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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A Escolha Satânica, por Manuel Bastos, apresentado por José Leitão

A ESCOLHA SATÂNICA de Manuel Bastos
Eu? 
Eu estou bem. 
Só quando passa o efeito dos remédios é que a vida parece um lugar onde não se pode estar.
Estou cheio de cicatrizes, furriel, cicatrizes por dentro, das que não saram.

E você furriel? 
Como estão as suas cicatrizes? 
Não tenha vergonha das suas cicatrizes furriel, elas são a prova de que corremos riscos; e viver é correr riscos. 
Uns ganham ou perdem, outros nem uma coisa nem outra, porque não correm riscos. 

Eu não estou doente da cabeça furriel, eu tenho saudades. 
Tenho saudades da guerra. 
Lá, quando as coisas corriam mal, a gente trocava-lhes as voltas, a gente atacava os gajos pelos flancos. 
Com o tempo aprendemos a resolver os problemas à porrada. 
Pró fim até sabia bem quando tínhamos que dar uns tiritos. 

Você esteve lá pouco tempo…
Está bem: Tu!
Estiveste lá pouco tempo, e às vezes penso que tiveste sorte. 
Ficaste sem uma perna, não é pêra doce, mas há coisas piores furriel…

Ok, ok: Bastos!
Acho que aquilo deu cabo de mim.
Fiquei amputado por dentro. 
Mas ainda não inventaram uma prótese para esta amputação. 
Atafulham-me com remédios e eu fico meio grogue; e depois que se lixe, fico a voar baixinho.
Isto aqui é assim. 
Um dia puxa o outro. 
Começa devagar e vai acelerando, acelerando, e no final do dia, pumba! 
Uma carrada de comprimidos e eu fico sem sentir nada; nem mau, nem bom.

É por isso que às vezes me lembro que se ao menos pudesse trocar as voltas a isto, atacar pelos flancos. 
- Ai é? 
Vocês estão aí emboscados à nossa espera? 
E nós atrás deles pelo capim fora, lembra-se ó furriel... ó Bastos, lembras-te? 
Nesse dia não tiraste fotografias. 
Estavas mais branco que a cal da parede. 
Mas os gajos fugiram, e no mato quem é que apanha aqueles gajos? 
Nem pensar.

Depois, no Chindorilho, foste ferido. 
E tu a dizeres que nunca mais jogavas à bola. 
Às vezes penso nisso e apetece-me rir… 
Tu nunca jogaste à bola, foste sempre um nabo. 
Mas na altura até me vieram as lágrimas aos olhos. 
"Nunca mais jogo à bola."
Dizias tu para o enfermeiro Costa.

Mas nós ficámos lá, percebes? 
Aquilo parecia que não tinha mais fim. 
Aquilo mexe com um gajo, Manel. 
O pessoal aqui não sabe. 
E a malta nova então? 
Às vezes começo a falar sobre estas coisas e a Zulmira olha para a filha, a filha olha para ela, e passado um bocado já nem me ouvem. 
Eu calo-me, e elas nem notam que eu não acabei a história.
Deve ser uma chatice ouvir um gajo falar destas coisas. 
Nós é que sabemos como aquilo foi, não é?
Até eu acabei por ficar cansado de me ouvir. 
Ouço os meus pensamentos, percebes? 
Estou cansado.
Estou farto de ser eu. 
Queria despir-me de mim como quem tira um casaco usado de mais. 
E ficar nu, livre de mim. 
E depois, quem sabe, sendo outro, ter esperança de novo. 
Ilusão de novo ao menos.
Estou cansado. 

A cada dia que passa parece que acabei uma grande viagem, mas que logo tenho que partir. 
Tenho um relógio dentro de mim que não pára, um carrossel fantasma sem um único passageiro, que gira, gira, e não vai a lado nenhum.
Mal fecho a pestana, logo me voltam os pesadelos. 
Para onde foram os meus sonhos é que eu não sei. 
Mal me deito para dormir vejo logo um milhão de olhos a acusarem-me, sem eu saber de quê. 
Pessoas e sombras. 
Mas as sombras são muito mais que as pessoas.

Não me olhes assim sem dizer nada. 
Tinhas sempre uma palavra pronta para dizer, uma piada. 
Mesmo quando as coisas não eram para piadas.
Metia-te confusão quando me vias escrever sem pôr as cartas no correio, não era? 
E tu: - Hás-de arranjar inspiração antes da guerra acabar!

Acho que nessa altura já me incomodavam os meus pensamentos, e precisava de os pôr cá para fora. Punha-os no papel e pronto, ficava mais sossegado. 
O que é que um homem que anda a brincar com a morte diz à mulher que deixou em casa? 
Ela queria ir para França, e eu: - Nem sou homem nem sou nada...

Mas mal pus os pés em Mueda vi logo que devia ter dado à sola em vez de me armar em parvo. 
Você é que levava aquilo a sério furriel… 
Manel, levavas aquilo a sério, pelo menos no princípio, porque depois começaste a abandalhar e a tirar fotografias a tudo, até nos golpes-de-mão.

A Zulmira diz que agora falas contra a guerra. 
Aquilo muda a gente não é?
Foi lentamente ou aconteceu alguma coisa que nos deu a volta? 
Sei que aconteceu alguma coisa, mas não me lembro do que foi. 
Sei que me esqueci, mas como se tivesse acabado de pensar nisso um minuto antes, e logo me fugisse a ideia. 
É como se me tivessem amputado tal como te amputaram a ti. 
Falta-me esse bocado. 
O lugar onde estava essa lembrança de que não me consigo lembrar. 
E sabes lá como isso me incomoda? 
É um pesadelo.

Quando voltares, pede à Zulmira… não, não, talvez seja melhor pedires à minha filha. 
Pede-lhe que me traga fruta, ou flores, ou um livro. 
Algo que me traga algum afecto.
Acho que as assusta este lugar. 
Da primeira vez que aqui estive, vinham todas as semanas ver-me. 
Agora ainda vêm, mas menos.

Sabes como era às vezes, quando íamos pró mato? 
Aquela impressão de que as coisas iam correr mal? 
É o que sinto agora todos os dias.
Parece que ainda te estou a ver a fazer desenhos com um pauzito na areia da picada. 

Eu com a ideia que havia um muro enorme à nossa frente. 
Ou então um precipício. 
Algo que não deixaria a gente sair dali.
Agora, ao pensar nisso, iria jurar que não se ouvia nada. 
Havia um grande silêncio. 
Aquele silêncio que ouvimos quando morre alguém. 
O silêncio de a vida se ter tornado um lugar onde não se pode estar.

Levei tempo a perceber. 
Só havia lugar para dois no helicóptero. 
Eu só pensava: 
- A esta hora da tarde o que ficar vai morrer.

Nem me recordo da emboscada. 
Atirei-me para baixo da Berliet e deixei-me lá estar. 
De vez em quando dava um tiro, mas o capim não deixava ver ninguém. 
O alferes mais uns cinco gajos atacaram os turras pelo flanco esquerdo e eles fugiram. 
Resultado: três feridos graves. 

Depois o furriel... tu... ficaste a fazer riscos no chão como se estivesses a chorar.
Eu perguntei: - Quem é que vai ficar, furriel?
Olhaste para mim como se eu estivesse a falar chinês e passado muito tempo disseste: - Sei lá. Ou o que tiver mais hipóteses de aguentar a noite toda ou o que não tiver hipóteses nenhumas.

Depois continuaste a rabiscar com o pauzito no chão como se estivesses a calcular as hipóteses. 
Há muitas maneiras de chorar.

Lembro-me tão bem de todas as coisas que não têm interesse nenhum e não me lembro nada do que foi realmente importante. 

Qual deles ficou? 
Será que foi porque aconteceram muitas coisas depois disso que já não me lembro? 
É muito estranho que não me lembre. 
Quem decidiu qual deles deveria morrer? 
Quem foi que fez o papel de Deus? 
Como se pode viver depois de uma escolha dessas? 
Uma escolha tão danada que se apagou da minha cabeça.
A verdade é que se me apagaram muitas coisas na minha cabeça. 
Não sei ao certo se seria melhor conseguir lembrar-me, mas pelo menos teria mais descanso. 
Perco noites a tentar recordar-me de uma coisa e depois já nem me lembro a que propósito é que me queria recordar.
É como se eu me tivesse esquecido para não ter que fazer luto. 
A vida é assim, não é furriel? 
Todo o afecto acaba em luto.
Que foi que me aconteceu, furriel? 
Tu estiveste lá pouco tempo.... mas aconteceu alguma coisa importante, muito importante. 
Muito importante de mais...

Sabes o que penso? 
Penso que nas guerras Deus mete dispensa e quem fica a mandar é o Diabo.
Depois, Deus quer voltar de novo ao activo mas o Diabo não deixa. 
Pelo menos comigo é assim, furriel. 
Ainda tenho o Diabo no activo.
Por isso é que eu não posso escolher, não posso decidir o que faço à minha vida. 
Não se pode escolher, quando é o Diabo que está a mandar.

Também deste opinião? 
Atiraram a moeda ao ar? 
Ou fizeram Pim pam pum! 
Cada bola mata um... e depois... ficou um ao calhas? 
Um escolhido pelo Diabo.

Também se te varreu isso da cabeça, ou consegues atirar tudo para trás das costas.
 "Atira isso pra trás das costas." 

Diz a Zulmira para mim, como se fosse possível atirar uma guerra inteira para trás das costas. 
Eu bem quero esquecer, mas o que quero esquecer não esqueço e aquilo de que me quero lembrar não me lembro. 
"Tens que ter coragem." Diz ela. 
Coragem... As pessoas acham que isto é falta de coragem. 
Isto são saudades. 
Não saudades da guerra, Manel. 
Saudades de mim nessa altura. 
Saudades de quando eu era outro e tinha medo e coragem e era tudo nítido. 
Agora não sinto nada, está tudo embaçado, e eu sou um casaco velho que não consigo despir.

Quando andavas de máquina fotográfica na mão em vez da G3, era por falta de coragem, era? 
Eu bem vi. 
Aquilo começou a mexer contigo. 
Foi ou não foi? 
Ficavas lá mais uns tempos e vinhas pior que eu.

Fala com a minha filha, pede-lhe que me traga flores. 
Que me traga alguma coisa que me faça sentir que a vida é novamente um lugar onde se pode estar.

Sabes? Acho que devia ter ficado em África. 
Quer dizer, acho que devia ter morrido lá. 
Pensei assim muita vez: se voltar nunca mais serei o mesmo; nada será o mesmo. 
Nunca mais. 
Se ficar aqui, ao menos as pessoas que gostam de mim vão recordar-me como eu era. 
Como eu era quando ainda gostavam de mim.

Antes de Deus ter metido dispensa e o Diabo ter ficado no activo.

Olha, ela que não me traga flores, Bastos, as flores também morrem.
MANUEL BASTOS
In Cacimbo.


sábado, 26 de novembro de 2016

A minha G3..., por Duarte Pereira


NOTA PRÉVIA.
ESTE ARTIGO "A G-3", NÃO É PARA TENTAR DIMINUIR OS OUTROS EX-COMBATENTES, QUE LUTAVAM COM OUTRAS ARMAS PARA O BEM COMUM.

UNS ESTARIAM MAIS EXPOSTOS.
PODERÁ TER SIDO O "DESTINO", OS QUE, ACREDITAM E ACREDITARAM NELE, QUE TERÁ MUDADO AS NOSSAS VIDAS.

A MINHA G-3



EM SANTARÉM ANDAVA COM UMA G-3 QUE PASSOU MAL...
CHUVA, ESGOTOS, RIACHOS, POEIRA, CALOR DE VERÃO.

DISSERAM-ME QUE A G-3 TERIA DE SER TRATADA COMO UMA MULHER.

HAVIA INSPEÇÕES PERMANENTES À SUA MANUTENÇÃO.
MUITO ÓLEO E ESCOVILHÕES PASSARAM POR ELA.

A QUE ME FOI DISTRIBUÍDA NUNCA RECUSOU UM TIRO.

FUI MOBILIZADO. 
NÃO SEI SE LEVEI A MESMA.
ERA VELHINHA. 
JÁ DEVERIA TER FEITO UMAS COMISSÕES.

EM SANTA MARGARIDA OU JÁ EM MOÇAMBIQUE FIZ UM CONCURSO DE TIRO AO ALVO.
CLARO QUE GANHEI. 
FIQUEI EM TERCEIRO. 
GANHOU O AMÉRICO COELHO QUE JÁ USAVA ÓCULOS. 
EM SEGUNDO O FERNANDO LOURENÇO. 

A CORONHA DA G-3 DO AMÉRICO COELHO ACHO QUE ERA PRETA.

EM MOÇAMBIQUE CONTINUEI A TRATÁ-LA COM CARINHO, ASSIM COMO AS MINHAS BOTAS.

NOS LONGOS DIAS DA OPERAÇÃO OMO1 NA SERRA DO MAPÉ, CHEGUEI AO FIM COM CANSAÇO MAS OS PÉS ESTAVAM BEM.



SEMPRE INCUTI NOS SOLDADOS A MEU CARGO A MINHA EXPERIÊNCIA.
MUDEM OU NÃO MUDEM DE CUECAS. 
TENHAM CARINHO COM A VOSSA ARMA.
ANDAVA TRISTE COM O MEU 3º LUGAR NO CONCURSO DE TIRO AO ALVO.

A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA MACOMIA/MUCOJO ABRIA CLAREIRAS DONDE TIRAVAM A TERRA PARA A NOVA ESTRADA.

NÃO ME LEMBRO, MAS PENSO QUE DE TRÊS EM TRÊS MESES RENOVÁVAMOS AS MUNIÇÕES DOS CARREGADORES.

AVISÁVAMOS MACOMIA QUE IRÍAMOS FAZER FOGO.



UM DIA SOZINHO "COMO EU ERA CORAJOSO" FUI PARA O ALTO DE UMA TERRAPLANAGEM E COLOQUEI UMAS LATAS DE CERVEJA LÁ NO MEIO.
NÃO POSSO CONFIRMAR SE ERAM 50 M. OU 100 M OU MAIS...
COLOQUEI A ALÇA DE TIRO NO BURAQUINHO DOIS. 
FIQUEI FELIZ. 
AS LATAS VOAVAM. 
PODIA ATÉ NÃO ACERTAR. 
COM O IMPACTO NA TERRA, ELAS ABANAVAM E CAIAM. 
O MEU AMOR PRÓPRIO TINHA VOLTADO DEPOIS DAQUELE VEXAME DO CONCURSO DE TIRO.

QUANDO ENTREGUEI A G-3 NA BEIRA, TIVE DE A ATIRAR PARA UMA MOLHADA. 
CONFESSO QUE NA ALTURA NÃO CHOREI E NEM SEQUER FIQUEI COMOVIDO.
MAS É O QUE ME ACONTECE AGORA QUANDO LEMBRO AQUELA CENA.
NÃO SEI SE ELA ME DEFENDEU? EU DEFENDI-A.

ALGUÉM QUE A SEGUIR A MIM A APANHASSE PODERIA TER A CERTEZA QUE ESTARIA EM BOAS CONDIÇÕES.

NÃO FOI UM "DIVÓRCIO", GOSTARIA DE A TER TRAZIDO PARA CASA E FICAR AO LADO DE UM STICK DE HÓQUEI EM PATINS QUE GUARDO RELIGIOSAMENTE.
VOU COM ESSE STICK À PORTA QUANDO ALGUÉM BATE À PORTA A PARTIR DA 1 HORA DA MANHÃ.

MORAL DA HISTÓRIA: PROCUREM TRATAR BEM OS DE QUE POSSAM VIR A DEPENDER ( OU NÃO ).

Paulo Lopes Até acredito que tenhas tratado bem da tua "G3" mas, de forma alguma posso acreditar que tenhas tratado da mesma forma o teu "stick" de hóquei já que apenas te serviste dele para andar à "marretada" numa bola!!
Pois eu também, em ocasiões espaçadas, gostaria de ter a G3 em meu poder (apesar de ser só garganta e provavelmente só mesmo em casos de extremo instinto de defesa é que a utilizaria! 
Mas que existem alguns que bem precisavam de experimentar, lá isso há!). 
Mas, foi um enorme prazer abandonar essa amante do ultramar!
Quanto à pontaria com a G3 e em semi-automático, estariam os alvos à vontade comigo até porque, salvo erro, o cano era de estrias o que originava uma saída de bala aos círculos! 
E não posso colocar de parte que eu era da secção de dilagramas! 
A arma que segundo afirmavam os "canhanhos lá de Tavira" que eu fiquei muito bem classificado, foi a HK21.
Moral da "minha" história: não sirvo para militar!

Américo Condeço A minha história com a G3 já foi contada há muito tempo atrás, mais propriamente com a coronha da dita cuja, mas a minha guerra era outra e a menina só servia para fazer aquele fogo na carreira de tiro para desenferrujar o cano e queimar munições que não estariam em condições, como disse a minha Guerra era outra a SAÚDE de todo o pessoal, VACINAÇÃO trimestral de toda a gente contra a cólera , distribuição semanal de antipalúdicos e a assistência médica e medicamentosa aos enfermos que aparecessem, lembro-me que por força da minha especialidade assisti a alguns partos efectuados no hospital civil que existia em Macomia, e de um em especial pois implicou uma evacuação quase ao anoitecer de uma parturiente negra que estava há já dois dias para ter a criança e já não tinha forças para ajudar a mesma a nascer, avião na pista parturiente lá dentro e avião no ar, imediatamente o piloto informou que a criança tinha nascido ainda o avião não tinha acabado de subir, ordens dadas pelo Dr. voltem para trás nós tratamos do resto, o rapaz era bem grandão creio que com 3K e 900 Gramas e tudo acabou em bem.

Luís Leote Tive uma má experiência com a minha G3 a disparar um dilagrama.
Coloquei a minha mão esquerda no guarda mato mas de forma imprópria. A membrana que liga o polegar ao indicador, ficou entalada entre o guarda mato e a estrutura da arma, e no momento do disparo, rasgou a m.... da membrana.
Ao princípio ñ senti nada, mas depois senti a mão molhada e pegajosa.

Luís Leote A minha Companhia teve alguns percalços na campanha, mas tivemos muita sorte em não escrever nenhum nome na nossa pedra

Gilberto Pereira NÃO POSSO COMENTAR PORQUE NÃO SEI O QUE É "G3".

Livre Pensador Infelizmente a minha companhia deixou 6 nomes escritos numa qualquer pedra!

Luís Leote Livre Pensador, Ribeiro infelizmente, não posso gostar do que disseste mais acima.

Gilberto Pereira OBG QUEM É QUE IRIA GOSTAR, SÓ UM LOUCO

Livre Pensador Eu também não amigo Leote, até porque alguns deles gravaram o seu nome nessa pedra quando estavam ao meu lado e, portanto, podia até ter sido o meu nome a ser gravado. Ribeiro.

Luís Leote Podia ter sido o teu nome a ser gravado, mas, ficou-te gravado na memória até hoje!!!

Gilberto Pereira É PÁ DEIXEM-SE DESSAS MERDAS QUE ATÉ PODE DAR AZAR !


Fernando Bernardes eu lembro que recebemos a G 3 completamente nova dentro de um saco plástico na Beira.

Armando Guterres mas sem balas ... essas chegaram em Porto Amélia antes de subirmos para os carros de (gado) no meu caso.

Fernando Bernardes É verdade Armando Guterres recebemos as munições em Porto Amélia e fomos sempre a fazer fogo até Macomia e depois até ao Chai.


terça-feira, 8 de março de 2016

O Alcino, por Duarte Pereira

 
Às vezes a minha mulher "apanha-me" a rir sozinho pela casa.

Recordo muitas vezes o soldado Alcino, ajudante de cozinheiro da 3509.
Foi para a Serra do Mapé naqueles longos dias, penso que levaria uma G-3, ou agarrou numa, a arma disparou e a bala passou perto do Capitão da minha companhia.
Em Macomia, na camarata, tirou a cavilha de uma granada ofensiva que devia estar a servir de cinzeiro e deu ao Silva cozinheiro.
O detonador rebentou-lhe na mão que ficou bastante esfacelada....
 
O IN deveria ter condecorado o Alcino.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O Elefante, por Fernando Lourenço

Duarte Pereira
 
COMO TENHO FEITO COM OUTROS MEMBROS, RESOLVI ISOLAR ESTE ARTIGO.
 
Fernando Lourenço comentou:
 
 
Recordo uma memoria que coloquei em abril de 2013.
 
Quando saía para o mato o meu maior inimigo era a sede.
Levava o que podia mas nunca era o suficiente.
 
Quando estava sediado no Mucojo saí muitas vezes em operações para uma zona, que se a memória não me falha, chamada Namarata.
Tinha sido em tempos uma zona de caça grossa e abundavam todo o tipo de animais.
 
Eu quando saía, marimbava-m...e um bocado para as coordenadas que o comando me dava e a minha maior preocupação era procurar sítios onde houvesse água.
 
Certa vez lá fui para mais uma missão com um elemento de transmissões, outro de morteiro e o resto milícias.
 
Ao fim do 2º dia já desesperava com sede e água nada.
Tinha que arranjar local para passar a noite que se aproximava e por sorte lá encontrei uma zona lamacenta.
 
Num buraco estreito feito por um elefante com a profundidade quase do meu braço foi de onde eu tirei água.
 
Saciado/s e sem muito tempo para nos deslocarmos por estar a ficar escuro, decidi ficar por ali perto numa elevação do terreno não mais de 50 metros talvez, contra a vontade dos milícias que não achavam boa ideia até porque segundo eles andava por ali um elefante... ali, ali, não vê...? mas eu na minha burrice, até porque era o comandante, molho o dedo na boca, ponho no ar e ... nããã... o vento está em sentido contrário... e toca a pôr a malta em circulo e os "branquélas" no meio.
 
Como vocês se lembram começava a escurecer por volta das 4/5 horas da tarde.
Pegar no sono estava difícil porque tinha ficado de consciência pouco tranquila com a certeza de estar a fazer uma asneirada e do barulho que pouco depois ouvia de animais em disputa também pela água.
 
Lá consegui adormecer.
 
Eram 11 horas da noite escura como breu, acordo com uma grande algazarra, os milícias todos a gritar, eu agarro na G3 e desato a correr não sei para aonde, bati com a testa num tronco, perdi momentaneamente os sentidos, tal não foi a porrada que dei com os "cornos" na árvore.
Bem feito.
 
O que é que tinha acontecido: pois bem, a gaita do elefante lembrou-se de caminhar na nossa direção e quando já estava muito perto os milícias começaram a gritar para o afugentar, o que fizeram.
Eu nem o cheguei a ver.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Uma pausa na guerra, por Paulo Lopes


Conforme disse em comentário ao ACONTECEU ANGUSTIA EM MACOMIA do nosso amigo Rui Brandão, aqui fica a passagem do meu livro que, não esqueçam, é um livro romance e não, propriamente, um diário apesar de o ser quase!
.......................................................................
Mais um fim de mês estava a chegar e como ainda me encontrava inoperacional para ações de combate, fui incumbido da deslocação a Porto Amélia (atual Pemba) para tratar de assuntos burocráticos inerentes à Companhia e levantar o dinheiro para pagamentos do pré.
 
 
Uma curta pausa na guerra.
 
Um instante de repouso na visualmente pacifica cidade capital de Cabo Delgado.
Mas, e como acabei de dizer, era apenas uma curta.
 
Pausa na guerra, pois depressa me encontrava dentro do táxi aéreo de regresso a Mataca, sem ter tido tempo de apreciar a sensação de não ter granadas agarradas à cintura nem a pesada G3 nas mãos!...
 
 
 
Mais uma vez deu para poisar o meu olhar sobre aquela imensidão de selva cheia de vida e de hipóteses que se teima em destruir com a brutalidade de pensamento, que existe na cabeça dos governantes.
 
Uma força estranha nos é transmitida quando sobrevoamos aquelas serras de terrenos abundantes que demonstram uma facilidade extrema de expansão se o homem assim quisesse.
No entanto, por debaixo daquelas copas das arvores, estão seres humanos que, obedecendo a estupidas mentes ou simplesmente tentando sobreviver, vão executando a guerra que outros fazem, destruindo-se a eles mesmos e tudo o que de belo existe sem saberem ao certo o porquê, deixando sempre impunes os verdadeiros culpados de tanta destruição.
 
 
Durante a semana que permaneci em Porto Amelia, nada de especial tinha acontecido de desagradável, nem mesmo a rapaziada que entretanto se tinha deslocado em mais uma coluna a Macomia para além claro, dos irritantes trinta e tais quilómetros sempre em constante expectativa e tensão.
 
Um dia depois da chegada da coluna, ouviram-se imensos rebentamentos para la da serra de Mapé.
 
Não tardou a sabermos que Macomia estava a ser atacada com morteiros e com canhões sem recuo. Caíram granadas dentro do quartel, mas felizmente, os estragos foram apenas materiais.
Soubemos também que, no dia seguinte, grupos de combate da companhia estacionada em Macomia e depois de uma batida à zona provável do ataque, tinham encontrado seis elementos IN mortos e capturadas quatro armas.
Provavelmente foram atingidos no contra-ataque, também com morteiros, desencadeado por Macomia.
 
 
Os quatrocentos elementos da Frelimo, que segundo informações obtidas, se encontravam na serra de Mapé, começavam a produzir!...
 
À Mataca voltou a tensão que apesar de estar constantemente presente no nosso espirito, por vezes ia sendo enganada por um falso esquecimento abrandando a nossa pressão de alerta a que nos obrigava este dia a dia da persistente e matreira guerra.
Sorriamos otimistas escondendo o nervosismo esperando a nossa vez de entrar em palco e como que a transmitir um certo animo, dizíamos uns para os outros:
Eles que venham que a sopa esta pronta.
 
 
Pronta estava a mensagem que chegou anunciando mais uma operação.
Resumindo a finalidade desta: – Patrulhar zona do rio Mapi, fazendo barreira a uma possível fuga de elementos IN vindos de uma base que um grupo de comandos iria atacar.
Os grupos a participar: segundo e terceiro.
 
Esse previsto ataque não seria efetuado porque o grupo de comandos que estava com essa missão foi obrigado a abortar tal intenção sem sequer fazer a aproximação à possível base, pois muito antes do local onde deveriam atuar foram detetados, o que tornou impossível a surpresa do ataque e a eficácia da operação.
Assim, após comunicação superior, os nossos dois grupos deixaram as margens do rio (como sempre, rio só no nome porque a essência, a água, nem vê-la) sem que nada tivessem observado de anormal tendo em conta que nós já considerávamos normal todo o desenrolar de quilómetros e quilómetros palmilhados, alimentados a ração de combate e dormidos num monte de capim!...
 
Há muito que considerávamos normais estas operações quando afinal, o normal seria estarmos junto dos nossos, a estudar ou a trabalhar!...
 
Mas o principal objetivo, pelo menos para nós, que batalhávamos nas matas, que rasgávamos a floresta espiolhando o perigo, atravessando medos, alimentando o futuro com pensamentos positivos, tentando enganar o tempo, ia, com lentidão, mas sendo alcançado: mais cinco dias passados!...
 
E de minuto em minuto, de operação em operação, de susto em susto, o tempo ia correndo e o primeiro ano da minha comissão estava atingido e a dos meus camaradas já tinha passado mais um pouco.
 
 
Faltava outro tanto.
Outra parte igual para não viver.
Mais um ano perdido a ser riscado onde a vida individual era de valor nulo.
Apenas um numero ao serviço das armas e ao dispor da sorte.
Vidas que obtinham uma vaga lembrança, quando, do alto do pedestal, os heróis da nossa pátria, os cérebros, os fazedores de guerras, descem ao povo e colocam medalhas no pescoço das mães de corações despedaçados e moles pela perda dos seus filhos, e tudo, a bem da nação.
 
Troca-se de uma medalha e um falso abraço por uma vida, e tudo fica pago e esquecido!!!...
 
paulo lopes
in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"