Aos Militares do Batalhão de Cavalaria 3878, que serviram em Moçambique (Macomia, Chai e Mataca), de 1972 a 1974 e/ou passaram por: Serra Mapé, Messalo, Mucojo, Alto da Pedreira, Quiterajo, Ribaué, etc..
Vivências, Recordações boas ou más, encontros e desencontros, fotos, vídeos, recados, visitas, interações, etc..
O serviço de piquete era sempre desempenhado por uma secção dum grupo de combate da Ccav. 3508.
As suas funções diárias eram: a picagem da pista de aterragem logo ao amanhecer, a montagem da segurança à pista sempre que se aproximava um avião para aterrar e a recolha de lenha para a cozinha do quartel.
Esta fotografia cujos "figurantes" em primeiro plano são, da esquerda para a direita, Pires (condutor), Rodrigues, Malícia (já falecido), Eduardo (moçambicano) e Mortágua, mostra a realização desta última tarefa que era feita habitualmente nos arredores do aldeamento do Chai.
Uma missão aparentemente simples e pacífica, que paradoxalmente, viria a tornar-se a mais trágica e mortífera para os nossos militares.
Era suposto que as bombas de avião que a força aérea portuguesa utilizava para bombardear, explodissem nas posições do nosso inimigo.
Como isso nem sempre acontecia, os nossos opositores tinham a "amabilidade" de as "retornar à procedência"!
Esta foto mostra 6 bombas de 50Kg e duas de 15Kg que a Frelimo "devolveu" à Ccav. 3508 no ataque de 14 de Outubro de 1973 à ponte do Messalo e ao Chai.
Mais um trabalho extra (fazê-las explodir), que ficou reservado para o especialista de minas e armadilhas, que por acaso era eu, com a ajuda e a colaboração preciosas do saudoso Júlio Bernardo (já falecido) e do
Um belo dia fomos chamados, o Doutor e eu, ao Hospital Civil de MACOMIA para assistirmos a um parto pois a parturiente estava em trabalho de parto já há vários dias e a criança não queria nascer.
O Dr Cardoso esteve a analisar a situação e decidiu-se pela evacuação, pois tanto Mãe como Filho já estavam com poucas forças e a situação estava a tornar-se perigosa para ambos.
Chamados os meios de evacuação, tratámos de transportar a dita senhora de ambulância para a pista pois o avião já vinha a caminho para proceder ao seu transporte para o Hospital Civil de Porto Amélia.
A mulher dentro do avião procedimentos normais e avião no Ar.
E foi ai que aconteceu o bom da situação, quando do contacto com o piloto para o adeus e até ao regresso o mesmo informou que a criança tinha acabado de nascer, ordem imediata para regresso pois tanto a mãe como a criança necessitavam de cuidados imediatos.
Ainda acompanhámos os dois durante alguns dias no hospital civil de Macomia, mas depois perdemos-lhe o rasto.
Iremos conhecer o pior Day After de todos os tempos?
- Provavelmente.
Fragilidades e desigualdades estão a ficar, agora, mais visíveis, como na Itália e como vai ser em muitos países, principalmente do Hemisfério Sul.
O medo, a insegurança e as dificuldades crescem a um ritmo assustador e as notícias diárias dos efeitos da pandemia, em nada ajudam. Há medo que perdurará por muito tempo.
As actividades paralelas que sustentaram milhões de pessoas, na Europa mas principalmente em África, irão desaparecer e até eventuais ajudas internacionais pouco poderão fazer, porque não há registos, nem organização, nem estatísticas, nem quaisquer números, tornando-se impossível avaliar as necessidades, para dimensionar as soluções.
África
A tudo isto acresce que esta guerra não irá terminar com um reconfortante e apaziguador armistício, como aconteceu nas outras guerras, em que um dia, depois de umas vitórias, uns acordos e umas assinaturas, foi possível anunciar na rádio "a guerra acabou".
Desta vez, porque as frentes de batalha são milhares e os envolvidos são muitos milhões, porque há números desconhecidos, porque o combate está em fases distintas, com uns quase no início do processo e outros a terminar, o fim pleno da guerra, irá demorar muito tempo a ser atingido.
Muitos já prognosticaram que 2020 está perdido, mas talvez nem 2021 seja suficiente e, quem sabe, se não são necessários vários anos para que desapareçam todas as dúvidas, porque quanto a efeitos, iremos senti-los a perder de vista.
Não será porque um país consegue debelar a pandemia, que vai ficar bem.
Pode conseguir que não haja mais vítimas e isso é uma grande vitória, mas vai ter de se defender dos possíveis "reacendimentos", com estados de emergência duros, regras rígidas, precauções firmes, fronteiras fechadas e, entretanto e como consequência, continuará a não conseguir condições para ter uma vida, ainda que simples, pobre e diferente do que conhecemos.
Penso em Macau e em S. Tomé e Príncipe como países em que tudo está calmo, tudo está bem, porque não têm casos e em Angola, porque tem poucos e controlados.
Mas nada está bem.
Também há medo e incertezas, muitas vezes silenciosas.
A chegada de um avião é vista com temor, as importações assustam, turistas nem pensar.
Tal como as famílias, os países quererão ficar fechados e isolados, livres de mais perigos, para não arriscarem novas vítimas e, desta forma, só a vida individual vai sobreviver e a prazo.
Claro que acredito que aparecerão medicamentos eficazes, tal como antevejo que, mesmo assim, nada se resolverá, no mundo, sem que passem vários anos.
No dia 17 de Fevereiro, já com o cheiro da terra africana entranhado nos nossos narizes, tomámos o avião que nos havia de levar até Porto Amélia, para de seguida irmos para o Chai, fazendo " escala" em Macomia.
Porto Amélia (atual Pemba)
A viagem ainda demorou umas horas, mas deu para arregalar os nossos olhos perante tanta beleza que tivemos oportunidade de observar.
O avião, a pouca altitude, proporcionou-nos uma vista deslumbrante e de rara beleza... grandes manadas de zebras e outros animais selvagens, aliada à bem ordenada verdura dos coqueiros, contribuiu para que tivéssemos uma ligeira acalmia deixando de pensar para onde íamos.
Aeroporto de Pemba (ex-Porto Amélia)
Chegados a Porto Amélia, cidade pequena, mas bela, aí pernoitamos...
Vista Aérea de Porto Amélia (atual Pemba)
No dia seguinte deslocámos-nos para a praia, não para tomar uma "banhoca" muito desejada, mas sim armados de G3 e granadas de mão, para fazer treino individual "de costas viradas para a praia!".
Que mau gosto!...
Praia em Pemba (ex-Porto Amélia)
No dia seguinte, 20 de Fevereiro, já devidamente " equipados" formámos uma coluna rumo ao Chai.
Cada pelotão foi "encaixotado" numa viatura, indo eu na cabine juntamente com o Miguel.
Os primeiros quilómetros foram calmos e não deu para ter tremuras, mas a partir dum determinado lugar elas chegaram e as calças começaram a "colar-se ao...".
Cantina de Ancuabe
Parámos em Ancuabe e a partir daí, escoltados pelo Esquadrão de Cavalaria, com as suas Panhards, comandado se não me engano, pelo malogrado Valinhas, para nos fazerem segurança no resto do percurso.
AML Panhard - Esq. Cav. 1
Já com a bala na câmara lá fomos...de quando em vez ouvíamos umas rajadas, sinal que estávamos já na zona quente.
Os nossos corações começaram a ter mais batidas.
Estávamos já na zona de guerra...como seria daí para a frente?...
O tempo o diria.
Já à entrada de Macomia dei ordem para tirar a bala da câmara e aí surgiria o meu primeiro grande susto.
Macomia
Ia, juntamente com o ex-furriel Miguel e eu junto à porta da viatura, na cabine duma Berliet e, à ordem de tirar a bala da câmara o Miguel "esqueceu-se" de tirar o carregador e ao dar ao gatilho só ouvi um silvo agudo ...a bala passou mesmo a rasar a minha cara..." borrei-me" todo.
Andei com o zumbido no ouvido não sei quanto tempo...
Miguel, Miguel não foi isso que te ensinei...:)
Depois duma noite dormida em Macomia partimos em coluna em direção ao Chai.
De novo, os corações aceleraram e quando as Panhards, nos pontos críticos, davam umas rajadas, encolhíamos-nos todos...
O primeiro sinal de guerra, foi-nos dado por uma ponte arrasada pelos "turras".
Mais tarde soubemos o nome da vítima...
a ponte de Muacamula"...
Ponte de Muacamula
Atravessámos por um desvio e retomámos o caminho para o inferno.
A estrada, pintada de alcatrão, lá nos permitiu andar em marcha mais ou menos lenta, ao mesmo tempo que os nossos olhos arregalados iam mirando as ????, ora com uma vegetação densa ora despida.
Estrada Macomia - Chai
Atravessámos o famoso, no mau sentido, Monte dos Oliveiras, local onde minas e emboscadas eram " mato"...
Estrada Macomia - Chai (ao fundo o Monte dos Oliveiras)
Havia locais em que a pintura de alcatrão deu lugar a buracos, que eram as testemunhas de minas aí plantadas.
Estrada Macomia - Chai (próximo do Chai)
Finalmente, divisámos o arame farpado, que dava acesso à " cidade" do Chai.
Aquartelamento do Chai
Fomos recebidos em festa por uma companhia que via na nossa presença o passaporte para fugir dali...pudera!!!
Iriam embora e ficaríamos nós nas nossas novas " vivendas"...
Quarta feira de cinzas, 16 de fevereiro de 1972, ao fim de uma tarde cinzenta, saímos de Santa Margarida, postos em autocarros rumo ao aeroporto de Figo Maduro, afim de partir para a nossa colónia de férias " resort Moçambique"...
Boing 707 da FAP
Um pássaro gigante, mais conhecido por avião, tripulado por pilotos da FA. ganha balanço e lá vamos nós a subir aos céus e ver Lisboa a fugir-nos rapidamente da vista...lágrimas afloram e correm de mansinho pela face...
As hospedeiras, aliás hospedeiros, também não ajudavam muito.
Já no ar, deixámos o nosso querido Portugal para trás, na altura conhecido por Metrópole.
As nuvens que sobrevoámos pareciam algodão ...
Que delícia para os nossos olhos!
Boing 707 da FAP, em Terra e em Voo
Seis horas depois, passámos o Equador e entramos no hemisfério sul em direção a Luanda, onde iríamos aterrar para relaxar.
Uma centena e meia de homens foi colocada num espaço exíguo e, com o calor que fazia, começamos a destilar e aí permanecemos uma hora mais minuto menos minuto.
Embarcámos de novo, rumo à cidade da Beira.
A aproximação à pista foi um tremendo susto, pois o avião começou a dançar, ora para a esquerda ou para a direita, e ao vermos o rio Zambeze (segundo o Hélder Losna (ECAV1), seria o rio Pungué e não o Zambeze, já que este último fica ainda longe da cidade da Beira), serpenteando com um caudal enorme, mesmo debaixo do nosso nariz ... os nossos corações começaram a bater forte, fortemente...será que iremos tomar um banho forçado?
Agarrados aos bancos estávamos a preparar-nos para tudo...
Finalmente, os pilotos lá endireitaram o avião e fizemos uma aterragem nada suave, mas chegamos inteiros...
UFA que alívio!!!
Aeroporto de Beira (Moçambique)
Já em terras africanas debaixo dum calor abrasador, entreolhávamo-nos com ar inquisidor, pois os olhares recaiam sobre nós e, de vez em quando lá se ouvia ..."aqui estão mais checas...".
Só esta receção já nos atemorizava, mas lá caminhámos para o quartel para tratar de receber a fiel companheira G3 e novas ordens.
Já ao fim da tarde fomos para os nossos aposentos para descansarmos.
Aproveitei essa folga para juntamente com o ex-alferes Ribeiro ir jantar a casa da prima da minha então namorada, hoje minha mulher, que morava junto à igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Após o mesmo, quando regressávamos para os quartos, mais ou menos a meio caminho, virei-me para o Ribeiro e propus-lhe uma volta pela cidade.
Interrogámo-nos:
"Para onde?"...
Fizemos marcha atrás e eis que deparámos com a Boite Diana, que ficava junto ao Moulin Rouge.
Decidimo-nos pela primeira, para ver uma sessão de striptease ...
Moulin Rouge - Beira (Moçambique)
Entrámos lentamente com uma curiosidade latente nos nossos olhos bem abertos.
A sala iluminada por luzes psicadélicas anteviam um bom espetáculo para os checas.
Sentámo-nos logo nas mesas junto ao palco, pois queríamos estar em cima do acontecimento...
De súbito, ao som duma música quente, surge uma beldade toda ondulante e provocante.
Ao mesmo tempo que nos recostávamos nas cadeiras, os nossos olhos escancaram-se para não perder pitada do espetáculo.
A bailarina loira ou morena para aqui não interessa, num mexe, remexe com movimentos lentos e doces, lá se vai " descascando "...Eis senão quando, entra em cena uma cobra.
A beleza, pega nela sem receio e coloca-a ao pescoço, qual cachecol...
Ai que arrepio!!!...
A cobra, languidamente percorre o corpo desnudo, passando por áreas proibitivas, apertando a "nossa amiga" cada vez mais...
Só se ouvia a música suave que acompanhava o bailado, pois os espetadores estavam embevecidos com tanto bamboleio...
Infelizmente o fim do show chegou, mas iríamos ser surpreendidos.
Estávamos na "sobremesa" do espetáculo e, eis que a bailarina se aproxima de nós.
Gentilmente levantámo-nos, sim os dois ao mesmo tempo e puxámos por uma cadeira.
Ela com um sorriso rasgado sentou-se na nossa companhia. Lá tivemos que pedir um " chá" para a menina e encetámos uma conversa, não muito longa, mas com boas perspetivas... Num bate papo curto, mas " incisivo" convidámo-la a fazer-nos uma visita lá em cima, mais propriamente no Chai...e a malandra com sorriso cativante prometeu-nos tal desígnio...
Chegada a hora da despedida ela foi feita com um beijinho...soube a pouco, claro, mas ficou a promessa...até hoje!!!
Já a madrugada ia avançada, regressámos ao quartel e só uma forte chuvada nos acalmou após tão excitante noite em vésperas duma nova viagem, desta vez rumo a Porto Amélia...