Aos Militares do Batalhão de Cavalaria 3878, que serviram em Moçambique (Macomia, Chai e Mataca), de 1972 a 1974 e/ou passaram por: Serra Mapé, Messalo, Mucojo, Alto da Pedreira, Quiterajo, Ribaué, etc..
Vivências, Recordações boas ou más, encontros e desencontros, fotos, vídeos, recados, visitas, interações, etc..
Tu és uma flor sem nome plantada no alto do poema que eu quero escalar sem cordas nem receios para te chamar amor.
Paulo Lopes (1975)
OLHO OS MEUS OLHOS
Olho os meus olhos
revejo-me e não conheço
estes olhos este rosto,...
Nem a guerra nem o ódio nem dor nem sofrimento nem o sol nem o vento nem a luz do dia traz um sorriso uma lágrima tanto faz.
Sigo impassivo este sol esta neve estas flores de dor estas vidas em bolor.
Paulo Lopes (1970)
Se ao menos vivêssemos talvez ou outros surgissem um pouco que fosse no nosso pensamento. Mas não vivemos não pensamos apenas estamos em pé num constante lamento.
Paulo Lopes (1973)
NOITE ESCURA
Escura noite sem fim perdida na madrugada. Estranhamente não há estrelas não há luz nem lua não há nada. Apenas é noite sem luz e sem lua noite de ninguém noite que não é noite que na madrugada se perdeu esta noite sem fim esta escura noite.
No dia 17 de Fevereiro, já com o cheiro da terra africana entranhado nos nossos narizes, tomámos o avião que nos havia de levar até Porto Amélia, para de seguida irmos para o Chai, fazendo " escala" em Macomia.
Porto Amélia (atual Pemba)
A viagem ainda demorou umas horas, mas deu para arregalar os nossos olhos perante tanta beleza que tivemos oportunidade de observar.
O avião, a pouca altitude, proporcionou-nos uma vista deslumbrante e de rara beleza... grandes manadas de zebras e outros animais selvagens, aliada à bem ordenada verdura dos coqueiros, contribuiu para que tivéssemos uma ligeira acalmia deixando de pensar para onde íamos.
Aeroporto de Pemba (ex-Porto Amélia)
Chegados a Porto Amélia, cidade pequena, mas bela, aí pernoitamos...
Vista Aérea de Porto Amélia (atual Pemba)
No dia seguinte deslocámos-nos para a praia, não para tomar uma "banhoca" muito desejada, mas sim armados de G3 e granadas de mão, para fazer treino individual "de costas viradas para a praia!".
Que mau gosto!...
Praia em Pemba (ex-Porto Amélia)
No dia seguinte, 20 de Fevereiro, já devidamente " equipados" formámos uma coluna rumo ao Chai.
Cada pelotão foi "encaixotado" numa viatura, indo eu na cabine juntamente com o Miguel.
Os primeiros quilómetros foram calmos e não deu para ter tremuras, mas a partir dum determinado lugar elas chegaram e as calças começaram a "colar-se ao...".
Cantina de Ancuabe
Parámos em Ancuabe e a partir daí, escoltados pelo Esquadrão de Cavalaria, com as suas Panhards, comandado se não me engano, pelo malogrado Valinhas, para nos fazerem segurança no resto do percurso.
AML Panhard - Esq. Cav. 1
Já com a bala na câmara lá fomos...de quando em vez ouvíamos umas rajadas, sinal que estávamos já na zona quente.
Os nossos corações começaram a ter mais batidas.
Estávamos já na zona de guerra...como seria daí para a frente?...
O tempo o diria.
Já à entrada de Macomia dei ordem para tirar a bala da câmara e aí surgiria o meu primeiro grande susto.
Macomia
Ia, juntamente com o ex-furriel Miguel e eu junto à porta da viatura, na cabine duma Berliet e, à ordem de tirar a bala da câmara o Miguel "esqueceu-se" de tirar o carregador e ao dar ao gatilho só ouvi um silvo agudo ...a bala passou mesmo a rasar a minha cara..." borrei-me" todo.
Andei com o zumbido no ouvido não sei quanto tempo...
Miguel, Miguel não foi isso que te ensinei...:)
Depois duma noite dormida em Macomia partimos em coluna em direção ao Chai.
De novo, os corações aceleraram e quando as Panhards, nos pontos críticos, davam umas rajadas, encolhíamos-nos todos...
O primeiro sinal de guerra, foi-nos dado por uma ponte arrasada pelos "turras".
Mais tarde soubemos o nome da vítima...
a ponte de Muacamula"...
Ponte de Muacamula
Atravessámos por um desvio e retomámos o caminho para o inferno.
A estrada, pintada de alcatrão, lá nos permitiu andar em marcha mais ou menos lenta, ao mesmo tempo que os nossos olhos arregalados iam mirando as ????, ora com uma vegetação densa ora despida.
Estrada Macomia - Chai
Atravessámos o famoso, no mau sentido, Monte dos Oliveiras, local onde minas e emboscadas eram " mato"...
Estrada Macomia - Chai (ao fundo o Monte dos Oliveiras)
Havia locais em que a pintura de alcatrão deu lugar a buracos, que eram as testemunhas de minas aí plantadas.
Estrada Macomia - Chai (próximo do Chai)
Finalmente, divisámos o arame farpado, que dava acesso à " cidade" do Chai.
Aquartelamento do Chai
Fomos recebidos em festa por uma companhia que via na nossa presença o passaporte para fugir dali...pudera!!!
Iriam embora e ficaríamos nós nas nossas novas " vivendas"...
Enfim chegou o dia da partida para o Algarve, saco de bagagem na mala, carocha á estrada e aí vou eu.
É madrugada e o carocha vai acelerando bem em pleno Alentejo, quando de repente surge no meio da estrada uma data de touros, que devem ter passado as vedações, pé no travão e agora, pensei eu: que fazer e se eles investirem contra o carocha, que tem uma cor perto do vermelho, lá se vai o carocha todo furado e eu sei lá que mais.
Passei para médios e com os vidros fechados esperei aí uma meia hora e os touros do meio da estrada.
É que não saíam, até que em sentido contrário chegou um camião, que parou mas depois começou a andar lentamente e os touros a vir na minha direção, ai ai ai ai, mas passaram ao lado e finalmente pude respirar e caminho livre outra vez.
Para compensar o tempo perdido, pé na chapa e já na Serra do Caldeirão, numa curva apertada, o carro bate num buraco da estrada, abre-se a porta do meu lado e fiquei pendurado na dita porta.
Por milagre o carro não foi serra abaixo.
Finalmente Algarve á vista e destino Loulé.
Fui ficar hospedado numa pensão perto do centro, porque queria visitar uma madrinha de guerra que tinha sacado a um soldado em Macomia e com a qual mantinha contato via CTT.
O encontro deu-se numa pastelaria do centro e ela estava acompanhada da irmã conforme combinado.
Mas que belezas!!!!
Apresentações, conversa puxa conversa e pequeno almoço para os três.
Paga o otário.
E nisto a irmã sai para ir não sei aonde e fiquei só com ela.
Afinal a "marafada" era casada, tinha uma filha e o marido "tava" a trabalhar na Argélia.
Pensei: "tou" feito, mas combinámos encontro para o outro dia, na mesma pastelaria á mesma hora.
O resto do dia eu e o carocha fomos até Quarteira, depois a Armação de Pera e voltámos para Albufeira.
Á entrada de Albufeira jantei num restaurante que tinha a cozinha no meio da sala, nunca tinha visto tal.
Depois Albufeira centro para a vida noturna e regresso a Loulé para descansar um pouco.
Fui o primeiro a chegar á pastelaria e pouco depois chegou ela.
Oi oi oi, até os meus olhos brilharam, mui formosa.
Após o pequeno almoço convenci-a a dar uma volta e acabámos por ir até Ayamonte, onde almoçámos uns calamares e mais uns petiscos.
Depois regressámos a Vila Real, para curtir uma praia em Monte Gordo, após o que regressámos a Loulé.
No dia seguinte combinámos ir à ilha, foi um dia de praia em que nos divertimos, trocámos intimidades, conversas, talvez mesmo promessas e sonhos, enfim um dia de felicidade para ambos.
Foi bonito, mas era o último dia em Loulé e as despedidas foram um pouco dolorosas.
Manhã seguinte, o carocha voltou á estrada e rumou á Praia da Rocha, em Portimão e ponta de Sagres.
Caminho de casa e jantar em Odemira.
À saída de Odemira, brigada da GNR, alto e para.
Parei e nisto um guarda com ar de parvalhão, chega á janela do carro e nem bom dia, nem boa noite.
Os seus documentos.
E eu respondi: não sei onde está isso.
E ele: se não tem fica tudo apreendido.
Ai é respondi eu.
Saquei do meu cartão de Sargento, esfreguei-o no olho do guarda, que de imediato, bateu ali uma "pálada".
Que gozo me deu.
Dei-lhe os documentos e como "tava" tudo em ordem, mas ele estava danado, de seguida, pede-me o "retângulo".
E eu disse que isso não tinha.
Não tem vai ser autuado e puxa do livro para escrever, foi aí que lhe disse, eu tenho é isto que é um triângulo, serve, é que o outro que pediu eu não tenho.
Ei ficou cá com uns cornos, bateu mais uma "pálada" e desejou boa viagem.
Pela manhã, já estava de volta á aldeia.
Afinal este carocha resistiu.
Os restantes dias foram passados ora no seio da família, ora com amigos.
No dia da partida para Moçambique, pensei em não ir, isto é, não regressar mais, mas as saudades de todos vocês, falaram mais alto e lá embarquei.
Um forte abraço para todos os militares do BCAV3878
A Portugália deixa-me sempre um pouco de nostalgia:
Portugália - Cais do Sodré
E assim ia eu passando a minha certinha vida, pobrete mas alegrete, entre o escritório duma concessão de automóveis da marca Opel (onde o Eusébio, mítico jogador de futebol sobejamente conhecido, achado num clube desportivo de Moçambique e arrancado ao eminente pé descalço, foi comprar um carro ou disso fez intenção) e as aulas, intercaladas com umas fitas nos cinemas Império, Imperial, Avis, Odéon, Politeama, Max e outros.
Cinema Império
Uns mais para a fineza, outros mais para o piolho (nunca disso fazendo grande distinção), misturando pelo meio umas passagens na Portugália dando umas tacadas nas bolas de snooker ou de estilo mais emproado, num bilhar às três tabelas, preocupando-me muito mais com a mesa onde permanecia uma travessa de batatas fritas com mostarda e na imperial, que estava a perder a pressão, do que propriamente na pontuação que ia obtendo no combate "bilharesco", nunca descurando, quando possível, uma paragem no Parque Mayer, colando os ouvidos a uma máquina de discos (invenção americana dos anos cinquenta, creio eu) metendo uma moedinha, percorrendo com os dedos e olhos o número e letra, que davam acesso ao que queríamos ouvir: Everly Brothers, Tremeloes, Chuck Berry, Kinks, Byrds, Crispian St. Peters, The Walker Brothers, Procol Harum, Jimi Hendrix, Scott Mackenzie, Manfred Man, The Move, não esquecendo claro está, The Beatles ou noutro estilo de rock, The Rolling Stones, não variando as composições, porque os vinis eram, inevitavelmente, os mesmos, viro-disco-e-toco-mesmo, sempre com a esperança de um dia, com um pouco de sorte, pudesse chegar ao luxo de ter uma aparelhagem e discos próprios em casa, coisa que, só alguns, muito poucos, a isso tinham acesso.
Parque Mayer
Depois, mais tarde e já estar de regresso de Moçambique, ainda ia muitas vezes à Portugália (a verdadeira! Não a que agora por ai anda espalhada nos diversos centros comerciais) lambuzar-me com os seus belos bifes com molho à Portugália pois era lá, quase sempre e quando jogávamos em Lisboa ou arredores que íamos jantar, mais cear que jantar, devido à hora a que os jogos de andebol terminavam. Bifes que nada têm com os que são agora servidos! Por isso a minha nostalgia falada no anterior comentário!
Bife à Portugália
A Ajuda também é uma zona, que algo me diz, porque treinei e joguei muitas vezes no Pavilhão da Ajuda, e quando por lá comíamos, íamos normalmente ao "Andorinhas" ou à "Cabine"!
No primeiro esgotávamos todos os mousses de chocolate com pinhões que eles tivessem! :-)
Já no segundo, faziam umas ricas ameijoas!
Tempos idos e hoje nem sei se tais "tascas" ainda existem.
O vinho verde era noutra zona da Ajuda, mais para o Caramão da Ajuda!
Bairro que tinha uma equipa de Andebol ,onde militava um gajo chamado Pires, cuja pedrada não era pera doce! :-)