ERA POR "CUNHA" E NÃO POR MÉRITO "ALFUCHICHEIRO", SERIA ELE O RESPONSÁVEL PELAS OPERAÇÕES DO 3º PELOTÃO DA COMPª 3509.
 
 
QUEM ORIENTAVA AS OPERAÇÕES??
ELE???
NEM PÓ.
 
AGARRAVA NO MAPA E IA TER COM OS GUIAS (MÍLICIAS).
 

 
 
DIZIA ELE: TENHO INSTRUÇÕES PARA IR DAQUI PARA ALI, MAS TENHO DE PASSAR MESMO POR AQUI, POR ONDE DEVEMOS IR??? 
 
ELES RESPONDIAM.
CONHECEMOS A ZONA.
PODEMOS PISAR AQUI E ALI.
MAS COMO ISTO ESTÁ NESTE MOMENTO TEREMOS DE ABRIR CAMINHOS À CATANADA.
 
TUDO FELIZMENTE CORREU BEM E GRAÇAS AOS GUIAS. HÁ UMA FOTO QUE O SR FERNANDO LOURENÇO TIROU, QUE O SR DUARTE CONSIDERA A MELHOR DO SEU ÁLBUM. QUE DEVE TER BATIDO COM A "TROMBA" NALGUNS ARBUSTOS COM PICOS.
 
 
 
MORAL DA HISTÓRIA: TEMOS DE ESCOLHER OS NOSSOS "TRILHOS".
 
OS APARENTEMENTE MAIS FÁCEIS, PODERÃO MAIS TARDE DEIXAR SEQUELAS PARA O RESTO DA VIDA.
 
BEIJINHOS. 
 
 HOJE DIA DE PORTUGAL DEMOS AO "CANELO".
 
A NOSSA SINGELA HOMENAGEM AOS EX-COMBATENTES. 
 
NÃO SOMOS "RESPONSÁVEIS", NÃO DESMAIÁMOS NO NOSSO DISCURSO. 
 
CRITICAR É FÁCIL.
 
DAR A "CARA" AQUI NA PÁGINA NÃO É PARA TODOS.
 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Confissão de um soldado, por Duarte Pereira


E FOI ASSIM !!!
SIM!!! DURANTE SEIS MESES FUI SOLDADO, ESPEZINHADO, MAL TRATADO E "VIOLENTADO NOS MEUS VALORES MORAIS".
"ESTÁGIO" PARA UMA ESPECIALIDADE.
"SOLDADO PARA CANHÃO"!!
 
 
FUI CABO.
MAS JÁ TINHA A MINHA "SINA" TRAÇADA.
FIZ A "VIDA NEGRA" AOS SOLDADOS DO MEU PELOTÃO.
TENTAVA EXPLICAR QUE NÃO IRIAM PARA UMA GUERRA DE VENCEDORES, MAS SIM DE SOBREVIVENTES.
A MALTA ERA DO NORTE, NENHUM ALENTEJANO.
TERIAM DE DAR AO "COIRO" COMO EU DEI.
HAVIA GENTE COM RESISTÊNCIA, MAS TAMBÉM MENINOS DE CIDADE EM QUE ALGUNS NEM TINHAM PRATICADO DESPORTO.
NÃO SE PODIA DIVIDIR O PELOTÃO AO MEIO.
OS MAIS RESISTENTES AGUENTAVAM, OS MAIS FRACOS IAM ARRANJANDO MÚSCULO.
 
FUI UM CABO MUITO "MAU", A TENTAR DAR CABO DA RESISTÊNCIA, FÍSICA E MORAL A MUITOS FUTUROS FURRIEIS MILICIANOS.
ASSIM, CAI POR TERRA A TEORIA DO DIAS NUNES.
OS FUTUROS FURRIEIS, TAMBÉM LEVAVAM MUITO NA " CORNETA".
 
 
MAL CONHECI O MEU PELOTÃO EM SANTA MARGARIDA.
UM MÊS NÃO DEU PARA NADA.
EMBARQUEI AINDA QUASE SEM CONHECER O MEU FUTURO ALFERES E OS FURRIEIS MILICIANOS QUE ME IRIAM FAZER COMPANHIA NAQUELES PRÓXIMOS DOIS ANOS, SE TUDO CORRESSE BEM.
 
AFINAL QUEM ERAM OS "SRS FURRIEIS" ??
TALVEZ AQUELES QUE TIVERAM OPORTUNIDADE DE ESTUDAR E NÃO CHEGARAM AO PATAMAR EXIGIDO PARA IR PARA O CURSO DE OFICIAIS.
FOI O MEU CASO.
QUEM ERAM OS "SRS OFICIAIS"??
SERIAM AQUELES QUE LEVARAM A PEITO OS SEUS ESTUDOS E COM OU SEM QUEDA FORAM TIRAR O CURSO.
OFICIAL OU SARGENTO?
 
NAQUELE ANO EM SANTARÉM E DEPOIS DE ANALISAR AQUELA "GUERRA DE INTENÇÕES" PARA VENCER E ACABAR COM A "GUERRA", CHEGUEI A UMA CONCLUSÃO.
PREFERIRIA UM SOLDADO COM EXPERIÊNCIA DE LÁ JÁ TER PASSADO, DO QUE UM ALFERES MILICIANO "BÉTINHO".
 
TIVE UMA BOINA CASTANHA.
AS VERDES, VERMELHAS E DE OUTRAS CORES, ERAM PARA AQUELES QUE TINHAM AS SUAS CONVICÇÕES.
 
PESSOALMENTE JÁ TINHA EXPERIÊNCIA DE "GUERRILHA" E JÁ TEREI CONTADO AQUI NA PÁGINA.
COM AMIGOS ASSALTAVA QUINTAS PARA ROUBAR FRUTA E ÉRAMOS CORRIDOS A TIRO DE CAÇADEIRA.
NO PARQUE MARECHAL CARMONA EM CASCAIS, EU E OS MEUS AMIGOS FAZÍAMOS CORRIDAS DE GANSOS OU CISNES DE UM LADO PARA O OUTRO DO LAGO.
 
ROUBÁVAMOS CANAS DA ÍNDIA PARA IR À PESCA.
OS GUARDAS TOCAVAM AS CORNETAS PARA FECHAREM AS PORTAS PARA NOS APANHAREM, MAS TÍNHAMOS UMA SAÍDA DE EMERGÊNCIA PARA A PRAIA DE SANTA MARTA.
FOMOS PRESOS PELA POLÍCIA POR ANDAR A JOGAR À BOLA NA RUA.
ÍAMOS AOS PÁSSAROS COM RATOEIRAS E "FLOBER".
 
"ASSALTÁVAMOS" CASAS SENHORIAIS QUANDO OS DONOS ESTAVAM DE FÉRIAS PARA IR BRINCAR COM AS BICICLETAS E OUTRO BRINQUEDOS DOS MENINOS RICOS.
 
COMO FURRIEL PROCUREI JOGAR À DEFESA.
O MEU ALFERES ERA CALMO E CONSCIENTE.
O OUTRO FURRIEL, NEM QUERO FALAR DELE.
 
 
UNS ONZE MESES DEPOIS DERAM-ME UM PELOTÃO.
JÁ TINHA ALGUMA EXPERIÊNCIA DO TERRENO, DAS PESSOAS E DO RITMO DA GUERRA.
 
GRAÇAS A DEUS CORREU TUDO BEM.
O MEU TERCEIRO PELOTÃO DA 3509, QUE EU ME LEMBRE NUNCA TEVE NENHUM INCIDENTE.
SUSTOS SIM, E ALGUNS POR MINHA CAUSA, POR TER IDO PARA SÍTIOS ERRADOS NA ALTURA CERTA.
 
A FOTO EM BAIXO FOI MATERIAL REENCONTRADO QUANDO FAZIA UMAS LIMPEZAS, CHEIREI E QUASE ME COMOVI.
A MEDALHA É DA PISTA DE COMBATE EM SANTARÉM.
DEVEM TER DADO UMA A TODOS OS PARTICIPANTES E DAÍ TALVEZ NÃO.
 
O ARTIGO JÁ VAI LONGO , MAS TIVE MUITO PRAZER EM ESCREVÊ-LO.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

FUI INSPECCIONADO, por Paulo Lopes


Paulo Lopes
 
 
Conforme prometi aqui vai mais um "chateanço" de cabeça à rapaziada e, mais uma vez, creio que vou estar em sintonia com muita malta desta página (uns nem tanto, mas...)

De disciplina em disciplina; de filme em filme; de tacada em tacada; mais conversa menos musica; mais musica menos conversa; mais rua menos avenida caminhada; mais pontapé na vida e menos na bola, lá ia cultivando um futuro que, afinal, estava logo a seguir, ao virar da esquina.

A proximidade do futuro que se adivinhava para jovens como eu, estava nas mãos dos governantes e eles precisavam dos meus préstimos para outros empreendimentos os quais não estavam nos meus planos nem sonhos.
 
Como prova desta minha teoria, existia o meu completo esquecimento de que para alguma coisa tinha ido, uns meses atrás dar o nome a um obrigatório recenseamento militar.

Fiquei conhecedor de que não estávamos só nas mãos de Deus, como sempre nos quiseram fazer acreditar, mas também nas dos diabos e seus apóstolos que proliferavam lá para as bandas de São Bento, acompanhando os nossos passos, controlando as nossas ideias, não nos deixando cair na tentação de devaneios que nos levassem a criar obstáculos e por em causa as suas indiscutíveis razões do bem-fazer aos seus semelhantes.
 
Isto com a ajuda imprescindível de quem nos queria fazer crer que só Deus nos guiava.
 
Ouvíamos, mas pouco comentávamos (talvez receio, talvez ignorância imposta ou simplesmente por não querermos falar) o tema tabu da guerra colonial.
Íamos sabendo que fulano tal e sicrano, que estavam a cumprir o serviço militar, tinham partido para terras de África, mas não nos era facultado qualquer pormenor ou conhecimento do que se passava para lá do Cais da Rocha de Conde Óbidos, para além das águas que banhavam os muros onde os barcos atracavam e se enchiam de jovens duma nação comandada pela ganância, embarcando ao som de choros e gritos de lamentações, lenços brancos a abanar, já encharcados de saudades.
 
Martelavam-nos a cabeça com outros assuntos bem mais fáceis de digerir e cheios de fé.
 
Incutiam-nos a ideia, esta reforçada pelos nossos pais, talvez querendo enganarem-se a eles próprios ou com o pensamento de que nos estavam a proteger de assuntos que nos fizessem alertar para a realidade completamente desconhecida, que quando chegasse a nossa hora de ir para a tropa já a guerra estava terminada e Angola, Moçambique, Guiné ou os outros diversos territórios espalhados pelo mundo, eram e continuariam a ser nossos.
 
(Angola é nossa...Angola é nossa...Angola é nossa).
 
Ouvíamos isto numa música passada constantemente na rádio, na televisão e nas ruas.
 
Inconscientemente íamos alimentando o nosso espírito de que era verdade e que não nos deveríamos preocupar muito com essa coisa da guerra do Ultramar, além de que, na tropa, é que "aprendíamos a ser homens"!...

Sempre nos foram vedadas a sete chaves pelo regime de então toda e qualquer verdade da questão.
 
A guerra colonial tinha de ser vista e sentida pelo povo como um estandarte do nosso país, pelo qual tínhamos de dar tudo por tudo para que esses nossos territórios não caíssem por terra, para que não caíssem nas mãos dos “terroristas”.
 
E no “tudo por tudo” estavam incluídas vidas e esperanças de uma juventude que, apesar de tudo, ainda mantinham sonhos e horizontes por descobrir.
 
Claro que a juventude filha dos poderosos do nosso país estava bem resguardada e alheada desse estandarte pelo qual o povo, sempre o povo, tinha de defender a bem da nação (e dos poderosos dela).
 
Mesmo que nos esforçássemos para conseguir ir um pouco para além do que nos era permitido (o que, contra mim falando, não era o caso porque deixava correr o tempo e esperava que as coisas se resolvessem por si próprias), logo se deparavam obstáculos complicados de transpor que nos colocava de imediato em maus lençóis.
 
A forma mais premente que surgia nos jovens que não queriam participar nos ideais dos poderosos do nosso estado e do nosso país, estavam presentes na fuga imediata.
 
Na subversiva passagem para o outro lado da fronteira.
Numa vida de fugitivos da própria sombra.
Numa incerteza do futuro, mas com a firme certeza que não iriam morrer ao serviço de beneficiados ocultos na capa de benfeitores e no escudo de "a bem da nação".

Na minha mente nunca esteve essa hipótese, para mim absurda, porque, ou teria a sorte do meu lado e venceria essa batalha ou ela não me acompanharia e decerto, para sobre viver noutro lugar, em outro pais, iria dar o meu esforço, não sabia a quem, ser escravo dos meus próprios minutos.
 
Vender a minha alma em troca de quase nada a incessantes ávidos de sangue e do suor alheio.
Na imensurável questão do vai ou fica, do ter ou não ter sorte, do questionável ou não, optei por jogar "no que for soará", mas junto dos meus familiares e amigos.
Não desdenho dos que pensaram o contrário, nem faço elogios a quem por essa prática enveredou.
Cada qual deve pensar pela sua cabeça e seguir o caminho traçado por si mesmo.

O povo tem razão (nem sempre. Quase sempre, quanto muito!) quando diz que o tempo voa.
Num instante se tinha passado mais um par de tempo e sem dar por ela estava no edifício da Junta da Freguesia da Penha de França a conferir os editais, procurando avidamente o meu nome agregado a uma data para me apresentar na inspeção militar, sempre com esperança de não enxergar a minha graça.

Mas não! Nestas ocasiões eles, os nossos amigos, os governantes, nunca se esquecem de nós e lá estava o meu nome numa extensa lista de futuros magalas.
O esquecimento ficaria para contas de outro rosário.
Quem não podia esquecer essa data era eu, se queria não arriscar passar instantaneamente de um pacato rapaz bem comportado a um refratário.
Palavrão que, nesses tempos, era sinónimo de grande malfeitor, assassino ou coisa pior ficando, inclusive, marcado para a sociedade.

O tempo que separou o dia da minha minuciosa leitura do edital até a data nele marcada (a memória atraiçoa-me e a exatidão dessa data deixa-me na incerteza) foi passado nervosamente veloz.
Tão veloz que num ápice estava a dizer (dizer, é uma forma de expressão!... Pedir, será o mais correto) ao meu chefe que tinha de faltar para me apresentar num edifício, se não me falha a memória, ficava perto da Praça de Espanha onde, na altura, funcionava o Hospital Militar, a fim de ser inspecionado para o serviço militar.
 
Pedido que, alastrado, fez soltar um exclamado “jáááá!!!” e umas quantas palmadinhas nas costas, amigavelmente, dadas por todos os meus colegas, todos mais velhos que eu e livres destas andanças, como que, antecipadamente, despedirem-se de mim e desejarem-me sorte para uma nova vida.

In "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes  1 de Agosto de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os meus primeiros dias de tropa, por Paulo Lopes

R. A. 4 - Leiria
Para espicaçar a malta a contar os seus primeiros dias de tropa aqui fica mais um pouco do livro: "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Falando nisso, vamos almoçar...
Um militar de divisas douradas em pano de fundo verde tropa (fiquei a saber que era 2º sargento) veio chamar-nos à caserna, agora um pouco mais calma e menos conflituosa com a confusão gerada pelo homem/roupa/apetrechos/cama de cima ou de baixo/cacifo esquerdo ou direito:
— Tudo la fora, rápido. Vociferou com voz de comando num tom feroz a querer meter-nos medo, como se disso houvesse necessidade, a nos, pobres mancebos que ainda nos tremiam as pernas só de ver o lustroso fardamento que enfeitava a besta feita militar.
Após reunidos e perfilados na parada a saída da caserna e sem muitos rodeios, pôs-nos a caminhar mais ou menos ordenados em direção ao refeitório.
Primeira refeição: Chicharro frito com arroz.
Até que do chicharro gostei ou então seria a fome que já fustigava o estômago e resmungava por qualquer ementa, mas o arroz, coitado, parecia feito de um bago só, qual cimento quase seco, enfim, do mal, o menos e dava para afugentar a fome que se ia aproximando dos nossos esfomeados esqueletos!
Decerto que me esperavam coisas bem piores que um simples arroz mal confecionado!
Digo eu!
Estávamos no fim da nossa refeição quando fomos “convidados”, mais uma vez com uma voz de dono do mundo, a apresentar-mo-nos dentro de dez minutos na parada.
Ordens são ordens e a nossa posição não aconselhava a ripostar.
Longe de tal, pelo menos no que tocava a minha pessoa apesar de, interiormente, não ter gostado daquela forma de convite!...

Mas nós já não éramos convidados.
Já fazíamos parte integrante dum objeto que servia para ser amedrontado por frustrações impiedosas de produtos mal acabados e cioso de mostrar o seu pseudopoder.

Já na parada e de formatura efetuada com o esforço dedicado de dois ou três fulanos com divisas vermelhas e em bico também listadas em pano de fundo verde tropa (mais uma que fiquei a saber: cabos milicianos) ficamos a conhecer os nossos futuros protetores e docentes:
Comandante da Companhia: um capitão.
Três listas douradas verticais sobre um fundo verde;
Comandantes de Pelotão: tenentes, alferes e aspirantes.
Duas listas douradas na vertical os primeiros, uma lista dourada os segundos e os últimos também uma lista dourada mas na diagonal do fundo verde.
Por fim, Comandantes de Secção: furriéis e cabos milicianos.
Três listas em forma de sinal de seta sendo duas para um lado e outra para o lado oposto.
Isto os furriéis.
Os cabos milicianos faziam o mesmo desenho mas em listas vermelhas e não tão reluzentes.
Os “maiorais”, aqueles que só aparecem em ocasiões especiais, os que mandam nos que na altura se esforçavam para dar mostras evidentes que eram eles que ali mandavam, iríamos conhecer um pouco mais tarde.
Uma lição importante: há sempre alguém que manda acima de quem manda alguém!...(falta-me descobrir se existe fim, se para nalgum lado, se o animal tem focinho e cauda!...
Ficamos ali mesmo com a nossa primeira lição de obediência hierárquica.
Fomos divididos como quem divide uma partilha e entregues aos nossos proprietários para que estes fizessem de nós “homens a sério”!
Estávamos apenas na primeira semana da nova vida.
Ainda completamente inadaptado a nada nem a ninguém, numa das formações matinais, antes do pequeno-almoço, chamaram uns quantos, um a um, para uma formatura à parte onde, sem saber porque, também estava incluído!...
— Mau'! Que fiz eu para obter tamanha honra de marginalização?
Perguntei para os meus botões que foram, diga-se, meus conselheiros de muitas batalhas dos pensamentos quando tinha tempo, espaço e vontade de pensar!
Depois de separados, ficámos a saber que estávamos escalados para fazer uns testes a que davam o nome de psicotécnicos.
Tal como um toque de interruptor que velozmente acende uma luz, vieram-me a memória alguns conselhos (idênticos ao do engolir uma azeitona!) que me tinham acompanhado para esta vida militar. Conselhos de quem já tinha passado pela tropa e entre muitos, um dos que ficou gravado na minha memória foi:
— Não te armes, nem em muito esperto, nem em demasiado burro.
Fica sempre no meio e se possível despercebido.
Para que serviriam aqueles testes?
Como deveria agir?
Devo esforçar-me e dar o meu melhor ou simplesmente efetuá-los?
Do que constarão os testes?
Foi neste estado de espírito que passei o dia e não consegui obter uma auto-resposta.
Mas venham de lá esses testes!
Que coisa mais burra!
Ou foram estupidamente elaborados ou propositadamente de aparência estúpida!
Testes tão fáceis que não dava sequer para tentar não saber fazê-los.
Já não me recordo de todos, mas um ficou-me memorizado: parecia um brinquedo de crianças, daqueles que dizem para que idade que foram concebidos e contava para pontuação não só a colocação de umas peças no local correto mas também o tempo que demoraríamos a efetuar essa tarefa.
 
Desconfiei daqueles testes e fiquei a pensar se estávamos simplesmente a ser gozados ou mesmo a ser testados mas de uma maneira diferente do que estava habituado nos tempos não muito longínquos das cadeiras das escolas e com testes bem mais complicados.
Terminados os testes de secretária feitos num só dia, passámos a outros, aos físicos:
Na manhã seguinte e previamente avisados, estávamos novamente formados à parte e conduzidos à pista dos obstáculos físicos.
Comecei a pensar que deveria dar o meu melhor e que talvez, com isso, retirasse alguns dividendos que me pudessem aliviar de funções mais pesadas e fosse colocado numa secretaria militar dum qualquer quartel, conforme o anjo me falava, de quando em vez, atrás da orelha a quem eu, já desconfiado, respondia na orelha dele: e eu sou o Pai Natal!
Conflitos de pouca monta!
Iniciámos então os diversos exercícios físicos sempre acompanhados e vigiados de perto por graduados que apontavam, penso eu, as nossas aptidões!
Daquilo gostava eu.
Desporto sempre foi comigo.
Mas de calções, ténis e camisola, não fardado e com botas da tropa!
Essa e que eu não esperava!
Entre saltos em comprimento; corrida de obstáculos a percorrer o mais rápido possível um determinado espaço; ora correndo ora rastejando por baixo de arame farpado ou saltando por entre pneus suspensos por cordas a troncos de arvores, tal qual macacos, foi mais ou menos fácil de transpor para todos os intervenientes mas, andar em travessas com um palmo de largura a três, ou mais, metros do chão e saltar daí para um tronco de árvore que distava cerca de um metro, agarrar-se a ele e por ele descer, complicou a situação para uns quantos, do que não se livraram duns certos nomes e risadas.
Gostei de fazer todos aqueles exercícios e fi-los com determinação e uma perna as costas esquecendo que estava a ser classificado para algo que desconhecia.
O desporto sempre injetou em mim uma espécie de analgésico com efeitos imediatos fazendo com que me concentrasse no que fazia esquecendo o que viria a fazer ou o que tivesse feito!
Resultado intermédio: fiquei, no conjunto dos testes, psicotécnico e físico, em segundo lugar.
Resultado final: guia de marcha com mais uma boa mão cheia de camelos com as mesmas bossas que eu, para o quartel das Caldas da Rainha.
No final da segunda semana de clausura, mandaram-nos descansar para casa esse fim-de-semana, não sem que antes ter de devolver as tralhas que já tinham colocado a nosso uso e de nossa inteira responsabilidade.
 
Eu e mais uns quantos “magalas” já não regressaríamos a Leiria tendo na mão uma guia de marcha com destino ao RI 5 onde teríamos de nos apresentar na segunda-feira seguinte.
 
Paulo Lopes (20130827)
 
 
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

RECRUTA - Pelo Rui Brandão

 
Destacamento da Escola Prática de Cavalaria em Santarém - 1970
 
 
RECRUTA

Dado o tema RECRUTA ser apetecível para a "memória militar" e estar a ser trabalhado com as experiências de cada um, deixem-me explanar um pouco o que passei em Santarém.
 
Pertenço ao 2º turno de 1970.
Nessa altura ainda se usava a Mauser para os exercícios e a G3 só para fazer tiro, lá naquela carreira de tiro de episódios com piada (um, dois e três apanha invólucros, o resto vai ver a merda que fez).
 
As vivências/experiências/ambientes têm muito a ver com as pessoas que compõem os respetivos grupos.
 
No meu caso direi que tive umas primeiras 4 a 5 semanas de bom ambiente, dado que o aspirante (licenciado em Direito) que nos dava a Recruta era simplesmente um tipo impecável.
 
No primeiro dia, chegou junto do pelotão e disse: - Meus senhores, sabemos que ninguém gosta disto,... mas vamos aproveitar o que há de bom nesta Recruta, a camaradagem e os exercícios físicos.
 
Claro está que ficou com o Pelotão na "mão".
Passadas essas 4 a 5 semanas, um dia apareceu de manhã acompanhado de outro aspirante.
 
Informou que iria passar para os serviços jurídicos do quartel e seria substituído pelo novo aspirante que agora apresentava.
Ok, tudo bem.
Embora deixando saudades.
 
O novo aspirante, informa que íamos para a carreira de tiro, de imediato dá-nos ordens para NUM MINUTO irmos buscar o capacete à caserna.
 
Nós estávamos aquartelados no Destacamento.
Da parada até à caserna e voltar não dava para UM MINUTO.
Quando voltámos, o aspirante com o seu ar imponente gritou que já tinha passado o tal MINUTO.
Enchemos 50.
O aspirante ficou "apresentado".
 
No próximo Capítulo vou descrever-vos a personalidade deste "cromo".
 
Rui Brandão 20130731

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

NOVAMENTE, TAVIRA, por Fernando Bento


 
BOA TARDE PESSOAL.
 
FINALMENTE ENCONTRO-ME A PASSAR UMAS FERIAS EM SARZEDO, MINHA TERRA NATAL.
 
DEPOIS DE ALGUM TEMPO DE AUSÊNCIA DEVIDO A COMPROMISSOS PROFISSIONAIS, QUE MUITO ME OCUPARAM NESTAS ULTIMAS SEMANAS, CÁ ESTOU PARA TENTAR POR A ESCRITA EM DIA, E TENTAR COLABORAR (DENTRO DO POSSÍVEL), NESTA PAGINA.
 
GOSTARIA DE PARTILHAR CONNVOSCO A MINHA CHEGADA A TAVIRA.
ENTÃO CÁ VAI.
 
APÓS UMA RECRUTA NO RI 5 NAS CALDAS DA RAINHA, RECEBI GUIA DE MARCHA PARA TAVIRA (C.I.S.M.I.), ONDE IRIA FREQUENTAR O CURSO DE SAPADORES.
 
ESTÁVAMOS NO INICIO DO MÊS DE MAIO DE 1971.
 
DEPOIS DE UMA NOITE MAL DORMIDA, FEITA, PRIMEIRO DE BARCO DO TERREIRO DO PAÇO PARA O BARREIRO E DEPOIS DE COMBOIO, QUE PARAVA EM TODAS AS ESTAÇÕES E APEADEIROS, CHEGUEI A TAVIRA, CERCA DAS 6,30 DA MANHÃ.
NA GARE DA ESTAÇÃO DOIS ELEMENTOS DA P.U. (POLICIA DA UNIDADE), ESPERAVAM-NOS. MANDARAM-NOS FORMAR A DOIS E LÁ SEGUIMOS EM DIREÇÃO AO QUARTEL QUE ATÉ NEM FICAVA MUITO LONGE DA ESTAÇÃO.
 
QUANDO LÁ CHEGÁMOS JÁ ERA GRANDE A BARAFUNDA COM MUITOS INSTRUENDOS QUE À VOLTA DE UNS PLACARDS COLOCADOS À ENTRADA DA PARADA TENTAVAM SABER ONDE IRIAM SER COLOCADOS: COMPANHIA, CASERNA, ETC..
 
TINHA ACABADO DE VER ONDE IRIA SER COLOCADO (1ª COMPª. E 1º PELOTÃO), QUANDO SE OUVIU UMA VOZ NAS NOSSAS COSTAS:
ATENÇÃO, SAPADORES, ONDE ESTÃO OS SAPADORES DO 1º PELOTÃO.
TEEM 5 MINUTOS, 5 MINUTOS OUVIRAM BEM?... PARA ESTAREM AQUI NA PARADA FARDADOS COM A FARDA Nº 3.
 
OLHÁMOS NA DIREÇÃO DONDE VINHA AQUELA VOZ, ERA UM ALFERES, O ALFERES MADEIRA, SAPADOR, E QUE SERIA O NOSSO INSTRUTOR.
 
BOM, COMO CALCULAM FOI UMA CORRERIA LOUCA EM DIREÇÃO À CASERNA PARA NOS VESTIRMOS COMO ELE MANDOU.
FOI UMA GRANDE CONFUSÃO.
EU ATERREI NA PRIMEIRA CAMA QUE ENCONTREI VAZIA E DESPACHEI-ME O MAIS RÁPIDO QUE PUDE.
 
QUANDO CHEGAÁOS À PARADA, OS 5 MINUTOS TINHAM PASSADO HÁ MUITO.
HAVIA ALGUNS DE BLUSÃO, CAMISA E GRAVATA E CALÇAS Nº 3, OUTROS COM A PARTE DE CIMA Nº 3 E CALÇA DE SAIDA, UMA GRANDE MISTURA DE FARDAMENTOS.
 
O ALFERES À NOSSA FRENTE OLHOU-NOS COM UM SORRISO TROCISTA, MANDOU, FIRME, SENTIDOOOO, MEIA VOLTA VOLVER, PASSO DE CORRIDA E LÁ FOMOS EM DIREÇÃO AO PORTÃO SUL.
ESTE PORTÃO DAVA ACESSO À ZONA DE INSTRUÇÃO, ONDE SE SITUAVAM A PISTA DE OBSTÁCULOS, AS SALINAS COM AGUA ESTAGNADA, ETC..
 
BOM JÁ ESTÃO MAIS OU MENOS A CALCULAR A RECEPÇÃO QUE NOS FOI OFERECIDA.
ERAM AS FLEXÕES, OS ABDOMINAIS, O RASTEJAR, ANDAR DENTRO DAS SALINAS, ETC..
 
QUANDO UMA HORA DEPOIS ENTRAMOS NO QUARTEL, TODOS "BEM CHEIROSOS" E SUJOS DE PORCARIA DOS PÉS À CABEÇA E A GRITAR, OS SAPADORES SÃO OS MAIORES, ESTÃO A VER A CARA DOS OUTROS QUE SENTADOS PELOS CANTOS AINDA AGUARDAVAM ORDENS.
 
DEPOIS VIEMOS A SABER QUE AQUILO ERA UM ESPECIE DE PRAXE AOS NOVOS SAPADORES.
AS FARDAS FORAM LAVADAS CONNOSCO LÁ DENTRO.
Fernando Bento publicou no
BATALHÃO DE CAVALARIA 3878
20130820
 

 

sábado, 17 de agosto de 2013

O PRIOR E O MACACO, por Paulo Lopes

Foto de Luís Leote
Aguardavam-nos redobradas noticias atrasadas, decerto, mas para nós tanto fazia: queríamos noticias.
 
Queríamos carinho.
 
Queríamos o nosso tempo semanal de conforto e amizade que normalmente vinham bem comprimido nos envelopes.
 
Provavelmente algumas mentiras, mas pouco nos importava.
 
Pelo menos estávamos a relembrar-nos das nossas gentes, dos nossos sítios, do que afinal, era do nosso peito.
 
Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro do Exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um Capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
 
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:
— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???...).

 Decerto que a ideia deste Capitão capelão, não era de incutir-nos mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra.
 
Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.
Pela zona demarcada na mensagem, adivinhava-se uma operação de passeio e de piquenique, não fossem as noites ao relento passadas em camas demasiado picantes e claro está, não houvessem situações anormais que afinal, também eram férteis nessas operações consideradas “fáceis”!...

Fácil ou não, lá fomos nós para mais quatro dias ao acaso.
 
A missa tinha de esperar! A purificação dos nossos espíritos ficava para mais tarde!...
As nossas almas seguiriam para outros lados. Outras vozes que mandavam neste rebanho, falavam mais alto que a voz divina e nem tão pouco haveria espaço para, com firme certeza, dizer que ainda viriam assistir a alguma missa!...
 
Que Deus nos proteja! A nós e aos guerrilheiros inimigos que possamos encontrar!...

Como já calculávamos, e calorosamente desejávamos, nada de anormal se passou até porque, para além de já termos “batido” aquela zona por diversas vezes e por isso ser-nos bem conhecida, também era uma área de mato rasteiro, planície quase árida, com pouco arvoredo de grande porte, o que não deixava margem para qualquer base ou posto avançado estacionar por ali, tal a visibilidade existente a longa distância, proporcionando também uma imprevisível emboscada.
 
Talvez por ser tão fácil ou porque já estávamos completamente distantes de nós próprios e esquecidos do nosso mau destino, ainda vínhamos longe da Mataca, mas já em sentido de regresso, já o nosso pensamento se divertia com uma maldade a fazer aos graduados que tinham ficado no estacionamento e, por tabela, ao capelão: a ideia veio do F……., furriel que vinha a comandar o terceiro grupo de combate.

Para passar da ideia à pratica, era necessário ir à “caca”!...

Caçada bem fácil, pois o animal escolhido para o “sacrifício” era abundante naquela zona e quase lhes tocávamos com a mão.
 
A nossa presença não era suficiente para os assustar de forma a que desse origem a sua rápida fuga.
 
Apenas o faziam quando estávamos bem perto deles e era preciso que estivessem no solo porque, quando estavam nas árvores, mal nos ligavam.
 
E por todas estas razoes era fácil um tiro certeiro, mas diga-se, ninguém os caçava a não ser alguns animais ferozes e porque tinham fome ou então nós, porque não estávamos, decerto, com todas as nossas capacidades de ser humanos e o nosso vegetar por aquela vida obrigava-nos a colocar as situações mais graves e desumanas, no mesmo patamar de qualquer faceta mais inocente.
 
Quando nos esquecíamos de nós próprios e o pensamento não existia antes da ação, tanto nos fazia beber uma cerveja, como matar qualquer animal apenas para ver se a arma estava certeira ou se estávamos com pontaria!...
 
Desta vez não pensámos como seres que julgamos ser, mas apenas no prazer de pregar uma partida. E então, quase em uníssono, o F……. e outro soldado do seu grupo, mataram dois desses animais: Macacos!...

Dois tiros certeiros e já esta: dois macacos inertes no chão!
Naqueles anos perdidos da minha vida, conforme mais o tempo avançava, consoante os acontecimentos entupiam o sentimento e o espaço no coração, tudo se tornava fácil e o surgimento de situações que realmente me comovessem, tornavam-se nulos, mas o episódio que presenciei após a queda dos animais, fez com que parasse no tempo e pensasse em nós, os homens, os ditos animais racionais: era natural que os outros macacos do bando, ao ouvirem os tiros, fugissem para qualquer lado, mas não!...
 
Além de não fugirem, dois ou três deles, correram para junto dos seus semelhantes abatidos e como qualquer pessoa, debruçaram-se sobre os corpos inertes. Pegaram nos braços deles e iam arrastá-los, e se não fosse outro tiro para o local e a correria do F……., com gestos e gritos para os afugentar, decerto os levariam.
 
Mesmo assim, não arredaram pé, mantendo-se bem perto do F……. quando este apanhava do chão os infelizes animais.
Enquanto nos afastávamos, o bando emitia gritos e gemidos como se fossem pessoas lamentando a morte dos seus. Não sei qual a intenção do bando de macacos querer levar os que estavam mortos.
 
Não tenho qualquer conhecimento do seu modo de vida. Mas os gemidos por eles emitidos, arrancaram lágrimas que humedeceram os meus olhos e penso mesmo que não só os meus!
 
Estranhamente, torna-se mais difícil descrever este episódio do que quaisquer outro que tivesse acontecido durante um ataque. Talvez pela indefesa total do animal ou talvez pela forma como presenciei aquela unidade de grupo.
 
São daquelas passagens da nossa vida que não mais vamos esquecer. Pelo que ela contem, pelo sentido diferente das palavras e como elas se unem: o triste e ao mesmo tempo belo da natureza animal.
 
Imperdoável a nossa atitude. Lamentável a nossa ação. Estou em crer que nem o F……. nem nenhum de nós previa a importância do ato.
Infelizmente, esta passagem teve um impacto pouco duradouro porque a terra continuava a girar, o sol continuava a brilhar e o nosso dedo indicador continuava nervoso e constantemente preso ao gatilho da G3 que, sempre em posição de rajada, esperava apenas uma simples pressão para vomitar todo o seu conteúdo recheado de morte.
 
Tal como a terra, também a guerra continuava a girar.
Na verdade, para nós, naquele mundo em que vegetávamos, fora do tempo, da vida, da origem das coisas e da força do ser, esquecendo até que havia o amanhã, pouco nos importava os pobres animais.
Se é que alguma coisa ou facto ainda tinha alguma importância para nós!
O presente e o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a “partida” que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!
Chegados ao aquartelamento, o F……., com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projeto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco. Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na paródia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas —notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura— fizesse um belo “coelho à caçadora”.
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
 
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um “pastor” de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
 
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?...
 
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...

E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a “ordem” para inicio da festa: —O petisco esta pronto!...

Todos os graduados, sem exceção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que, coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!...
O certo e que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:
— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!
O F……., como era habito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
 
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua “partida” mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de “macaco a caçadora”!...
Não sobrou nada! Se mais houvesse, mais iria!...
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica “construção”, o F….. saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma quaisquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
 
E para colocar um pouco mais de “pimenta” no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espetáculo que se seguiria: os sabedores do que tinham estado a comer, riam-se ás gargalhadas.
 
Os outros, que pensavam ter acabado de se deliciarem com coelho, depressa transformaram essa guloseima em mau estar.
Sofreram um impacto digestivo que, não fosse o “restaurante” ter um “parque de estacionamento” do tamanho do mundo e não haveria lavabos que chegassem para tanto vomitar!...
 
A maior vitima foi o capelão que, coitado, enquanto ficou na Mataca, o que durou ate à chegada do táxi aéreo das quartas-feiras, não conseguiu comer nada que se pudesse chamar realmente de comer!...
 
Tudo vomitava!
 
Espero que nos tenha perdoado e nos mantenha nas suas orações diárias que, presumo, as tenha, e esqueça esta pequena maldade praticada por este seu rebanho de lobos com pele de cordeiros...

(ou será que é ao contrario?!!!).

 
Paulo Lopes (20130817)