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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Reencontro de irmãos, por Livre Pensador

 Livre Pensador

BATALHÃO DE CAVALARIA 3878

07/10/2020
Em Julho de 1972, ainda éramos "checas", dois grupos de combate (1º. e 3º.) da Ccav. 3508 partiram para mais uma operação, desta vez na Serra do Mapé, local onde o contacto com a Frelimo era quase inevitável. 

Detetámos um aldeamento com 9 palhotas que foi destruído, após uma breve troca de tiros com os guerrilheiros. 

Prendemos uma mulher e os seus 2 filhos, que se vêm na foto, e apanhámos uma granada de mão. 

A captura desta mulher iria revelar-se surpreendente, para nós militares "checas", por 3 razões:

1ª.) Ao ser apanhada, a mulher correu para abraçar o nosso guia: eram irmãos! 

2ª.) Ao chegarmos à picada, já perto do quartel, pedimos que as viaturas nos fossem buscar. 
Quando estas se aproximavam de nós, a mulher tentava fugir assustada, porque nunca tinha visto um carro! 

3ª.) Um dos filhos tinha um tom de pele mais claro (como se pode ver na foto) e os olhos com traços orientais. 

Conclusão: o apoio da China à Frelimo não era só material ... também era sentimental! 

Tudo isto pode parecer estranho, mas foi na guerra e foi verdade!

domingo, 23 de agosto de 2020

O perdido..., criado pelo Duarte Pereira, mas da autoria do Fernando Afonso

Duarte Pereira
26/07/2020
Hoje vou dedicar um pouco mais do meu tempo a uma "vida" que todos pensavam de muita "acalmia" só interrompida nas colunas de reabastecimento.
Neste texto do Fernando Afonso, iremos ler alguns dos que estiveram mais próximos dos " enxames de abelhas" .

Pensei que só o capitão miliciano graduado António Ferraz andaria no "barulho ", mas na Mataca também andou o Nuno Salgado com o mesmo estatuto, os furriéis, esses "malandros", também andavam na linha da frente para os "golpes de mão", exemplo, o Cardoso que era um pouco mais pequeno tinha mais hipóteses de fugir às balas, segue a narrativa do Fernando Afonso.
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Fernando Afonso Há muita coisa de que já não me recordo, exactamente porque fiz uma limpeza no disco rígido. Por exemplo, só sei o nome da operação OMO, porque fui heli-transportado e porque participei nela apenas com a minha secção, tendo o restante pelotão ficado no aquartelamento.
Todas as outras que fiz ao longo da comissão, e foram muitas, não sei o nome de nenhuma delas.

  • Fernando Afonso, Nós queremos lá saber dos nomes das operações. Aguardamos os pormenores da operação em que te perdeste. Vai alinhavando e depois publica. Abraço.
  • 📷Fernando Afonso Dia 11 de Maio/73 iniciamos a operação, 2º e 3º pelotão. Levávamos connosco, como guia, um indivíduo que tínhamos apanhado no mato numa operação anterior e que o Major mandou que nos acompanhasse naquela operação, para nos levar ao objectivo (o Major era um sonhador. Guerrilheiro de arame farpado).

  • Dia 12 à tarde aproximá-mo-nos do objectivo.
  • O "turra" pediu-nos por tudo para não matarmos ninguém. Ele tinha família do lado de lá. Falsamente, anuímos ao seu pedido.
  • Como já era muito tarde resolvemos pernoitar nas imediações e tentar chegar ao objectivo no dia seguinte, pela madrugada. O Salgado, que já era capitão e que alinhava sempre connosco, chama-me e pergunta-me se eu quero ir à frente com o grupo (porque ele conhecia-nos bem, tinha sido o meu alferes do grupo), ao que respondi: "Não. Não me ofereço, porque pode alguma coisa correr mal e não quero ficar com problemas de consciência".
  • Naquele dia era ao 3º pelotão que competia ir na frente. Eles que avançassem. Entretanto fur. Cardoso, oferece-se para seguir na frente com a sua secção.
  • No dia 13 de Maio (dia da Sra. de Fátima), de madrugada iniciámos a progressão já com todas as cautelas e pouco tempo depois depará-mo-nos com um acampamento com 5 ou 6 palhotas e com 7 ou 8 habitantes.
  • Fez-se o assalto, no tiroteio faleceu uma mulher e os outros deixá-mo-los fugir porque havia lá crianças e não queríamos que ficassem órfãs. Isto digo eu agora, porque na altura não havia tempo para pensar.
  • O pelotão atravessou o local das palhotas, eu seguia na cauda e houve uma ordem para a última secção destruir as palhotas.
  • Depressa passei a informação aos soldados e começamos a pegar fogo nelas. Os meus soldados com pressa e talvez com medo de alguma represália afastaram-se de mim, sem avisarem, deixando-me sozinho naquela missão.
  • Quando deixo as palhotas e sigo em direcção ao local onde supostamente esperaria que estivesse o pessoal à minha espera, olho em redor e onde é que eles estão? Durante alguns momentos, bloqueei. Respirei fundo e corri em várias direcções na ânsia de os encontrar.
  • Acho que Nª Sra. de Fátima esteve do meu lado. Tive a sorte de ir parar a uma pequena elevação de terreno que me permitia ter um campo de observação mais elevado e assim vislumbrar o pessoal que já seguia muito afastado. Corri até eles, juntei-me ao meu pessoal e já não me lembro se lhes disse alguma coisa. Acho que não.
  • Passados alguns minutos ouvimos ao longe 3 ou 4 rebentamentos. Acho que foram granadas que estariam escondidas nas palhotas. Até porque o meu soldado Lemos apanhou uma granada que depois entregou ao Capitão. O regresso foi tranquilo.
  • 📷Duarte Pereira Fernando Afonso - Este teu artigo fica aqui em "Banho Maria" e amanhã ou depois divulgarei no topo da página do grupo, porque no meio de todos estes comentários será difícil apanhar. Não sei se tens conhecimento que o José Capitão Pardal "alimenta" um Blog em que publica as nossas " histórias" que tenham pernas e cabeça.
  • Esse blog é "público" e não só nós deste Grupo, mas qualquer outro "internauta" poderá ter acesso. Eu tenho uma série de artigos meus lá publicados e pergunto se vês algum inconveniente em o José Capitão Pardal os publicar, se achar que têm mérito.
  • Obrigado por teres partilhado connosco mais um episódio complicado daqueles tempos. Abraço.
  • 📷Fernando Afonso Duarte Pereira Os relatos são verdadeiros e vividos na 1º pessoa. Ainda houve outras peripécias que não revelei porque o texto já estava longo, mas o essencial fica narrado.
  • Não vejo nenhum problema em que se torne público, contudo alerto para o facto de poder ser lido por alguém que não goste de alguns termos usados, com por exemplo: "turras", que era o termo, na altura, utilizado para referenciar os guerrilheiros da Frelimo.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Percursos de guerra diferenciados!..., por Paulo Lopes


Bom dia pessoal da pesada!


Abri esta coisa ainda antes de tomar banho (abri uma excepção hoje, não por abrir esta coisa mas sim, tomar banho) apenas porque tenho que ir a Lisboa! Abri e dei logo com o Duarte Pereira a provocar e a respectiva resposta!
Agora falo eu: pois é bem verdade: felizmente (para eles) ainda houve pessoal que pouco teve com a vida comum de uns quantos "pategos"! 

Tiveram boas vidas (apesar de eu sempre considerar que, bastava ter sido arrancado das nossa...s terras, para que a coisa já não fosse fácil mas...). 

E lindas terras de Moçambique! 

Azar o meu que só estive na Mataca, mas felizmente, longe dos abutres sanguessugas! 
O resto onde estive, foi de fugaz passagem, pouco deu para apreciar essa beleza que, diga-se e defendendo a minha terra, tenho por aqui lindas coisas!

Viva a minha terra Portugal! 
O país, não os governantes nem uma boa mão cheia de "pescadinhas de cauda nos lábios". 

O resto, bem, o resto é paisagem. 
É bom saber que estamos vivos e como vamos vivendo fora das lutas que, em comum, alguns estiveram. 

Abraço e até mais logo que espera-me a habitual confusão de atravessar a ponte! 
Abreijos.


Bom dia Paulo Lopes . 
Três anos e três meses, com algumas férias pelo meio. Janeiro de 1971, o pior da minha vida. 
Em Santarém tentaram-me dar a volta à cabeça, (ofensas pessoais, à família, namoradas e mais ). Deram cabo do meu corpo e ofereceram-me M....., para comer. 
Nos primeiros 15 dias não saímos das paredes do destacamento e só consegui ver a rua, porque passei pela secretaria e consegui olhar por uma janela. 
A partir daí só podia melhorar. 
Ao fim da recruta, começaram a dar comida de gente, mas ainda éramos tratados abaixo de cão. 
Até ser mobilizado a minha vida melhorou um pouco, mas o corpo não tinha descanso. 
Em Moçambique tudo mudou. 
Tirando o mês da operação da Serra do Mapé, levei uma vida estável com poucos sustos. 
Fui colocado relativamente perto do mar e lá passei uns tempos felizes.
Criei poucas, mas verdadeiras amizades.

Amigo Paulo Lopes, a nossa guerra nunca fui igual para todos,. nem tinha que ser porque todos eram necessários, cada um com sua função,. mas depois destes anos todos muitos ainda não se aperceberam disso,...

Vamos lá alimentar esta guerrilha
Lá em Cabo Delgado, tivemos vidas diferentes e com exigências diferentes. 
Mas o mais importante, na minha opinião, terá sido a forma como cada um de nós encarou aquele período.
Nunca me queixei, por respeito a quem passou verdadeiramente mal e, portanto fui apagando o menos bom até sobrar, apenas, o que me agradou. 
Tenho boas recordações e talvez tenha aprendido a relativizar o que é mau.
Apesar disto, aceito quem ficou fixado ao que foi mau e quem se sente, ainda hoje, muito afectado por aquele período. 
Aceito quem gosta de descrever os seus maus momentos, como se a vida tivesse parado lá. 
Aceito que haja escolhas de más recordações em detrimento das boas.
A guerra colonial já é história e nós somos os últimos sobreviventes. 
As novas gerações, quer em Portugal, quer nos países emergentes, já nada sabem do que se passou. Nem querem saber. 
E eu respeito.
O facto de haver um elemento que não se envolve nesta página não é, para mim, motivo de qualquer crítica. 
Isso é um exercício de legítima liberdade.
O Jorge Costa era uma pessoa afável e cordata. 
Era sociável, mantendo uma maior proximidade, apenas com alguns. 
E isto não era nenhum defeito. 
Era uma maneira de ser.
Se este quase meio século que passou, lhe permitiu refinar as suas características, estará mais afável, mais cordato e mais selectivo. 
Com todo o direito.
E se está mais selectivo, talvez não queira perder tempo de forma inútil ou com pessoas que nunca conheceu verdadeiramente. 
Convivíamos com pessoas com muito poucas afinidades e, mesmo agora, para muitos, só há em comum um "3878". Que não é muito.
Ele referiu que está a trabalhar e eu traduzi, mentalmente, para "está a viver" e compreendi muito bem esta mensagem.
Tamojuntos.

Descobri "outra verdade".
SABEM O QUE É A MEIA IDADE?
QUANDO O TRABALHO JÁ NÃO DÁ PRAZER...
E O PRAZER JÁ DÁ TRABALHO !!!

Fiquei confuso porque o trabalho ainda me dá prazer mas há prazeres que já me dão trabalho.

Encarnação - Algum de nós já se sente na meia idade ?

Eu acho que já passei, há muito, a meia idade. 
67 anos é mesmo muito e tenho consciência que é a minha recta final, mas tenho conseguido ser teimoso, continuando a fazer o que quer que seja que me apeteça. 
Vou lutando contra a tradição de parar e de ficar em modo reformado. 
Faço 800 km num dia e fico derreado, levanto-me às 4 para voar de balão e fico de rastos, trabalho num processo até de madrugada, mas dou muitas cabeçadas no teclado, saio de barco com os cães e por lá ando durante um dia inteiro e às vezes, pela noite dentro. 
Mas como e bebo e divirto-me para compensar. 
Quando, há dias, comprei umas botas de caminhada, percebi que estou mesmo louco, porque ignorei as pantufas, que até eram giras. 
E mais baratas.

Amigos lamento toda esta celeuma por um comentário infeliz. 
Não conheço a maior parte dos camaradas, mas sempre tive o máximo respeito por todos quer fosse operacional, aramista ou "protegido". 
As lindas paisagens de Moçambique estão e estarão até que vá gravadas no meu corpo. 
Espero que a sã camaradagem não esmoreça...

Rui Briote - Os comentários infelizes, trazem por vezes , textos felizes.

Mas ofendem quem sentiu na pele a guerra, pois além de me acontecer o que aconteceu vi mortes e feridos à frente dos meus olhos. 
Nunca andei em Macomia a saborear as delícias das cantinas que por lá existiam

Amigo Briote, como eu te compreendo. Abraço.

Andei mais tempo pelas cantinas de Macomia e pelas cervejarias de Pemba (soma meses, esses intervalos).
Quanto a maus períodos no mato da Mataca - quase que rondou o zero.
Resta os meus dois primeiros regressos de Macomia e todo o trabalho que a picada dava, principalmente na altura das chuvas.
Fiz colunas, sem problemas na picada e sem transparecer para quem me acompanhava que eu esperava da parte da Frelimo um intervalo.

Serra do Mapé. ...um "buraco" algures no norte de Mocambique!..., por José D'Abranches Leitão

Memórias...
As primeiras, escritas num "diário"...que ao final de cada dia, ia guardando ...
Memória...
Serra do Mapé. ...um "buraco" algures no norte de Moçambique.
Difícil? ! !!! Não se apagará no meu "disco rígido "!
E já lá vão 49 anos!!!!
Antes que...se faça tarde!!!
Escrevo.
Recordo...



Em cada dia que os dramas nos afectam aumentam as nossas carências de afectos, mas cresce também a cumplicidade para enfrentar as dificuldades. 
A solidariedade cresce na medida em que os esforços individuais dão lugar ao esforço colectivo. 
À distância do fulcro da confusão, ninguém entenderá as carências vividas no meio da guerra. 
E quanto maiores forem os tormentos, maior será a solidariedade. 
Só quem não conhecer os horrores provocados pela guerra poderá pensar que ela tem alguma coisa de atractivo, salvo as bestas que a fomentam!

Os outros, de marmita na mão, olham-se amargurados pela evacuação do Furriel Mil Vellasco Martins, vitima de uma mina anti-pessoal, perto do morro da "Tentativa".

Estávamos apenas à 21 dias na "guerra"!!!!!

- Serei o próximo?
Quando soa a tampa do panelão, que o cozinheiro Rolim Rosa faz ecoar chamando para o rancho, percebemos que estamos aprisionados entre o infinito das matas e a lonjura da civilização. 
Amarrados ao isolamento, sobra tempo para pensar, pensar... pensar em quê? 
A vida dentro do arame farpado, torna-se tão abstracta que nem os pensamentos têm sentido. 
O espaço exterior assusta, pela imensidão da mata imemorável! 

Ao cair da noite, uma espécie de cortina de breu deixa toda a gente amarrada aos temores das granadas de morteiro com trajectórias orientadas para o massacre. 
Ninguém sabe qual é a matriz da morte na ponta da espoleta. 
Para evitar que sejamos comidos pelos ratos, que são às centenas, vindos da mata e percorrem a vala comum, procurando os restos de uma ração de combate ou mesmo um bocado de pão esquecido no abrigo.... ao final do dia são acesas, à volta do arame farpado, umas lanternas improvisadas, numas garrafas de cervejas....com uma mecha embebida em petróleo. 
Assim o "alvo" é óptimo para qualquer atirador!!!!?

É assim que vamos tentando equilibrar os ânimos. 
Amargurados pelo sofrimento em condições hostis, abandonados no isolamento daquele inferno chamado Serra do Mapé, desvanecem-se as motivações para continuar uma guerra que não tem fim à vista!

Só ao alvorecer, o sol anuncia o fim deste embrutecimento, quando se dissipam os medos suscitados pelo fluxo das "obusadas" matinais. 

Sem rendilhados, movemo-nos devagar, descomprimindo os nervos para que o sangue circule com mais vigor e limpe os restos do pânico provocados pelos ruídos da noite, que acordam os fantasmas imaginados, que evocam o terror do inferno.


Como é que vamos resgatar o tempo assim perdido entre o céu e o inferno, sem esperança no futuro próximo?

Serra do Mapé - Norte de Moçambique - Setembro de 1970.
Jose Leitão
CCav 2752
Nota: recordo hoje todos os pormenores daquela "saga" !

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Um artigo ao arquivo do sr. Duarte "a G3"..., por Duarte Pereira

Como isto hoje anda um bocado fraco, fomos buscar um artigo ao arquivo do sr. Duarte. (É repetido, mas poucos se recordarão). 
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NOTA PRÉVIA.

ESTE ARTIGO " A G-3", NÃO É PARA TENTAR DIMINUIR OS OUTROS EX- COMBATENTES, QUE LUTAVAM COM OUTRAS ARMAS PARA O BEM COMUM....

UNS ESTARIAM MAIS EXPOSTOS.
PODERÁ TER SIDO O "DESTINO", OS QUE, ACREDITAM E ACREDITARAM NELE, QUE TERÁ MUDADO AS NOSSAS VIDAS.


 
A MINHA G-3
EM SANTARÉM ANDAVA COM UMA G-3 QUE PASSOU MAL.
CHUVA, ESGOTOS, RIACHOS, POEIRA,CALOR DE VERÃO.

DISSERAM-ME QUE A G-3 TERIA DE SER TRATADA COMO UMA MULHER. 
HAVIA INSPECÇÕES PERMANENTES À SUA MANUTENÇÃO. 
MUITO ÓLEO E ESCOVILHÕES PASSARAM POR ELA.

A QUE ME FOI DISTRIBUÍDA NUNCA RECUSOU UM TIRO.

FUI MOBILIZADO. 
NÃO SEI SE LEVEI A MESMA. 
ERA VELHINHA. 
JÁ DEVERIA TER FEITO UMAS COMISSÕES. 

EM SANTA MARGARIDA OU JÁ EM MOÇAMBIQUE FIZ UM CONCURSO DE TIRO AO ALVO.
CLARO QUE GANHEI. 
FIQUEI EM TERCEIRO. GANHOU O AMÉRICO COELHO QUE JÁ USAVA ÓCULOS. 
EM SEGUNDO O FERNANDO LOURENÇO. 
A CORONHA DA G-3 DO AMÉRICO COELHO ACHO QUE ERA PRETA.

EM MOÇAMBIQUE CONTINUEI A TRATÁ-LA COM CARINHO, ASSIM COMO AS MINHAS BOTAS.
NOS LONGOS DIAS DA OPERAÇÃO DA SERRA DO MAPÉ, CHEGUEI AO FIM COM CANSAÇO MAS OS PÉS ESTAVAM BEM.

SEMPRE INCUTI NOS SOLDADOS A MEU CARGO A MINHA EXPERIÊNCIA. 
MUDEM OU NÃO MUDEM DE CUECAS. 
TENHAM CARINHO COM A VOSSA ARMA.

ANDAVA TRISTE COM O MEU 3º LUGAR NO CONCURSO DE TIRO AO ALVO.

A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA MACOMIA /MUCOJO ABRIA CLAREIRAS DONDE TIRAVAM A TERRA PARA A NOVA ESTRADA.
NÃO ME LEMBRO, MAS DE TRÊS EM TRÊS MESES RENOVÁVAMOS AS MUNIÇÕES DOS CARREGADORES.
AVISÁVAMOS MACOMIA QUE IRÍAMOS FAZER FOGO.

UM DIA SOZINHO "COMO EU ERA CORAJOSO" FUI PARA O ALTO DE UMA TERRAPLANAGEM E COLOQUEI UMAS LATAS DE CERVEJA LÁ NO MEIO.
NÃO POSSO CONFIRMAR SE ERAM 50 M. 100 M OU MAIS.
COLOQUEI A ALÇA DE TIRO NO BURAQUINHO DOIS. 
FIQUEI FELIZ. 
AS LATAS VOAVAM. 
PODIA ATÉ NÃO ACERTAR. COM O IMPACTO NA TERRA, ELAS ABANAVAM E CAIAM. 

O MEU AMOR PRÓPRIO TINHA VOLTADO DEPOIS DAQUELE VEXAME DO CONCURSO DE TIRO. 

QUANDO ENTREGUEI A G-3 NA BEIRA, TIVE DE A ATIRAR PARA UMA MOLHADA. CONFESSO QUE NA ALTURA NÃO CHOREI E NEM SEQUER FIQUEI COMOVIDO. 
MAS É O QUE ME ACONTECE AGORA QUANDO LEMBRO AQUELA CENA.
NÃO SEI SE ELA ME DEFENDEU? EU DEFENDI-A. 

ALGUÉM QUE A SEGUIR A MIM A APANHASSE PODERIA TER A CERTEZA QUE ESTARIA EM BOAS CONDIÇÕES. 
NÃO FOI UM " DIVÓRCIO", GOSTARIA DE A TER TRAZIDO PARA CASA E FICAR AO LADO DE UM STICK DE HÓQUEI QUE GUARDO RELIGIOSAMENTE.

VOU COM ESSE STICK À PORTA QUANDO ALGUÉM BATE A PARTIR DA 1 H DA MANHÃ.

MORAL DA HISTÓRIA - PROCUREM TRATAR BEM DOS QUE POSSAM VIR A DEPENDER.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

A Berliet não queria subir a Serra Mapé, por Paulo Lopes

Paulo Lopes 



Sendo assim e para dar uma "achega" à verdade que o amigo Armando Guterres fala no seu comentário em cima, lá vai mais um pouco do livro. 

Só para chatear.
Poderá dizer-se que a coluna decorreu normalmente se nos debruçarmos sobre o aspecto de minas, armadilhas ou emboscadas, mas se olharmos para outros aspectos menos perigosos mas igualmente demolidores, a coluna correu-nos bastante mal.

Logo no inicio da subida da serra a Berliet, que sempre insistíamos em levar pela sua capacidade de carga que poderíamos transportar, mas que nunca ou raramente conseguíamos que subisse a serra, e por mais tentativas que fizéssemos, teimou em não subir.

Teve que se alterar o projecto!. 
Duas secções do 1ºgrupo de combate regressaram ao estacionamento com a Berliet.

Segunda contrariedade: tínhamos sido informados que as pontes já estavam consertadas. 
Tretas!

Quando chegamos as pontes verificamos que só uma estava reconstruída. 
A outra estava no chão, ou melhor, não era ponte!. 
E esse pequeno pormenor não nos dava um acesso muito fácil a passagem das viaturas para o outro lado do riacho. 
O outro lado que estava tão perto e que se tornava demasiadamente longe para as nossa pretensões!  

Tivemos de inventar e colocar em prática a nossa veia do desenrasca que tanto caracterizava o nosso exército. 

Tinha de ser uma intervenção rápida e sem muito alarido. 
Aproveitamos os nossos habituais "turistas" que sempre nos acompanhavam até Macomia, auxiliando-nos na busca e abate de troncos que proporcionassem a nossa tentativa de solução para atravessar o riacho com um pouco mais de segurança. 
Ou não!. 

Depois deste trabalho suplementar, feito duma forma muito rudimentar, prosseguimos a marcha com todos nós de semblante abatido, mental e fisicamente cansados. 
E ainda faltavam tantos quilómetros para percorrer!!. 

Terceiro contratempo: mais a frente, uma viatura avariou! 
Outra paragem. 
Cada vez mais se notava nas nossas faces a saturação. 
Estas paragens prejudicavam bastante o ritmo de andamento e cansava-nos muito mais. 

Cada paragem é sempre um tónico para não recomeçar. 
Para mim, estas paragens, davam-me a coragem de voltar a pensar. 
A bem dizer, não eram pensamentos, mas recordações que me perseguiam na minha fraqueza e dava comigo a perguntar-me: — Que estamos nos aqui a fazer? 
Que vida é esta para jovens de vinte e poucos anos? 
Porque nos estão a tirar este tempo da nossa existência? 

Mais uma vez me veio à lembrança a flor do cano da minha espingarda, mas o que mais fez estremecer todo o meu ser, foi o pensamento de que, com toda a certeza, todos os verdadeiros culpados da guerra estariam bem confortáveis junto das suas famílias, longe de quaisquer perigos eminentes, saboreando o prazer de viver sem, tão pouco, lhes doer a consciência nem pensar no que estavam a fazer a maioria da juventude portuguesa. 
Mas tudo a bem da nação. 
Mas porque é que estas situações não acontecem como no tempo dos nossos primeiros Reis? (pelo menos como nos foi contada nas aulas de Historia de Portugal! (Será que era mesmo assim?) 
Eram eles, os Reis, que iam para a frente da batalha! 
Pois. 

Foram horas sem conto, de sofrimento e angustia e já o sol se afogava no longínquo horizonte quando finalmente chegamos a Macomia. 

No dia seguinte e como já estava mais ou menos previsto, fomos proteger os trabalhadores na apanha do caju. 
Uma das várias fontes de receita para engordar contas bancárias de uma meia dúzia de abutres e claro, untar as mãos dos energúmenos brigadeiros, coronéis, marechais e outros que tais que estão a mais! (mentira!! Estou a brincar!!!). 

Mas quem ia proteger essa receita? 
Nós, pois então! 
E quem a iria apanhar a troco de quase nada? 
Os nativos, claro e transparente como a brisa que sopra nas tardes limpas do calor de África!

  • paulo lopes
    in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"