quarta-feira, 9 de julho de 2014

ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA, Capítulo V, por Rui Brandão


ACONTECEU ANGÚSTIA EM MACOMIA
CAPÍTULO V
Até ali a realidade que eu estava a viver era simplesmente lúdica.
Aquele grito (É um ataque!!!) transportou-me como que impulsionado por uma mola, para uma realidade para a qual eu não me sentia preparado.
Poderia ser mais do que um simples ataque à morteirada, por que (propositadamente ainda não o tinha enunciado...) faltava a outra recomendação do Comandante "tenham atenção, quando terminar o bombardeamento o pessoal não pode desmobilizar.
A Frelimo está a por em prática golpes de mão após as morteiradas e já fizeram miséria em duas localidade a norte de Mueda.
Eu estava sozinho com a minha mulher e a minha pequenita.
Porra!!!
Fui de imediato de baixo da cama buscar a G3 e dois carregadores completos. Peguei no resto do pessoal e fui para a casa de banho no exterior da casa (joguei na probabilidade da superfície menor embora o telhado fosse de zinco).
 
 
Os rebentamentos eram uns atrás dos outros.
A minha mulher ficou atrás de mim no chuveiro protegendo a pequenita com os braços e ao mesmo tempo rezava muito alto e dizia que se ia embora para a Metrópole já no dia seguinte.
A Chana... a pobre berrava assustada com aquilo tudo.
Eu estava literalmente de joelhos com os cotovelos apoiados na sanita (situava-se junto à porta) com a G3 virada para a frente e ao mesmo tempo espreitava por cima do pequeno muro (50 a 60cm de altura) que tinha à volta da casa.
Gritei para ela para que se calasse de vez e tentasse acalmar a miúda.
Penso que consegui.
Lá fora era um festival.
Para mim principalmente.
Eu nunca tinha ouvido/assistido a uma saída de um morteiro muito menos a chegada de um com diâmetro 82.
 
 
O ritmo era cadenciado.
Estrondo acompanhado de chão a tremer e clarão cor alaranjado, logo seguida de uma saraivada de estilhaços que se faziam ouvir bem, no telhado de zinco logo seguida de uma pulverização de terra/areia.
Estrondo acompanhado de chão a tremer e clarão cor alaranjado, logo seguida de uma saraivada de estilhaços que se faziam ouvir bem, no telhado de zinco logo seguida de uma pulverização de terra/areia.
 
 
Isto nunca mais acaba?
ESTA MERDA NUNCA MAIS ACABA?
Passei a conhecer-me em situação "de baixo de fogo".
Sereno e muito lúcido.
Nestas horas apertadas ficamos sós connosco próprios...
Sei que há várias versões do tempo em minutos que durou o ataque.
Eu não tenho o tempo cronometrado, mas sei que aquilo começou ainda era de dia com alguma visibilidade e acabou com visibilidade reduzida.
E é aqui que se dá o momento crítico e caricato.
TERMINOU O ATAQUE...
Silêncio, ao qual não consigo juntar-lhe um adjetivo...
Espreitei um pouco mais por cima do muro.
Por trás da minha casa tinha o aldeamento todo.
 
 
As palhotas estavam rigorosamente alinhadas (ainda se lembram?). até parecia que o Marquês de Pombal tinha sido chamado para fazer ali um biscate.
Na minha frente via apenas vultos de pretinhos a correr como loucos de um lado para o outro.
- Queres ver que isto é que é o tal golpe de mão?
(vim a saber mais tarde que eles não vão para abrigos - não os tinham - corriam presumo que a fugir das morteiradas).
De trás de uma palhota sai um vulto em passo lento com um objeto pontiagudo virado para baixo.
Foi um momento terrível para mim.
Aquilo era um gajo com uma Kalash!!!
Baixei-me apontei a arma por cima do muro e organizei ideias - tiro a tiro não me tiras daqui e daqui a bocado vem alguém do quartel buscar-nos.
Os paliativos que nós vamos buscar e acreditamos piamente só porque não queremos morrer.
O homem virou-se mais um pouco e a "Kalash" começou a balançar.
Coitado do homem, trazia consigo talvez o único pertence que tinha, um chapéu de chuva.
Levantei-me e fui ter com o homem; com a boca muito seca e a voz completamente rouca, perguntei-lhe se havia feridos.
Respondeu-me que não sabia: . Então vai ver!!!
Nesse momento começou a dar-me a tremideira.
E se eu tinha estado tão bem até ali...
Passados 15 a 20 minutos chegou o meu amigo e grande companheiro de armas, Júlio Bernardo num Unimog com os seu homens.
 
 
Vinha buscar-nos para nos levar para o Quartel.
Fizemos o caminho a pé mas protegidos pelos homens que iam no Unimog.
Quando entrámos no Quartel pela porta junto à Messe dos Oficiais, deparei com uma quantidade enorme de soldados em linha deitados com as G3 apontadas para o exterior.
Afinal, não era só eu que padecia da paranoia do Golpe de Mão...
***Continua no próximo Capítulo

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