quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Fazia protecção à construção da nova estrada entre Macomia e Mucojo..., por Duarte Pereira

Duarte Pereira
2017/01/06

Apetece-me escrever "um pouco sobre alguns passeios" naqueles dois anos em Moçambique.

Saídas para o mato foram muitas, inúmeras.

A compª 3509 fazia proteção à construção da nova estrada entre Macomia e Mucojo.

Os pelotões tinham de se enfiar um pouco no arvoredo enquanto a bulldozer ia abrindo o novo percurso.

As formigas iam saindo e também outros animais curiosos e alguns perigosos.

Os macacos andavam inquietos.

Não estavam habituados ao barulho e à poluição.


Comentários
Quando a máquina partia uma lagarta , por vezes havia férias. 

Deve ter sido numa dessas alturas que o Armando Guterres, fez um "estágio" na nossa companhia.
Pelo caminho iam-se abrindo umas grandes clareiras , que têm um nome próprio, para retirar terra para a estrada e que também era preciso guardar. 

Não sou grande adepto, mas devia chegar ao tamanho de meio campo de futebol. 
Quando chovia muito era "engraçado" ver as "pocinhas" que se iam formando. 
E os cheiros ? 
Especialmente quando chovia emanava um odor intenso difícil de explicar. 
Talvez parecido com o de certas palhotas que se visitavam para se promover a acção psicológica. (estou a falar de Macomia).

O caminho ia-se fazendo, fazendo o máximo para evitar incidentes, acidentes.
Havia uma escala. Quem não andava na protecção, "passearia" nas colunas. 
Era preciso levar água ao aldeamento dos milícias do Alto da Pedreira. 
Fazer escolta aos camiões civis "pesadíssimos" que levavam géneros para o Mucojo. 
Na picada antiga, no tempo da chuva, os "atascansos" eram "maning". 
Cortar troncos de árvores para pôr debaixo dos pneus, usar os guinchos dos unimog. 
Debaixo de chuva e com as botas na lama era "encantador". 
Eu gostava de me enfiar no mato para fazer a protecção. Não há dúvida que a malta do Norte tinha mais força e habilidade , que os (meninos de Lisboa). (CONTINUA) .



Vou seguir o meu "trilho". 
Nas poucas operações, mais a sério que fiz e foram menos que os dedos da mão, apareciam trilhos em zonas mais para o interior.
As instruções diziam para seguirmos os trilhos para ver onde poderiam ir dar. 
Os guias, e eu concordava, que devíamos ir um pouco mais na "perpendicular", apanhando muitas vezes "matagais" em que muitas vezes as catanas tinham de abrir caminho. 
Não é novidade para quem fazia estes "passeios". 
Alguém poderá pensar que a mata era só "capim", e passar por cima até seria fácil. 





Os que por lá passaram, puderam constatar, que a estrada nova dava para dois veículos se cruzarem com uma boa margem de segurança.
Na picada velha (em especial na ida), "picagens" infindáveis.
Como a malta pensava que os "turras" só trabalhavam à noite, e não vinham de fora , mas de aldeamentos perto, na volta era quase sempre à "papo-seco". 

À medida que a estrada nova ia avançando, não havia lógica em picar. 
As viaturas não passavam sempre pelos mesmos rodados. 
No tempo de chuva tinha-se muita atenção às "pocinhas" de água. 
Tenho conhecimento que pelo menos uma mina foi assim detetada. 

Faziam o "buraquinho", instalavam a mina, colocavam terra, alisavam e depois para ficar direitinho deviam levar um "baldinho" de água.
No tempo seco e em especial no regresso chegaram-se a atingir velocidades proibitivas. 

Alcatrão não havia. 
Mas havia pó para os que vinham nas viaturas a seguir à berliet. 
E para acabar este bocadinho. 
Não éramos donos do meteorologia. 
Com a cara e camuflados com pó, não queria dizer que não caísse um "chuvinha" daquelas "leves" e depois voltava o sol e o pó.. 
Chegar a Macomia, despachar as coisas e antes do duche ver a nossa cara ao espelho. 
"ATERRADOR". Pena não terem sido tiradas fotos. ( PODERÁ CONTINUAR....)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

OPERAÇÃO “CAJU”..., por Rui Briote



Rui Briote
 para 
2019/02/05

Boa tarde Amigos!
Dedico este relato, em muito simples em especial aos que me acompanharam nesta operação.

Um abraço a todos
OPERAÇÃO “CAJU”

Resultado de imagem para cajueiro chai

Na época da apanha do caju, fruto muito saboroso e muito apetecido, lá estávamos nós prontos a colaborar “voluntariamente” para alguns interesses económicos.

Resultado de imagem para caju


O dia, para o meu pelotão de alinhar para esse fim, chegou para ir fazer proteção a um grupo de homens e mulheres indígenas.
Logo de manhã cedo , começámos a caminhar pela mata, em busca do tal fruto. 
Tropa à frente e à retaguarda para proteger o pessoal que iria fazer esse serviço a troco dum “naco” de arroz ou outro produto, que seria entregue ao "cantineiro" e daí, seria espalhado pelos muito interessados no saboroso aperitivo.


Não foi necessário muito tempo até encontrar cajueiros.
Parámos, e fizemos um círculo, enquanto o “ saque” era feito.

Já ao cair da noite, tivemos que “ acampar”.
Feito um círculo, género ovo estrelado, em que neste caso, a gema era maior que a clara, pois a clara éramos nós tropa a fechar o círculo para proteger os “saqueadores” que formavam uma grande gema....

Resultado de imagem para cajueiro arvore

Lá nos pusemos a "xonar", devidamente protegidos por alguns sentinelas atentos ao menor caso inesperado.

Seriam 4 ou 5 da madrugada, quando fui acordado, pois uma grávida decidiu dar à luz.
Era preciso água e, lá fui eu pedir esse precioso líquido aos meus soldados.

Findo esse processo, dirigi-me à parturiente com o enfermeiro.
A entrada na “ sala de parto”, formado pelas mulheres, foi-me vedado.
Era “ negócio” só para fêmeas.
Perante tal situação lá fui novamente descansar.

Mal começou o dia a clarear, pedi um helicóptero para a evacuação.
Para que fosse possível aterrar, houve necessidade de abrir uma clareira, trabalho extra com que não contávamos.
Depois de feita a improvisada pista, pouco tempo passou até começar a ouvir-se o barulho dum T6 que fazia proteção ao hélio.
Por rádio , lá fomos comunicando e o bicho aterrou suavemente.
Logo saíram dois maqueiros com a respectiva maca para ir buscar a parturiente e, qual o meu espanto, quando a vejo, calmamente, a caminhar em direção à ave voadora.
Fiquei de boca aberta, pois nunca tinha visto tal na minha ainda curta experiência.
Continuamos depois normalmente a apanha noutro local, esperando que nada de anormal sucedesse.

Resultado de imagem para caju

Ao fim de três dias lá regressámos ao quartel. 
Fiz o relatório e enviei-o para o Comando. 
Poucos dias depois tive que ir a Macomia e, que lá cheguei, fui chamado ao gabinete do Comandante. 
Com cara de poucos amigos, questionou-me o porquê de ter pedido a evacuação da parturiente, questão à qual eu respondi que se tratava dum ser humano.

Vociferou e ameaçou-me dar uma “porrada”, mas não passou do ameaço....

Resultado de imagem para cajueiro moçambique

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O Banco dos Dias, por José Nobre

Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Moçambique – Agosto de 1967 – Outubro 1969.
Paris – 11 de Março de 1972
O Banco dos Dias.
Tenho dias para a “troca”....trocaria bem o dia 11 de Março de 1968, por um outro qualquer, mesmo que fosse um dia sem sol, chuvoso, triste, como o dia de hoje.
Começou a nevar, o verde da relva do jardim vai desaparecendo aos poucos. 
Os sons que chegam da rua são menos agressivos. 
Sim, faz hoje quatro anos. 
Deveriam existir bancos de dias, onde pudéssemos trocar dias maus por dias bons, mais caros claro, porque isto de trocar um dia mau por um dia bom dá muito trabalho. 
Um calor do caraças, o café do quartel de Palma sempre é melhor do que aquele que bebemos no mato.
A neve acumula-se no parapeito da janela. 
Não vejo os pardais que habitualmente picam a relva durante horas e horas procurando o que comer.
Sim. 
Deveriam existir esses tais bancos para trocar dias – Bom dia, tenho um dia para a “troca,” não, não é um dia é uma manhã, uma manhã quente de Cabo Delgado, uma manhã de tiros de granadas, de gritos, chamem o enfermeiro, precisamos do helicóptero....o Amável está morto. 
A vizinha do primeiro andar atravessou o pátio, com cuidado...pé...ante...pé, tal como nós numa qualquer picada de Cabo Delgado...pé...ante...pé. 
A granada que o alferes Guerra trazia à cintura explodiu, ele e o Bibiu morreram. 
Tenho dias para a “troca.” 
Vamos dar um mergulho à praia, a malta da nossa companhia deve estar quase a chegar, depois do banho vamos comer um peixe assado ou umas lulas fritas, e beber umas “catembes.” 
Por favor, pode ver na tabela dos dias quanto custa trocar o dia 11 de Março de 1968, por um outro dia qualquer? 
Tenho dias para a troca. 
O Camilo Alves, também morreu.....
Se não me trocarem os dias, eu dou os meus, não todos. 
Quero regressar a Palma e falar com o senhor que manda nos dias, o gajo que decide...hoje é um dia de sol e de vida....amanhã não sei. 
O senhor do banco dos dias, diz que vai ser difícil trocar o dia 11 de Março de 1968 por um outro dia qualquer, os dias consumidos são considerados em 2ª mão, e para além do mais ninguém compra dias com mortos. 
Posso falar com o gerente? 
Posso falar com o gajo que decide quem morre, que decide quem vive. 
A água do Indico está quente, eu e o Banó estendidos na areia branca da praia de Palma, ao longe os barcos dos negros continuam a pescar. 
Por favor caro Senhor, troque-me este dia, esta manhã, pela merda de outro dia qualquer. 
Sabe caro senhor, nessa manhã morreram na picada de Pundanhar quatro gajos que eram nossos irmãos. 
Não pode? 
Então diga-me quanto custa um milagre. 
Juro que comprarei velas, juro que rezarei, juro que farei peregrinações. 
Como? 
Não pode ser? 
Já é tarde?
A neve continua a cair, da cozinha chega-me o som do rádio e a voz do Jacques Brel que canta--- Ne Me Quitte Pas.
Faz hoje quatro anos......
Não me esqueci......e continuo a gostar de vocês.....IRMÃOS.
(Rectifiquei algumas “coisas” poucas do escrito original )
Paris – Boulogne-Billancourt. - 11 de Março de 1972

domingo, 13 de outubro de 2019

Ataques à ponte sobre o rio Messalo..., por Livre Pensador

Livre Pensador 




Devido a algumas dúvidas, incertezas e "apagamentos" na minha memória, o Livre Pensador (Ribeiro) esclareceu-me e deixou este depoimento, que vos deixo para recordar, sobre os ataques à ponte sobre o Rio Messalo.

"Pardal, durante os quase 25 meses que estivemos no Chai houve alguns ataques à ponte do Messalo. 




No entanto, aqueles de maior envergadura foram em Maio e Outubro de 1973 em que a Frelimo tentou fazer golpes de mão para conquistar e destruir a ponte, tanto assim que nessas duas tentativas eles iam prevenidos com bombas de avião, que depois abandonaram na fuga e nós tivemos de andar a explodi-las com a colaboração dos camaradas sapadores do batalhão.





Em Maio de 73 foi com a ajuda do furriel António e em Outubro de 73 com a colaboração do furriel Bernardo, já falecido. 

Foi no ataque de Maio de 1973, altura em que a ponte era defendida apenas pelo pelotão de Bilibiza, que a Frelimo conseguiu conquistar metade da ponte, originando alguns mortos e feridos nesse pelotão e em que um dos mortos e/ou desaparecido levou uma bazookada de RPG7 quando tentava fugir do abrigo a meio da ponte para os abrigos situados na margem sul. 

Desse militar restou apenas um pedaço de camuflado caído no chão em cima da ponte. 

Como o Briote escreveu no texto atrás, foi o pelotão dele que depois andou a percorrer as margens do rio na tentativa de encontrar alguns restos mortais do soldado. 




A partir desse ataque a ponte continuou a ser defendida durante o dia com o pelotão de Bilibiza e à noite era reforçado com uma secção da 3508. 

Foi essa a situação verificada no grande ataque de Outubro de 1973 em que o pelotão de Bilibiza estava reforçado com uma secção do 3º.pelotão da 3508 comandada pelo furriel Vicente. 

Como te disse, ouve outros pequenos ataques ao longo dos 25 meses, mas reportavam-se apenas a umas morteiradas lançadas de longe. 





Na última de todas, ocorrida em meados de Fevereiro de 1974, estava lá eu com a minha secção e a Frelimo resolveu que não nos ia deixar dormir nessa noite. 

De hora a hora, mais ou menos, lançavam uma morteirada que rebentava relativamente afastada da ponte. 

Ás duas ou três primeiras ainda respondemos, mas depois eu decidi que parávamos por ali. 

Eles continuaram a "brincar" até amanhecer. 

Abraço, rapaz".

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Aramistas, por António Encarnação

Sim, poderemos também estar no "canal memória".
Já publiquei este texto umas duas vezes.
Alguns de vós irão lê-lo pela primeira vez.
Um contribuição literária de um chefe "ferrugem-aramista " da 3509.
=============================================

Aramistas
Quando aqui se fala em “aramistas”, eu concordo que havia grandes diferenças. 
Havia gente que andava na guerra e outros que iam proporcionando condições para que os operacionais pudessem cumprir a sua missão. 
De defesa da pátria, claro.

Alguns desses operacionais adoravam o papel de “Rambos”. 
Notava-se na forma como actuavam e, até, como falavam com subordinados e colegas. 
Outros, nem por isso.
Eu não conseguia compreender os Rambos, mas não os criticava.

Lamentavelmente, a defesa da pátria não era, por mim, sentida como um desígnio. 
A pátria era o rectângulo e o resto eram como que devaneios de gente que parecia saber mais do que eu.
Também não me comovia com aquele sentimento de posse que dominava a nossa sociedade, tão bem exemplificado na célebre “Angola é nossa”. 
É que muito antes, já alguns colegas estudantes africanos, me tinham explicado, em noitadas na Casa do Império, que era deles, que era a sua terra.

Nem o conceito nacional de terrorista eu aceitei facilmente. 
Quando as “coisas” apertaram em Lisboa, alguns desses amigos africanos piraram-se. 
Saíram do “sistema” que o mesmo é dizer que passaram a ser clandestinos. 
Devem ter regressado à sua terra, Angola, e devem ter ficado do outro lado da barricada, para não serem presos.

Se calhar, passaram a ser terroristas, mas eu sabia que não eram. 
Eram idealistas, bairristas e nacionalistas. 
E, principalmente, eram jovens como nós, mas habituados a uma terra com maiores horizontes e mais liberdade do que a nossa.

Aprendi mais tarde que a guerra deles era feita por outra gente. 
Os que conheci, seriam talvez, dirigentes ou pensadores ou estrategas, mas não eram “carne para canhão” como os jovens portugueses.

Por entre todas estas e muitas outras "variáveis", estive 2 anos em Macomia, na grandiosa Zero Nove.
Obviamente, relacionava-me mais com os aramistas e ia vivendo, à distância, as vidas duras de alguns operacionais.

Ao contrário do Joao Reis, nunca fui um militar e muito menos, um militar aplicado. 
Tinha muitas dúvidas e quanto a certezas, acho que não tinha nenhumas.

No entanto, isto não me fez esquecer a necessidade de cumprir com a minha obrigação e fi-lo. 
Fiz o melhor que sabia e que podia. 
Ainda hoje o afirmo calmamente, sem vergonha, nem desejos de disfarçar.

António Enc
14/11